Polícia
Médica ré por matar verdureiro ligada a esquema milionário de fraudes médicas; CRM aciona Polícia
Conselho Regional de Medicina pede acesso a investigações da Operação Fio de Aço, que revelou superfaturamento de até 900% em contratos do Estado com empresas controladas por médicos
O Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT) pediu à Polícia Civil o compartilhamento de informações sobre a suposta participação de médicos em um esquema criminoso desvendado na Operação Fio de Aço, deflagrada nesta terça-feira (4). A investigação aponta que empresas do ramo médico simulavam concorrência em processos judiciais de pacientes do SUS, superfaturando contratos em até 900%.
Entre os nomes ligados às empresas investigadas aparece a médica Letícia Bortolini, ré por atropelar e matar o verdureiro Francisco Lúcio Maia, em 2018, em Cuiabá. Ela é sócia da L.A. Serviços Médicos Ltda, uma das empresas investigadas, que teria recebido valores de contratos públicos com sobrepreço.
O CRM-MT informou, em nota, que o pedido de acesso às informações busca identificar quais profissionais podem estar envolvidos, a fim de instaurar sindicâncias e processos ético-disciplinares, que podem resultar até na cassação do registro profissional.
Segundo documentos obtidos pela reportagem, as empresas Contactmed, Rondelo, Uromed e L.A. Serviços Médicos seriam controladas por um mesmo grupo de pessoas, sob liderança de Anderson Leôncio de Oliveira Araújo, dono da Contactmed — empresa que quase sempre era a beneficiária final dos alvarás judiciais.
As investigações apontam que a Contactmed, RSB Medical e Rondelo não possuíam sede física nos endereços declarados. Alguns locais funcionavam como outros comércios, e as empresas usavam telefones e contabilidades em comum.
Além de Anderson Araújo, aparecem como sócios da Rondelo Duarte Medicina e Saúde o cirurgião oncológico Gustavo Rondelo Duarte e Ticiany Fátima de Souza Duarte. A Uromed Serviços Médicos Ltda. tem entre seus proprietários o médico Carlos Evaristo Metello Costa e Silva.
A L.A. Serviços Médicos Ltda., por sua vez, é composta pelo urologista Aritony de Alencar Menezes e pela médica Letícia Bortolini.
A Polícia Civil, por meio da Delegacia Especializada de Combate à Corrupção (Deccor), revelou que o grupo agia principalmente em Alta Floresta, Tangará da Serra e Guarantã do Norte, onde pacientes da rede pública recorriam à Defensoria Pública para custear tratamentos particulares.
As ações eram deferidas pela Justiça, que obrigava o Estado a pagar o procedimento médico — e os orçamentos apresentados ao Judiciário vinham, quase sempre, de empresas ligadas ao mesmo núcleo.
Em um dos casos analisados, um hospital público cobrou R$ 16 mil por um procedimento, enquanto as empresas investigadas apresentaram orçamentos de R$ 144 mil, configurando superfaturamento de 900%.
Durante a operação, a Justiça determinou buscas e apreensões, bloqueio de bens, sequestro de imóveis e veículos, além de proibição de contato entre os investigados.
Eles também estão impedidos de contratar com a administração pública e devem entregar seus passaportes, estando proibidos de sair da comarca sem autorização judicial.
“O ofício encaminhado visa esclarecer a existência ou não de médicos entre os investigados e quais os documentos que embasam a investigação. Tais informações são necessárias para que haja a instauração de uma sindicância e, se for o caso, abertura de Processo Ético-Disciplinar”, informou o CRM-MT.
A denúncia que deu origem à Operação Fio de Aço partiu do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Saúde Pública (Cejusc), que identificou sobrepreço em orçamentos apresentados à Justiça em ações da área de saúde.
As diligências revelaram um padrão organizado de fraude, com empresas distintas apenas na aparência, mas controladas pelo mesmo grupo empresarial.
O nome da operação — “Fio de Aço” — faz referência ao material utilizado em procedimentos cirúrgicos e, metaforicamente, à “ligação invisível” entre as empresas de fachada.