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O país do Caribe que defende o envio de tropas militares de Trump para a região
De todo modo, o governo de Trinidad e Tobago não apenas reafirmou seu total apoio à operação americana como, na semana passada, recebeu a visita de um dos navios de guerra dessa frota: o USS Gravely
"O envio pelo governo dos Estados Unidos de recursos militares para o Caribe para destruir os cartéis terroristas do narcotráfico conta com o apoio total do governo de Trinidad e Tobago."
"As únicas pessoas que deveriam se preocupar com a atividade militar dos EUA são aquelas que participam ou facilitam atividades criminosas. Cidadãos que respeitam a lei não têm nada a temer."
Com essas palavras, divulgadas em comunicado no fim de agosto, a primeira-ministra de Trinidad e Tobago, Kamla Persad-Bissessar, deixou clara a total adesão de seu governo ao amplo envio de forças militares determinado pelo presidente americano, Donald Trump, nas águas do Caribe, como parte de uma suposta operação antidrogas.
Naquele momento, as forças americanas estavam parcialmente mobilizadas, e não se sabia com clareza nem como a operação seria executada nem a dimensão do aparato militar.
A primeira dúvida seria esclarecida em 2 de setembro, quando Trump anunciou que os EUA haviam atacado uma embarcação que supostamente pertencia à organização criminosa Tren de Aragua e que aparentemente havia saído da Venezuela transportando drogas em direção aos EUA.
Nesse ataque, segundo o governo dos EUA, morreram "11 terroristas". Desde então, foram registrados 15 ataques, incluindo quatro no oceano Pacífico, que deixaram mais de 64 mortos. De acordo com a emissora americana CBS, parceira da BBC nos EUA, a polícia de Trinidad e Tobago investiga se dois cidadãos do país morreram nessas ações.
A segunda dúvida está cada vez mais clara: trata-se do maior envio de forças americanas ao Caribe desde a invasão do Panamá em 1989 para derrubar o então presidente Manuel Antonio Noriega, acusado pelo governo americano, aliás, de envolvimento com o narcotráfico.
A missão conta com cerca de dez navios militares dos EUA, entre eles destróieres lançadores de mísseis, embarcações de assalto anfíbio, um submarino, aviões espiões, caças F-35 de última geração, bombardeiros B-52, helicópteros usados no transporte de forças especiais e, em breve, o porta-aviões USS Gerald R. Ford, o maior navio de guerra do mundo, com capacidade para transportar 90 aeronaves.

Crédito,Getty Images
A dimensão desse envio, somada às duras críticas do governo Trump ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro, acusado pelos EUA de chefiar um suposto grupo terrorista chamado cartel Los Soles, gerou intensa especulação sobre a possibilidade de o objetivo final da operação ser promover uma mudança de governo na Venezuela.
De todo modo, o governo de Trinidad e Tobago não apenas reafirmou seu total apoio à operação americana como, na semana passada, recebeu a visita de um dos navios de guerra dessa frota: o USS Gravely, um destróier lançador de mísseis com capacidade de combate aéreo, submarino e de superfície, além de poder transportar helicópteros.
A presença dessa embarcação em Trinidad e Tobago, o país do Caribe mais próximo da Venezuela, separados por apenas cerca de 11 quilômetros em seus pontos mais próximos, nesse contexto, aumentou as tensões entre Port of Spain (Porto da Espanha, em tradução livre) e Caracas.
Mas por que Trinidad e Tobago têm se alinhado de forma tão incisiva aos EUA?

Impotentes diante dos cartéis
Ao defender a operação americana, a primeira-ministra de Trinidad e Tobago destacou o aumento dos assassinatos, da violência, da atuação de facções criminosas e dos crimes financeiros nos países do Caribe nos últimos anos, impulsionados pelo avanço das redes de tráfico de drogas, armas e pessoas.
"A maioria dos países do Caribe, e em particular Trinidad e Tobago, tem enfrentado uma criminalidade fora de controle nos últimos 20 anos. Pequenos Estados insulares como o nosso simplesmente não contam com recursos financeiros nem militares para enfrentar os cartéis de drogas", afirmou.
Ela acrescentou que os cartéis se infiltraram nas altas esferas da sociedade desses países, conquistando influência em setores que vão da política e das finanças à segurança e à mídia, o que enfraquece a capacidade dos governos de adotar medidas eficazes para contê-los.
A primeira-ministra tem razão?
"Alguns podem se sentir inclinados a concordar ou até apoiar a posição de Kamla Persad-Bissessar, diante da crescente violência armada que tem abalado a região nos últimos anos. É verdade que o tráfico ilegal de armas pequenas e leves representa um problema grave para o Caribe, já que muitas dessas armas acabam nas mãos de narcotraficantes responsáveis por alguns dos crimes mais atrozes que chocam a consciência da humanidade", disse Emanuel Quashie, professor de relações internacionais da Universidade das Índias Ocidentais (Jamaica), em entrevista à BBC News Mundo (serviço da BBC em espanhol).
"No entanto, explodir embarcações em nossas águas caribenhas não vai resolver o problema, já que sua origem está no tráfico ilegal de armas vindas dos Estados Unidos", acrescentou.

Crédito,EPA
Quashie apresenta uma hipótese diferente para explicar o apoio de Trinidad e Tobago à operação dos Estados Unidos.
"No sistema internacional, Estados mais fracos, que não dispõem de capacidade militar suficiente para se defender sozinhos de forma eficaz e que exercem influência muito limitada na esfera global como aliados valiosos ou potenciais de uma grande potência, costumam ser obrigados a buscar um equilíbrio diante dos assuntos mais urgentes, tanto em nível regional quanto internacional", afirma.
"Por isso, não me surpreende ver que alguns países-membros da Caricom, embora eu não concorde com sua posição, parecem ter se alinhado aos Estados Unidos em alguns dos temas regionais mais prementes", acrescenta.
Seguindo esse raciocínio, há analistas que consideram que Trinidad tem motivos legítimos para apoiar os EUA, já que depende do respaldo americano para impulsionar sua produção de gás natural.
Outros, porém, destacam que, embora o país não tenha papel central no tráfico de drogas pelo Caribe, é usado por cartéis para armazenar, embalar e distribuir entorpecentes antes do envio à Europa ou aos Estados Unidos.
Segundo declarou Garvin Heerah, especialista em segurança do país caribenho, ao jornal The New York Times: "Trinidad funciona como uma base de operações dentro de uma cadeia de tráfico mais ampla e bem estruturada".

Crédito,Gregg Macready/Royal Navy/PA
Diplomacia em águas turbulentas
O apoio inicial de Persad-Bissessar ao envio de tropas americanas para o Caribe despertou críticas dentro e fora de Trinidad e Tobago. As reações se intensificaram à medida que os EUA passaram do simples deslocamento militar à ação direta, destruindo embarcações tripuladas sem antes tentar detê-las para submeter seus ocupantes a um processo judicial com as devidas garantias, procedimento habitual nesses casos.
Mas a primeira-ministra trinitária mantém firme sua posição: "Prefiro ver traficantes de drogas e armas em pedaços a continuar vendo centenas de nossos cidadãos assassinados todos os anos pela violência de gangues alimentadas pelo tráfico", afirmou.
Em 20 de outubro, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmou em discurso para embaixadores estrangeiros em Brasília que a América Latina e o Caribe vivem "um momento crescente de polarização e instabilidade".
"Manter a região como zona de paz é nossa prioridade. Somos um continente livre de armas de destruição em massa, sem conflitos étnicos ou religiosos. Intervenções estrangeiras podem causar danos maiores do que o que se pretendia evitar", disse Lula, sem citar diretamente as ações do governo americano.
Diversos especialistas classificaram esses ataques feitos pelo governo americano como "execuções extrajudiciais".
"As ações militares de Trump em nossas águas caribenhas constituem, na verdade, um crime de guerra", disse Quashie, da Universidade das Índias Ocidentais.
O governo de Trinidad e Tobago também tem sido duramente criticado pelo Movimento Nacional do Povo (PNM, na sigla em inglês), principal partido de oposição, que considerou "infeliz, imprudente e sinistra" a decisão de apoiar a operação americana.
A postura adotada por Persad-Bissessar contrasta com a dos outros 14 países-membros da Comunidade do Caribe (Caricom), que criticaram o envio das forças americanas — ainda que em tom diplomático.
Em 18/10, os países da Caricom, com exceção de Trinidad e Tobago, divulgaram uma declaração em que expressaram "apoio inequívoco à soberania e à integridade territorial dos países da região", além de reafirmar o compromisso de manter o Caribe como uma "zona de paz", dedicada à resolução pacífica de conflitos.
O texto não mencionava os EUA, mas era uma resposta direta ao envio de suas forças. Também parecia reagir — sem citar nominalmente — ao temor de que o governo Trump aproveitasse a situação para atacar Maduro na Venezuela.
Dias depois, um grupo de dez ex-presidentes de países da Caricom publicou um comunicado convidando os governos da região a evitar receber "recursos militares que possam atrair o Caribe para conflitos que não provocamos".
A mensagem vai na contramão do que faz o governo trinitário, que na semana passada recebeu o destróier americano USS Gravely.
De todo modo, as críticas mais contundentes ao governo de Trinidad e Tobago vieram do governo Maduro, com quem as relações diplomáticas se deterioraram rapidamente nas últimas semanas.
Guerra de palavras

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Quando Persad-Bissessar anunciou seu apoio ao envio de tropas americanas ao Caribe, acrescentou, provavelmente antecipando as críticas que receberia, que o governo americano não havia pedido para usar Trinidad e Tobago como base para uma ação militar contra a Venezuela.
Ela, no entanto, advertiu que concederia pleno acesso aos EUA para atuar em seu território caso a Venezuela invadisse a Guiana. O ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino, respondeu que, nesse caso, o país atacaria Trinidad e Tobago em "legítima defesa".
Mais tarde, quando os EUA já realizavam ataques no Caribe, a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, criticou Persad-Bissessar por apoiar ações nas quais, segundo ela, "humildes" trinitários também estavam morrendo em "execuções extrajudiciais".
As tensões, porém, escalaram de fato nas últimas duas semanas.
Em 23 de outubro, o governo de Nicolás Maduro anunciou que suas Forças Armadas fariam exercícios militares de 72 horas na costa venezuelana. Três dias depois, em 26 de outubro, divulgou um comunicado em que denunciava uma "provocação militar de Trinidad e Tobago em coordenação com a CIA para provocar uma guerra no Caribe".
O texto foi publicado por ocasião da visita do destróier USS Gravely a Trinidad e Tobago, que, segundo Caracas, realizava "perigosos exercícios militares sob coordenação, financiamento e controle do Comando Sul (das Forças Armadas) dos EUA, em uma ação que constitui provocação hostil contra a Venezuela e grave ameaça à paz no Caribe".
Em resposta, o governo de Trinidad e Tobago afirmou que a visita do navio americano tinha como objetivo reforçar o combate ao crime transnacional e "fortalecer a resiliência por meio de treinamento, ações humanitárias e cooperação em segurança".
A partir daí, as palavras deram lugar às ações.
Na segunda-feira (27/10), Maduro anunciou a suspensão de um acordo energético bilateral "diante da ameaça da primeira-ministra [Persad-Bissessar] de transformar Trinidad e Tobago no porta-aviões do império americano contra a Venezuela".
A medida afeta uma série de projetos de exploração conjunta de jazidas de gás nas fronteiras marítimas entre os dois países, incluindo o chamado Campo Dragão, que também conta com a participação da petroleira Shell e prevê a extração de gás venezuelano para processamento em Trinidad e Tobago e posterior exportação como gás natural liquefeito.
Em 2023, as duas nações haviam firmado uma série de projetos conjuntos para explorar o gás compartilhado em suas fronteiras marítimas — entre eles, o Campo Dragão, que previa exportações via Trinidad e Tobago.
Com a queda de sua produção local, Trinidad e Tobago passou a ter grande capacidade ociosa para processar gás, o que torna vantajoso e estratégico o aproveitamento do gás venezuelano.
Além de suspender o acordo energético, a Venezuela também adotou represálias políticas: na terça-feira (28/10), a Assembleia Nacional do país declarou Persad-Bissessar persona non grata.

Crédito,Reuters
Naquele dia, o presidente do Parlamento venezuelano, Jorge Rodríguez, manifestou duramente seu repúdio à primeira-ministra trinitária. "A Venezuela ama o povo de Trinidad e Tobago, mas o governo é um lixo", afirmou.
Em resposta, Kamla Persad-Bissessar classificou a declaração como "inútil", sem qualquer efeito, e desafiou as autoridades venezuelanas a aplicar a mesma medida ao presidente dos Estados Unidos.
"Isso apenas reforça o padrão de tentar intimidar os vizinhos menores (...). Por que Maduro e o restante do governo venezuelano não mencionam o presidente [Donald] Trump? Por que não o declaram persona non grata?", questionou.
Coincidência ou não, naquele mesmo dia a primeira-ministra ordenou a transferência de cerca de 200 imigrantes venezuelanos para um centro de detenção a fim de deportá-los — medida prevista havia meses, mas que só agora foi executada.
"Ninguém, seja o governo da Venezuela, o PNM, a Caricom ou qualquer outra entidade, vai pressionar ou chantagear meu governo para que desista da luta contra os cartéis de drogas", escreveu a primeira-ministra na terça-feira em mensagem publicada no X (antigo Twitter).
"Estou cansada de ver nossos cidadãos assassinados e aterrorizados pela violência das gangues alimentadas pelo tráfico ilegal de drogas e armas. A segurança e o bem-estar dos cidadãos de Trinidad e Tobago são minha principal preocupação", acrescentou.
De todo modo, o que fica claro é que Persad-Bissessar não dá sinais de que pretende reduzir seu apoio à operação militar americana.