Política

Mauro Cid no STF em 4 pontos: delator disse que Bolsonaro revisou 'minuta do golpe', mas não falou sobre 8 de janeiro

As declarações ocorreram em depoimento dentro do processo criminal aberto contra Bolsonaro e outros sete réus acusados de integrar o "núcleo crucial" que teria liderado uma suposta tentativa de golpe de Estado

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 10/06/2025
Mauro Cid no STF em 4 pontos: delator disse que Bolsonaro revisou 'minuta do golpe', mas não falou sobre 8 de janeiro
O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), o delator Mauro Cid, confirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o ex-presidente discutiu e revisou minutas | Ton Molina/STF

O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), o delator Mauro Cid, confirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o ex-presidente discutiu e revisou minutas de documentos para decretar Estado de Sítio ou Estado de Defesa no país, no final de 2022, com objetivo de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Por outro lado, Cid disse não ter qualquer conhecimento de que Bolsonaro tenha se envolvido em ações preparatórias para os atos de 8 de janeiro de 2023, quando radicais invadiram as sedes dos Três Poderes. Cid disse nunca ter ouvido conversas sobre isso no governo anterior.

As declarações ocorreram em depoimento dentro do processo criminal aberto contra Bolsonaro e outros sete réus acusados de integrar o "núcleo crucial" que teria liderado uma suposta tentativa de golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder após sua derrota nas últimas eleições.

Nesta terça-feira (10/06), os depoimentos dos réus foram retomados às 9h. Bolsonaro está entre os que irão depor. Acompanhe a cobertura ao vivo em texto e vídeo.

A tentativa de ruptura democrática, segundo a acusação da Procuradoria Geral da República, teria começado com a campanha contra o sistema eletrônico de votação e culminado nos ataques à sede dos Três Poderes em janeiro de 2023.

Todos negam as acusações, e Bolsonaro diz que é vítima de perseguição política.

Além de Cid e Bolsonaro estão também no auditório do STF cinco réus ao lado de seus advogados: Alexandre Ramagem, deputado federal pelo PL-RJ e ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), general da reserva Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e general Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional)

Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa, que está preso preventivamente, é o único dos réus ausente. Um dos seus advogados está presente e ele falará por videoconferência.

Os depoimentos estão sendo colhidos na Primeira Turma do STF, formada por cinco dos integrantes da Corte, que é quem julgará o caso.

Cid foi o primeiro interrogado, por ter fechado um acordo de delação premiada - colaboração com as autoridades em troca de uma condenação menor.

Os demais serão ouvidos por ordem alfabética, e Bolsonaro será o sexto - sua defesa estmou, na semana passada, que ex-mandatário deve falar entre esta terça e quarta-feira (11/6).

No começo da sessão, Bolsonaro e seu ex-braço-direito se cumprimentaram. O depoimento, que durou pouco menos de 6 horas, foi marcado por momentos descontraídos, que incluiram brincadeiras do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso e responsável por presidir os interrogatórios.

Isso ocorreu quando as perguntas giravam em torno do próprio Moraes, que, segundo a Procuradoria-Geral da República, foi alvo de um plano para matá-lo.

O fato de o ministro ser uma suposta vítima do grupo processado e, ao mesmo tempo, relator do caso é alvo de controvérsias entre juristas.

As sessões acontecem em um auditório em que os ministros e o procurador-geral da República sentam de frente para a plateia, em meia-lua. Para os acusados, foram colocadas oito mesas, também dispostas em meia-lua, de frente para o local onde sentam os ministros e de costas para o público.

Apesar do clima ameno, a sessão é marcada por regras rígidas, como proibição de tirar fotos e consumir água no local. Antes do início da sessão, os presentes foram informados de que é proibido qualquer manifestação de apoio ou repúdio, como vaias, palmas ou cartazes.

Além de Mauro Cid, depôs nesta segunda-feira o deputado Alexandre Ramagem.

Veja abaixo, em 4 pontos, os principais momentos do primeiro dia de interrogatório dos réus.

Bolsonaro cumprimentando Mauro Cid

Crédito,Ton Molina/STF

Legenda da foto,Bolsonaro cumprimenta Cid ao chegar ao STF

'Minuta' do golpe e ataques do 8 de janeiro

No início do depoimento, Alexandre de Moraes questionou Mauro Cid sobre minutas que teriam sido discutidas por Bolsonaro, outros integrantes do governo e o comando das Forças Armadas, prevendo a decretação de Estado de Sítio ou Estado de Defesa, para impedir a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e convocar nova eleição.

Cid confirmou que uma dessas minutas previa a prisão do próprio Moraes e outras autoridades, como ministros do STF e o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD).

Segundo Cid, essa minuta foi "enxugada" a pedido de Bolsonaro para reduzir as autoridades que seriam presas.

"Ele enxugou o documento, basicamente retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor ficaria como preso. O resto...", respondeu.

"O resto recebeu um habeas corpus", completou Moraes, de forma irônica.

Já em outro momento, Cid foi questionado pelo advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, sobre uma reunião com os chamados kids pretos, um grupo de operações especiais do Exército. A pergunta era se, neste encontro, teria sido falado algo sobre Moraes.

"O senhor tem que falar a verdade. Esse ministro está acostumado", brincou Moraes.

O delator disse que o encontro era informal e não tratou de uma ação concreta contra o ministro, mas que o grupo fez críticas a Moraes.

"As pessoas criticavam muito o senhor. As mesmas críticas que o senhor recebe, os mesmos xingamentos, de certa forma, passaram por aí. Até porque era uma conversa de bar", respondeu.

Cid disse ainda não ter qualquer conhecimento de que Bolsonaro tenha se envolvido em ações preparatórias para os ataques de 8 de janeiro de 2023. Cid disse nunca ter ouvido conversas sobre isso no governo anterior.

Para a acusação, o plano para manter Bolsonaro no poder teria começado com ataques infundados à segurança das urnas eletrônicas em 2021 e evoluído para minutas que abririam caminho para o golpe de Estado, um plano para matar Lula e pressões sobre as Forças Armadas para executar o golpe, culminando na depredação e invasão de prédios públicos em Brasília em 8 de janeiro de 2023.

A defesa do ex-presidente nega os crimes e diz que Bolsonaro estava fora do país, morando nos Estados Unidos, quando apoiadores radicais vandalizaram os principais edifícios da República.

Jair Bolsonaro

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Não existe uma data fixa para o depoimento de Jair Bolsonaro, que está previsto para essa semana

Pressão sobre as Forças Armadas

No depoimento, Cid afirmou que havia pressões sobre o comando das Forças Armadas e sobre Bolsonaro para que fosse assinado um documento decretando Estado de Defesa ou Estado de Sítio.

Ele confirmou a versão de que o comandante da marinha, almirante Almir Garnier, foi o único comandante militar que aderiu ao plano de golpe.

Cid também disse que, apesar dessas pressões, tinha certeza de que nada aconteceria porque não havia apoio do comandante do Exército, Marco Antonio Freire Gomes.

O delator relatou que mantinha contato frequente com Freire Gomes, pois o general temia que Bolsonaro assinasse algo sem ele saber.

"Nas conversas com o general Freire Gomes, o que ele explicava era o seguinte: 'não adianta ter vinte minutos de alegria e vinte anos de regime militar'. Porque qualquer regime teria que ser segurado através das armas. Então era isso que o Brasil queria, não era isso que o Brasil precisava", afirmou o delator.

"Então, essa sempre foi a ideia do Freire Gomes. Tanto que eu estava sempre informando o Freire Gomes sobre o que estava acontecendo. Auxiliando ele a ter essa visão sobre a conjuntura do que estava acontecendo", disse ainda.

Bolsonaro fala e sua defesa questiona delação

O depoimento também marcado por questionamentos da credibilidade da delação de Cid, já que ele mudou o teor da sua colaboração ao longo das investigações.

A defesa do general Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, perguntou por que o delator não mencionou em seu depoimento inicial a acusação de que ele teria recebido dinheiro de Braga Netto em uma caixa de vinho.

O ex-ajudante de ordens falou sobre essa caixa de dinheiro à PF apenas depois que as investigações identificaram um plano para matar Lula, o vice-presidente Alckmin e Alexadre de Moraes no final de 2022.

Cid confirmou que recebeu essa caixa com dinheiro ao STF, mas disse que havia entendido na época que os valores serviram para apoiar manifestantes que estavam em frente ao quartéis, e não para um suposto plano para matar adversários, e, por isso, não mencionou no seu primeiro depoimento.

Questionado por Moraes no início do interrogatório, Cid confirmou a voluntariedade de sua delação. Ele disse que todos os seus depoimentos como colaborador foram concedidos com a presença de seus advogados e que não houve coação. Também afirmou que houve quatro depoimentos à Polícia Federal porque ele foi convocado a prestar novos esclarecimentos.

No intervalo da sessão, Bolsonaro falou brevemente com a imprensa e negou estar se preparando para uma prisão.

"Não tem preparação para nada, não tem. Não tem por que me condenar. Eu estou com a consciência tranquila".

Ele também minimizou as acusações sobre minutas golpistas, argumentando que nunca convocou o Conselho da República ou o Conselho da Defesa, órgãos qie teriam que aprovar a decretação de Estado de Sítio ou Estado de Defesa.

"Para assinar um decreto de [Estado de] Defesa ou Sítio, o primeiro passo é convocar os conselhos da República e da Defesa. Isso foi feito?", questionou.

Ao final do primeiro dia de interrogatório, Bolsonaro saiu sem falar novamente com a imprensa. Já seu advogado disse que o depoimento do delator teve muitas contradições e foi "ótimo para a defesa".

Para Celso Vilardi, Cid perdeu credibilidade por que deixou de responder diversas perguntas, afirmando que não lembrava.

Um dos exemplos citados aos jornalistas foi explorado por ele no interrogatório.

O advogado questionou Cid sobre uma suposta reunião de Bolsonaro com empresários que teriam pressionado o então presidente a agir para se manter no poder.

Há um áudio de Cid para um general sobre isso nos autos do processo, em que ele relatava essa pressão e dizia que Bolsonaro estaria desanimado e não faria nada.

Cid disse no interrogatório que não se lembrava da reunião. Vilardi acusa o delator de ter inventado essa encontro, já que não há registro da entrada dos empresários no Alvorada no final de 2022.

"É mentira, não teve reunião [com empresários]. Eu perguntei de propósito. E, mesmo assim, nesse trecho que ele está mentindo, ele diz 'não, o presidente disse que não vai fazer nada, que os empresários queriam que ele fizesse'", disse Vilardi.

"É esta pessoa que é o delator dessa ação penal, uma pessoa que, num diálogo com um general do Exército, mente deliberadamente. Ele inventou uma reunião", continuou.

Ramagem nega existência de Abin paralela

Na noite de segunda-feira (9/6), foi ouvido também o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Ele negou que existisse uma "Abin paralela" que faria monitoramento de autoridades. E também refutou que disseminasse informações falsas sobre supostas fraudes nas urnas eletrônicas.

Segundo Ramagem, um vídeo que ele enviou para Bolsonaro, detectado na investigação, era uma gravação oficial de teste de segurança da urna pela Justiça Eleitoral.

"É um vídeo de mais de dez minutos, que mostra a constante evolução dos testes de segurança. Não era algo contra as urnas, mas uma exposição técnica, feita em audiência pública no STF", afirmou Ramagem.

A ordem dos depoimentos no STF

Confira abaixo a ordem prevista para o depoimento do delator e dos demais réus:

Mauro César Barbosa Cid

Ex-ajudante de ordens da Presidência e tenente-coronel afastado do Exército, é considerado peça chave nas investigações por conta de sua delação premiada. Foi preso em outra operação que investiga dados falsos sobre vacinação nos sistemas do Ministério da Saúde.

Alexandre Rodrigues Ramagem

Deputado federal, concorreu à prefeitura do Rio de Janeiro em 2024 ano pelo PL. É ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e delegado da Polícia Federal.

Almir Garnier Santos

Almirante de esquadra e ex-comandante da Marinha no governo de Bolsonaro. Ele defendeu os acampamentos em frente a quartéis do Exército depois da derrota de Bolsonaro na eleição de 2022.

Anderson Gustavo Torres

Ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-delegado da Polícia Federal. A polícia encontrou com ele uma minuta que sugeria a decretação de Estado de Defesa para intervenção nas eleições.

Augusto Heleno Ribeiro Pereira

Ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional e general da reserva do Exército. Foi capitão do Exército durante a ditadura militar. Segundo a PF, o grupo que tramava o golpe pretendia criar um "gabinete de gestão de crise" comandado por Heleno.

Jair Bolsonaro

Ex-presidente da República. Segundo a PGR, teria participado da formulação e edição de minutas do golpe. Além disso, segundo a denúncia, estaria totalmente a par do plano "Punhal Verde Amarelo", para assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes.

Paulo Sérgio Nogueira De Oliveira

Ex-ministro da Defesa, general da reserva e ex-comandante do Exército. Enviou um ofício em junho de 2022 com queixas ao TSE de que sete propostas feitas pelas Forças Armadas não estariam sendo devidamente consideradas.

Walter Souza Braga Netto

Ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022. Segundo a PF, teria chefiado um gabinete de crise para realizar novas eleições e participado da elaboração dos planos golpistas. Está preso preventivamente no Rio e deve falar remotamente.

O que acontece depois dos depoimentos dos réus?

O interrogatório dos réus marca o fim da fase de instrução no processo penal, onde todas as provas são apresentadas. Depois disso, acusação e defesa podem solicitar diligências adicionais, ou seja, investigações que ainda julguem complementares que ainda julguem necessários, como por exemplo, escutar novas testemunhas ou solicitar documentos.

Em seguida, inicia-se um prazo de 15 dias para que ambas as partes apresentem suas alegações finais, ou seja, seus comentários e argumentos finais aos juízes antes da decisão do caso, a ser tomada em um julgamento na Primeira Turma do STF, ainda sem data.

Caso Bolsonaro seja condenado por todos os crimes, as penas máximas somadas podem superar 40 anos de prisão, já que ele é acusado de liderar a suposta organização criminosa. No Brasil, penas acima de 8 anos começam a ser cumpridas em regime fechado.

Independentemente do resultado, Bolsonaro já está impedido de disputar a eleição de 2026 por duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Uma delas devido ao uso do Palácio da Alvorada para convocar diplomatas estrangeiros e atacar o sistema de votação eletrônico.

E outra por uso político das comemorações da Independência, no feriado de 7 de setembro de 2022, em plena campanha eleitoral.