Política
Com dificuldade para atrair médicos, Governo Bolsonaro prepara a readmissão de cubanos
A atuação dos cubanos na atenção básica foi um tema controverso do programa federal petista e alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro desde que ele exercia mandato na Câmara dos Deputados. Bolsonaro questionava a capacidade desses profissionais, que tinham permissão para exercer a medicina exclusivamente no Mais Médicos sem a validação de seus diplomas. "Vamos expulsar com o Revalida os cubanos do Brasil”, declarou o presidente em entrevista dada no aeroporto de Presidente Prudente (SP) durante a campanha presidencial. Bolsonaro afirmava ainda que esses profissionais estavam no Brasil para “formar núcleos de guerrilha” e comparava o modelo de contratação deles no país à “escravidão”.
Os médicos cubanos atuavam no país por meio de um convênio com Cuba intermediado pela Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), em que 70% da remuneração desses profissionais ia para o Governo da ilha e o restante ficava com os profissionais. Cuba mantém acordo semelhante com outros países, o que lhe rende 42 bilhões de reais por ano.
Na discussão do novo programa Médicos para o Brasil no Congresso, uma emenda incluiu a recontratação excepcional dos cubanos que já atuavam no Mais Médicos. O Ministério da Saúde destaca que essa decisão não foi do Governo, mas fruto uma lei aprovada pelos parlamentares. O presidente Bolsonaro sancionou a lei com as modificações. No último ano, o Governo já vinha sinalizando para a possibilidade de reincorporar esses profissionais. A coordenadora do programa, Mayra Pinheiro, chegou a contatar parte desses profissionais por meio do Telegram ainda no período de transição governamental. “Existe essa possibilidade, inclusive estamos procurando esses médicos cubanos, até preocupados do ponto de vista humanístico de como eles estão vivendo no Brasil. O interesse é que, através do Conselho Federal de Medicina (CFM), a gente consiga encontrá-los e reincorporá-los à atividade com a avaliação do Conselho e a possível revalidação dos seus diplomas”, declarou ao EL PAÍS na época.
Agora, com a reincorporação, os médicos cubanos receberão a bolsa integral do programa, que é de cerca de 12.000 reais. E, assim como na época em que foram desligados, continuarão sem a exigência de validação do diploma. O secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Erno Harzheim, explica que o certame a ser lançado nos próximos dias terá um novo formato, já que se trata de um chamamento público e não propriamente um edital. Será direcionado especificamente aos profissionais cubanos que estavam atuando na atenção básica pelo Mais Médicos no dia 13 de novembro de 2018 (quando Cuba anunciou a saída do programa após críticas do recém-eleito Bolsonaro). Outra exigência é que eles tenham permanecido no país até o dia primeiro de agosto de 2019, na condição de naturalizado, residente ou com pedido de refúgio. Essa data é referência porque é a data da Medida Provisória que criou o novo programa do Governo, Médicos para o Brasil.
“Não tem edital de concorrência. Todos os 1.800 médicos cubanos que atendem a esses critérios serão chamados”, diz Harzheim. O número de contratados dependerá da apresentação voluntária desses profissionais. Desde o fim da cooperação com Cuba, há um ano e três meses, centenas de médicos cubanos esperam um aceno de Bolsonaro para voltarem a exercer a profissão no país. Sem a realização do Revalida (a prova que valida o diploma e permite o exercício da medicina no país) desde 2017, eles vinham trabalhando em serviços gerais, que iam de terapias alternativas a vigia de posto de saúde. A luta para voltar ao programa esbarrava na resistência da classe médica, com forte influência na reformulação do programa de provimento de profissionais nesta gestão. O Conselho Federal de Medicina historicamente reivindica a exigência do Revalida e a oferta de vagas exclusivamente para os profissionais com CRM.
O Governo Bolsonaro tem feito uma migração gradual do antigo Mais Médicos para uma nova concepção do programa no Médicos para o Brasil, agora focado especificamente nas cidades mais vulneráveis. Com isso, os vários editais que têm sido lançados ao longo do último ano têm excluído os municípios maiores, capitais e regiões metropolitanas. Para repor as vagas deixadas pela decisão de Cuba de encerrar o convênio, o Governo abriu inicialmente editais exclusivamente voltados para médicos brasileiros. Como as vagas não foram completamente preenchidas, foram abertas convocatórias para médicos brasileiros formados no exterior que também não haviam conseguido revalidar o diploma no país. As vagas não foram ofertadas aos profissionais estrangeiros, centro das críticas ao programa Mais Médicos, embora houvesse essa previsão na lei que instituiu o programa, em 2013. Agora, com pelo menos 757 vagas ainda ociosas somente nas cidades mais vulneráveis por conta da desistência de médicos substitutos, o Governo irá reincorporar os médicos cubanos.
A reportagem foi atualizada para incluir a informação do Ministério da Saúde de que a reincorporação dos médicos cubanos não foi uma decisão do Governo, mas do Congresso Nacional.