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Medida de Trump para barrar imigração mira eleição, não proteção de empregos, dizem especialistas
24/04/2020
Quase 48 horas depois de o presidente americano Donald Trump anunciar pelo Twitter que "suspenderia a imigração" para os Estados Unidos para proteger o mercado de trabalho, em meio à maior crise econômica do país em quase um século, a Casa Branca divulgou na noite da quarta-feira (22), um documento em que especifica quem deve ser afetado pela decisão.
O escopo da medida é, no entanto, muito menor do que indicavam as palavras iniciais de Trump nas redes sociais. Seu reduzido alcance tem feito analistas enxergarem no ato mais uma jogada eleitoral do presidente, que concorrerá à reeleição em seis meses, do que uma medida com impacto real em um mercado de trabalho com mais de 26 milhões de desempregados. Proteção aos americanos ou aposta eleitoral? A ordem executiva publicada por Trump suspende por 60 dias, renováveis por mais 60, a concessão de green cards para familiares no exterior de estrangeiros que residam permanentemente nos Estados Unidos. Veda ainda autorizações de permanência para pais e irmãos estrangeiros de cidadãos americanos. Também interrompe o processamento das loterias destas autorizações de residência permanente, que respondem por cerca de 50 mil concessões por ano. A ordem, no entanto, não altera a concessão de vistos de trabalho para pessoas que tenham recebido uma oferta de emprego de alguma empresa americana, uma demanda antiga da base eleitoral de Trump. E não impede a chegada de trabalhadores estrangeiros em sete áreas consideradas prioritárias, como saúde e segurança. Na prática, a determinação impediria a entrada no mercado de trabalho de algo entre 114 mil e 660 mil pessoas, segundo estimativa do Migration Policy Institute. "Estimo que deva impactar 110 mil pessoas, o que é absolutamente nada quando estamos falando de mais de 26 milhões de desempregados. Então, é uma jogada política de campanha, uma desculpa para colocar em prática essa agenda que agrada ao eleitorado de classe média baixa do presidente, que agora está desempregada", afirmou o especialista em migração Leonardo Freitas, CEO do Hayman-Woodward. Para Ann Lin, professora de Políticas Públicas da Universidade de Michigan e especialista no tema, a decisão não terá qualquer efeito prático. "Esse tipo de concessão já havia sido interrompida, na verdade, porque as embaixadas e consulados dos Estados Unidos não estão realizando entrevistas de visto devido à pandemia. Portanto, a ordem executiva é basicamente inútil", resume. Segundo Freitas, um processo de emissão de green card costuma levar meses ou até alguns anos para sair. "Não é uma coisa rápida, então quando a economia americana reabrir e os empresários precisarem recontratar, eles vão imediatamente aproveitar a mão de obra americana e não esperar pelos papéis de gente de fora." Exatamente o contrário do que argumentou Trump ao defender a medida.O clamor das bases eleitorais
"Ao interromper a imigração, ajudaremos a colocar os americanos desempregados em primeiro lugar na fila de empregos à medida que os Estados Unidos reabrirem. É muito importante ", disse o presidente. "Seria errado e injusto que os americanos demitidos pelo vírus fossem substituídos por novos trabalhadores imigrantes enviados do exterior. Primeiro precisamos cuidar do trabalhador americano." O republicano está se mostrando sensível ao números do desemprego nos chamados swing states, aqueles Estados em que o eleitorado costuma se alternar entre a preferência por um republicano ou um democrata na disputa presidencial. Em Michigan e na Pensilvânia, onde Trump venceu por uma margem de menos de 1% dos votos na eleição de 2016, respectivamente, 21% e 20% dos trabalhadores estão sem emprego, uma taxa mais alta do que a estimada nacionalmente, em torno de 14%.Frustração e dúvidas
A preocupação com os efeitos eleitorais da recessão causada pelo coronavírus tem levado Trump a pressionar - preferencialmente via Twitter - pelo fim das políticas de quarentena nos Estados americanos. Na noite de segunda-feira (20), ele usou o mesmo expediente para tratar da questão de imigração, ao escrever em sua conta na rede social: "À luz do ataque do Inimigo Invisível (coronavírus), bem como da necessidade de proteger os empregos de nossos GRANDES Cidadãos Americanos, assinarei uma Ordem Executiva para suspender temporariamente a imigração para os Estados Unidos!".Mais lidas
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