Política

Como funcionava a organização que planejou golpe e qual a participação de Braga Netto, segundo a PF

Segundo a Polícia Federal, o grupo planejava dar um golpe de Estado após a derrota nas eleições presidenciais de 2022

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 14/12/2024
Como funcionava a organização que planejou golpe e qual a participação de Braga Netto, segundo a PF
Investigações da PF apontam que grupo que organizou golpe pró-Bolsonaro tinha seis núcleos, incluindo militares de alta patente como o general Braga Netto, preso neste sábado, 14 | Valter Campanato/Agência Brasil

Um grupo extremamente organizado, com tarefas bem definidas e estruturada em pelo menos seis núcleos.

Era assim que, segundo a Polícia Federal (PF), funcionava a organização criminosa da qual faria parte o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 39 pessoas, incluindo o general da reserva Walter Braga Netto, preso neste sábado (14/12).

Segundo a Polícia Federal, o grupo planejava dar um golpe de Estado após a derrota nas eleições presidenciais de 2022, quando Bolsonaro perdeu para o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022 e ministro da Casa Civil e da Defesa do ex-presidente, foi um dos indiciados em novembro no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder.

Braga Netto nega as acusações de que é alvo no inquérito. A defesa do militar divulgou nota oficial após a prisão dele no sábado, afirmando que "se manifestará nos autos após ter plena ciência dos fatos" e que acredita que terá "oportunidade de comprovar que não houve qualquer obstrução às investigações".

Em suas investigações, a PF indicou "participação concreta" de Braga Netto na tentativa de golpe.

O general da reserva é um dos personagens mais mencionados no relatório de 884 páginas da Operação Contragolpe. O militar foi citado 98 vezes.

O ex-ministro da Defesa teria chefiado com Augusto Heleno um suposto gabinete de crise que seria instaurado após a execução do plano a fim de realizar novas eleições. Ele também teria participado da elaboração dos planos golpistas e, inclusive, realizado uma reunião sobre o tema em sua residência em Brasília.

Conforme o relatório, Braga Netto teria aprovado o planejamento operacional do golpe em uma reunião realizada em sua casa em 12 de novembro de 2022.

O encontro contou com a presença de militares como o tenente-coronel do Exército e então ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.

Braga Netto e o general Augusto Heleno chefiariam um gabinete ligado à Presidência da República para apoiar Bolsonaro na implementação de um decreto golpista após a consumação do golpe.

A função do gabinete seria articular redes de inteligência e estratégias de comunicação para conquistar apoio nacional e internacional.

O documento afirma também que, em dezembro de 2022, Braga Netto teria participado de uma ofensiva para pressionar os comandantes da Aeronáutica e do Exército a aderirem ao plano.

A prisão preventiva do general Braga Netto neste sábado foi determinada por uma decisão do ministro Alexandre de Moraes do STF.

Segundo a decisão, que teve seu sigilo levantado, o ex-ministro teria tentado obter dados sigilosos dos depoimentos prestado à Polícia Federal "com a finalidade de obstruir as investigações".

Na tarde do sábado, Braga Netto participou, por videoconferência, de uma audiência de custódia com um juiz instrutor do STF, onde corre a investigação. Após o procedimento de rotina, a prisão preventiva foi mantida.

Os seis núcleos

O grupo foi indiciado em novembro pela Polícia Federal e o sigilo do relatório foi derrubado pouco depois. O documento detalhou a preparação e as intenções dos grupos que, segundo a PF atuaram por um golpe de Estado.

O indiciamento é a etapa na qual a Polícia Federal encaminha o resultado de suas investigações à Justiça, no caso ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O relatório foi enviado à Procuradoria Geral da República (PGR) que pode solicitar novas informações ou decidir se denuncia ou não as pessoas indiciadas. Após a apresentação da denúncia, caberá ao STF decidir se a aceita ou não. Caso a denúncias seja aceita, Bolsonaro e os demais virarão réus.

Ainda de acordo com a PF, "os investigados se estruturaram por meio de divisão de tarefas, o que permitiu a individualização das condutas".

A estrutura da organização era dividida em seis núcleos:

  • Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;
  • Núcleo de Incitação Militar;
  • Núcleo Jurídico;
  • Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas;
  • Núcleo de Inteligência Paralela;
  • Núcleo de Oficiais de Alta Patente e Apoio (nomeado anteriormente como Núcleo para Cumprimento de Medidas Coercitivas).

O grupo foi indiciado por três crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. As penas variam de três a 12 anos de prisão.

A BBC News Brasil analisou documentos já divulgados referentes à investigação e mostra, com base em relatórios divulgados ao longo de 2023 e 2024, quais foram os núcleos identificados e quem fazia parte deles.

Houve mudanças na nomenclatura de alguns deles, mas a estrutura é bastante semelhante à identificada no início do ano.

Como os documentos analisados são do início do ano e na época Bolsonaro ainda não havia sido indiciado, a estrutura abaixo não aponta, ainda, qual seria o papel de Bolsonaro na organização.

O retrato da organização abaixo é baseado na Operação Tempus Veriatis, de fevereiro deste ano.

Confira como funcionava e quem fazia parte de cada núcleo, segundo a PF. E aqui, veja como os indiciados se manifestaram sobre o caso até agora.

Mauro Cid usando uniforme militar em frente a um microfone durante sessão de inquérito na Câmara dos Deputados

Crédito,EPA

Legenda da foto,De acordo com a PF, Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro fez parte de quatro dos seis núcleos identificados pelas investigações

Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral

De acordo com a Polícia Federal, a função deste núcleo era produzir, divulgar e amplificar notícias falsas sobre a lisura das eleições presidenciais de 2022 com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem em frente a quartéis e instalações militares para criar um um ambiente "propício para o Golpe de Estado".

De acordo com a PF, os integrantes desse núcleo eram: o tenente-coronel do Exército e então ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, o então ministro da Justiça Anderson Torres, Ângelo Martins Denicoli, Fernando Cerimedo, Eder Lindsay Magalhães Balbino, Hélio Ferreira Lima, Guilherme Marques Almeida, Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, e o ex-assessor de Bolsonaro Tércio Arnaud Tomaz.

Lançar dúvidas sobre o processo eleitoral parecia ser uma estratégia fundamental para manter a militância mobilizada.

Desde que assumiu o poder, Bolsonaro e seu grupo fizeram críticas sem provas sobre a suposta vulnerabilidade as urnas eletrônicas e chegaram a propor a adoção do voto impresso.

Um dos pontos altos dessa estratégia foi a convocação de uma reunião entre Bolsonaro e embaixadores de países estrangeiros na qual o então presidente voltou a lançar dúvidas sobre o sistema eleitoral do país.

Por conta desta reunião, Bolsonaro acabou sendo condenado pelo suposto abuso do poder político em processo que tramitou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Deste núcleo, todos, exceto Eder Lindsay Magalhães Balbino, foram indiciados.

Núcleo de Incitação Militar

Braga Netto com sorriso tímido

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,General Braga Netto está entre os indiciados

A PF diz que este núcleo tinha a função de eleger alvos para amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam aos supostos planos golpistas.

Esses ataques, segundo a PF, eram realizados a partir da difusão de conteúdo que pusesse pressão sobre militares que hesitavam ou se mostravam contrários ao suposto plano golpista.

Ainda de acordo com a PF, os integrantes deste núcleo eram: o general da reserva e ex-ministro da Casa Civil Walter Souza Braga Netto, o jornalista Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, Ailton Gonçalves Moraes Barros, Bernardo Romão Correa Neto e Mauro Cid.

Um exemplo elencado pelas investigações da Polícia Federal aconteceu após as eleições de 2022 quando o jornalista Paulo Figueiredo teria recebido informações de outros integrantes do núcleo com os nomes de oficiais que estariam resistindo a aderir ao suposto golpe.

Após receber essas informações, Figueiredo teria divulgado, um programa de rádio, os nomes destes militares.

Os integrantes deste núcleo identificados pela PF foram indiciados.

Anderson Torres usando terno e com as mãos nas bochechas dando indicação de estar tenso

Crédito,Reuters

Legenda da foto,O ex-ministro da Justiça Anderson Torres é um dos indiciados. Segundo a PF, ele teria feito parte dos núcleos jurídico e desinformação da organização

Núcleo Jurídico

O chamado "núcleo jurídico" era responsável, segundo a PF, por elaborar minutas de decretos com fundamentação supostamente legal para atender aos interesses do grupo.

Esse teria sido, de acordo com as investigações, o núcleo responsável por elaborar a chamada "minuta do golpe", um documento cujo rascunho foi encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e que previa a decretação de medidas de exceção como o Estado de Sítio como forma de evitar a transferência do poder ao então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De acordo com as investigações, os integrantes deste núcleo eram: o ex-assessor para assuntos internacionais de Jair Bolsonaro Filipe Garcia Martins Pereira, Anderson Torres, Amauri Feres Saad, José Eduardo de Oliveira e Silva e Mauro Cid.

Todos os integrantes deste núcleo foram indiciados.

Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas

Os investigadores da PF afirmam que este núcleo realizava e participava de reuniões para planejar e executar ações destinadas a manter as manifestações em frente aos quartéis. Isso incluiria a mobilização, organização logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília.

Esse núcleo era considerado estratégico uma vez que a manutenção das manifestações em frente aos quartéis após a vitória de Lula era vista como um elemento de pressão para que outros militares e setores da sociedade aderissem à suposta trama golpista.

Os integrantes do grupo, segundo a PF, eram: Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, Bernardo Romão Correa Neto, Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Alex de Araújo Rodrigues e Cleverson Ney Magalhães.

Deste núcleo, Alex de Araújo Rodrigues não foi indiciado.

General Augusto Heleno olhando para interlocutor com olhar desconfiado

Crédito,Reuters

Legenda da foto,O general Augusto Heleno é apontado pela PF como um dos planejadores de golpe de Estado

Núcleo de Inteligência Paralela

De acordo com as investigações, este núcleo era responsável por auxiliar a tomada de decisões do então presidente Jair Bolsonaro em relação ao plano de golpe de Estado.

O grupo era o monitoramento de itinerários, deslocamentos e localização do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que à época presidia o TSE, além de outras autoridades.

Um dos objetivos do grupo seria capturar Moraes e outras figuras políticas contrárias à ruptura democrática assim que Bolsonaro assinasse um decreto que viabilizasse o golpe de Estado.

Segundo a PF, os integrantes deste núcleo eram: Augusto Heleno, Marcelo Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e Mauro Cid.

O grupo desenvolveu, segundo a Polícia Federal, “diversas ações clandestinas, utilizando, de forma ilícita, órgãos do Estado brasileiro, com a finalidade de consumar o golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro no poder”.

Núcleo de Oficiais de Alta Patente e Apoio

General Paulo Sérgio Nogueira usando farda durante discurso com a bandeira do Brasil ao fundo

Crédito,Agência Brasil

Legenda da foto,Segundo a PF, o general Nogueira seria um dos organizadores do golpe de Estado

Ele era formado por militares de alta patente com o objetivo de influenciar e incitar apoio aos demais núcleos por meio do endosso às ações que estavam sendo tomadas para consumar o suposto golpe de Estado.

Segundo a PF, os integrantes deste núcleo eram: Walter Souza Braga Netto, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, o general da reserva Mário Fernandes, o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, Laércio Vergílio e o ex-ministro da Defesa e general da reserva Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.

Ainda de acordo com as investigações, caberia a este núcleo dar suporte e executar ações como o sequestro do ministro Alexandre de Moraes. A tarefa seria responsabilidade de militares Forças Especiais do Exército, os chamados "kids pretos", que à época ficavam subordinadas ao general Theophilo.

Segundo relatório da Polícia Federal, o general da reserva Mário Fernandes é citado por Mauro Cid como "um dos mais radicais e sendo apontado como uma das pessoas acionadas para tentar convencer o então Comandante do Comando de Operações Especiais (CopEsp), General Carlos Alberto Rodrigues Pimentel a aderir ao Golpe de Estado".