Cotidiano

Escândalo divino: igreja usa dízimos para erguer mansão de R$ 1 milhão a pastor aposentado em Chapada dos Guimarães

Fiéis se revoltam com doação milionária aprovada pelo filho do próprio beneficiado; caso explode no meio evangélico de Mato Grosso

DA REDAÇÃO/COM UOL 06/11/2025
Escândalo divino: igreja usa dízimos para erguer mansão de R$ 1 milhão a pastor aposentado em Chapada dos Guimarães
A igreja confirma o repasse e diz que o valor de aproximadamente R$ 1 milhão cobre apenas a estrutura da obra, paga diretamente à construtora | Arquivo Página 12

A fé virou polêmica e a devoção virou manchete. A Igreja Batista Nacional Cristo Rei, de Várzea Grande, é acusada de destinar quase R$ 1 milhão de recursos arrecadados com dízimos e ofertas para construir uma casa de luxo em Chapada dos Guimarães para o pastor jubilado Osvaldo Coutinho, pai do atual líder da congregação, pastor Osvaldo Júnior.

A doação milionária foi aprovada sem consulta à assembleia geral dos fiéis — prática histórica entre igrejas batistas —, e autorizada diretamente pela diretoria administrativa, que tem entre seus membros o filho do beneficiado. O caso levantou suspeitas de nepotismo religioso, falta de transparência e desvio da finalidade espiritual dos recursos.

De acordo com documentos internos e declarações de membros, a doação foi justificada como “um presente de gratidão pelos 40 anos de ministério” do pastor jubilado. A residência está sendo construída em uma das regiões mais valorizadas de Chapada dos Guimarães, conhecida por abrigar mansões e pousadas de alto padrão.

A igreja confirma o repasse e diz que o valor de aproximadamente R$ 1 milhão cobre apenas a estrutura da obra, paga diretamente à construtora. Em nota, o conselho declarou que o pastor “não recebeu dinheiro algum em mãos”.

Mas, para parte da comunidade, a explicação não convence. “O dízimo é sagrado, é para a obra de Deus, não para erguer castelo de pastor”, desabafou uma fiel que pediu anonimato por medo de retaliação.

O episódio gerou uma onda de revolta nas redes sociais e uma crise interna sem precedentes. Diversos fiéis se dizem traídos e exigem prestação de contas.

O teólogo e pastor Renato Ruiz Lopes, da Primeira Igreja Batista de Botucatu (SP), classificou a decisão como “uma afronta direta à lógica do Evangelho”:

“Jesus pregou desapego e serviço. Uma igreja gastar R$ 1 milhão com o conforto de um homem é o oposto do que Ele ensinou.”

Especialistas em direito eclesiástico apontam que a situação pode configurar conflito de interesses, já que o atual pastor titular é filho do beneficiado e participou da aprovação da doação.

Embora as igrejas tenham autonomia administrativa e isenção tributária, o uso de recursos para fins pessoais pode caracterizar desvio de finalidade — o que, em tese, permitiria investigação do Ministério Público.

“Entidades religiosas não são imunes à lei. Se há indício de favorecimento pessoal, é dever do MP apurar”, comentou um jurista ouvido pela reportagem.

O caso abalou profundamente a imagem da Batista Cristo Rei, tradicional na Grande Cuiabá e filiada à Convenção Batista Nacional. Fiéis antigos relatam vergonha e indignação, enquanto outras congregações batistas de Mato Grosso pedem apuração.

Nas redes, o episódio virou chacota e motivo de piadas. “Dízimo virou tijolo de luxo”, comentou um internauta. Outro ironizou: “O descanso do pastor custa mais que o esforço do fiel.”

A polêmica reacende o debate sobre o uso de recursos eclesiásticos e o limite entre fé e ostentação. O episódio também expõe uma crise ética crescente: a transformação de igrejas em redutos familiares com controle patrimonial restrito.

Enquanto a obra avança em Chapada, a indignação cresce em Várzea Grande. “Deus não pediu mansão, pediu humildade”, escreveu uma fiel em uma das centenas de postagens críticas.

O caso da “mansão da fé” escancara o que muitos preferem calar: a ausência de transparência e controle sobre o destino do dinheiro dos fiéis. E, em tempos de desconfiança generalizada, talvez o maior desafio da Igreja não seja erguer paredes — mas reconstruir a credibilidade diante de quem a sustenta.