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Vice da diplomacia dos EUA ataca Moraes e critica prisão de Bolsonaro: 'Provocativa e desnecessária'

O subsecretário é o número dois na hierarquia da diplomacia americana, que é de responsabilidade do departamento de Estado, chefiado por Marco Rubio

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 23/11/2025
Vice da diplomacia dos EUA ataca Moraes e critica prisão de Bolsonaro: 'Provocativa e desnecessária'
Christopher Landau chamou Moraes de 'violador de direitos humanos' | Getty Imagens

O subsecretário do departamento de Estado dos Estados Unidos, Chistopher Landaucriticou a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como uma medida "provocativa e desnecessária" e voltou a atacar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que ordenou a prisão a pedido da Polícia Federal (PF).

"O juiz Moraes, um violador de direitos humanos sancionado, expôs o Supremo Tribunal Federal do Brasil à vergonha e ao descrédito internacional ao desrespeitar normas tradicionais de autocontenção judicial e politizar de forma escancarada o processo judicial", disse Landau em sua conta na rede social X.

O subsecretário é o número dois na hierarquia da diplomacia americana, que é de responsabilidade do departamento de Estado, chefiado por Marco Rubio.

Landau referência às sanções aplicadas a Moraes no âmbito da Lei Magnitsky, em que o ministro foi acusado pelo governo americano de ser "responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro".

Ele afirmou ainda que "os Estados Unidos estão profundamente preocupados diante de seu mais recente ataque ao Estado de Direito e à estabilidade política no Brasil: a provocativa e desnecessária prisão do ex-presidente Bolsonaro, que já estava em prisão domiciliar sob forte vigilância e com rígidas restrições de comunicação", prosseguiu.

"Não há nada mais perigoso para a democracia do que um juiz que não reconhece limites para seu poder."

A manifestação foi republicada pela embaixada dos Estados Unidos no Brasil.

A BBC News Brasil procurou a embaixada dos Estados Unidos para perguntar se o governo americano manteria o posicionamento diante dos novos elementos citados na decisão judicial brasileira — incluindo o registro de violação da tornozeleira eletrônica e declarações do próprio ex-presidente sobre o episódio —, mas ainda não havia recebido resposta até a última atualização desta reportagem.

Postagem de Christopher Landau, subsecretário de Estado dos EUA

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) respondeu à mensagem de Landau, agradecendo o apoio de autoridades americanas e criticou as instituições brasileiras.

"Muito obrigado pela sua atenção e apoio nesta luta pela liberdade no Brasil, deputado Christopher Landau. Neste estágio, assim como vemos na Nicarágua e na Venezuela, já não há qualquer expectativa real de que a justiça venha de dentro das instituições brasileiras", disse Eduardo.

"Elas foram consumidas pelo mesmo vírus da censura, do medo e da arbitrariedade. Ainda assim, independentemente do que acontecer, permaneceremos firmes. Continuaremos fazendo o que é certo, porque essa luta não é apenas para hoje, mas para as gerações que ainda virão."

deputado é réu em ação que corre no STF na qual é acusado de coação política por sua articulação nos Estados Unidos para a aplicação de tarifas contra o Brasil e sanções contra autoridades brasileiras para impedir a condenação de Bolsonaro. Eduardo nega que este fosse seu objetivo e que buscava combater supostos abusos de Alexandre de Moraes.

O presidente americano, Donald Trump, é um aliado de Jair Bolsonaro.

No último sábado, Trump foi questionado por repórteres sobre a prisão do ex-presidente. Ele disse, no entanto, não estar sabendo dos últimos acontecimentos no Brasil.

"Foi isso que aconteceu? É uma pena", disse o presidente americano ao ser informado pelos jornalistas de que Bolsonaro havia sido preso.

O que diz Moraes na ordem de prisão de Bolsonaro

Jair Bolsonaro em foto feita no dia 14 de setembro

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Jair Bolsonaro foi preso após ser detectado risco de fuga, segundo a PF

Jair Bolsonaro foi preso preventivamente pela Polícia Federal (PF) em Brasília na manhã do último sábado (22/11) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do (STF).

Moraes decidiu revogar a prisão preventiva em regime domiciliar, na qual o ex-presidente estava desde o início de agosto, a pedido da PF após ser identificado um risco concreto e iminente de fuga.

Segundo a decisão, esse risco foi identificado após o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) convocar uma "vigília" em apoio ao pai nas proximidades da residência do ex-presidente, e ser detectada uma tentativa de violação da tornozeleira que ele usava.

Moraes pontua na nova ordem de prisão de Bolsonaro que a convocação de vigília por seu filho Flávio poderia gerar aglomerações capazes de dificultar a fiscalização policial e a aplicação de decisões judiciais.

De acordo com a decisão, a convocação da vigília foi interpretada como parte de uma estratégia para "prejudicar o cumprimento de eventuais medidas judiciais" e "dificultar a aplicação da lei penal" nas horas que antecedem o possível trânsito em julgado da condenação. Ou seja, quando não há mais recursos possíveis para a defesa e a sentença deve ser cumprida.

Além disso, ainda segundo a decisão, a ocorrência de violação da tornozeleira eletrônica usada por Bolsonaro reforçou o entendimento de que havia risco iminente de evasão.

De acordo com documento da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (SEAPE), o Sistema de Monitoração gerou um alerta às 00h07 do sábado, indicando violação no dispositivo.

O relatório indica que o equipamento apresentava "sinais claros e importantes de avaria", com marcas de queimaduras em toda sua circunferência, no local de encaixe/fechamento do case.

Questionado por policiais que foram até a residência do ex-presidente verificar o ocorrido, Bolsonaro confirmou que fez uso de ferro de solda "por curiosidade". Em seguida, a tornozeleira foi trocada.

Para Moraes, o registro "constata a intenção do condenado de romper a tornozeleira eletrônica para garantir êxito em sua fuga", supostamente facilitada pela confusão causada pela manifestação convocada.

Legenda do vídeo,Bolsonaro diz que usou ferro de solda na tornozeleira

Moraes diz também que o ex-presidente poderia se abrigar na embaixada dos EUA para evitar sua prisão. O local fica a cerca de 15 minutos de carro da residência de Bolsonaro, destaca o ministro.

Bolsonaro é um aliado do presidente americano, Donald Trump, e, em 2024, enquanto ainda era investigado, chegou a ir à embaixada da Hungria, país governado por outro aliado, Viktor Orbán, e passou duas noites no local. A atitude do ex-presidente na época levantou suspeitas de que poderia pedir asilo para evitar uma prisão preventiva, o que ele negou.

O ministro também afirma no despacho que a mobilização convocada por Flávio Bolsonaro se assemelha a estratégias já utilizadas por apoiadores do ex-presidente em outros momentos, inclusive os acampamentos em frente a quartéis após as eleições de 2022.

Segundo Moraes, haveria tentativa de reeditar esse tipo de mobilização, que culminou nos ataques de 8 de janeiro de 2023.

A decisão descreve em detalhes o vídeo publicado por Flávio Bolsonaro na rede social X, no qual ele convoca apoiadores a se deslocarem para as proximidades da residência do ex-presidente.

Segundo o documento, Flávio afirmou: "Você vai lutar pelo seu país ou assistir tudo do celular aí do sofá da sua casa? Eu te convido para lutar com a gente".

"Com a sua força, a força do povo, a gente vai reagir e resgatar o Brasil desse cativeiro que ele se encontra hoje", prosseguiu.

Ainda segundo o despacho, o senador convocou uma "vigília pela saúde de Bolsonaro e pela liberdade no Brasil", marcada para as 19h deste sábado, no balão do Jardim Botânico, nas imediações do condomínio onde vive o ex-presidente.

A postagem, diz o texto, já acumulava dezenas de milhares de visualizações e milhares de compartilhamentos.

A decisão também menciona o histórico de aliados do ex-presidente que deixaram o país para escapar da Justiça. São citados os casos da deputada Carla Zambelli (PL-SP), que foi para a Itália, e do ex-diretor da Abin e deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que teria saído recentemente do país rumo aos Estados Unidos.

Ambos foram condenados no mesmo processo que levou à condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. O ex-presidente recebeu pena de 27 anos e três meses em regime inicial fechado.

A prisão ocorre em um momento sensível do caso. Bolsonaro havia passado por fases sucessivas de restrições judiciais, que começaram com medidas cautelares como o uso de tornozeleira eletrônica, depois convertidas em prisão preventiva cumprida em regime domiciliar.

Na semana passada, o STF rejeitou os rescursos apresentados pela defesa, aproximando o processo de sua fase final.