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União Europeia e Reino Unido selam um acordo comercial histórico para a era pós-Brexit
Os negociadores dedicaram toda a madrugada desta quinta-feira a revisar os detalhes das 2.000 páginas de texto. Boris Johnson pede a seus ministros que ajudem a “vender o acordo”
Ambas as partes esperam turbulências nos próximos meses, por isso negociaram mecanismos de monitoramento mútuo e potencial retaliação em caso de quebra do acordo. A possível concorrência desleal do Reino Unido preocupava a UE. Johnson venceu a eleição com a promessa de inundar o empobrecido norte da Inglaterra com investimentos em infraestrutura e tecnologia. Bruxelas temia que Londres se lançasse a subsidiar publicamente empresas nacionais, reduzisse os impostos ou rebaixasse sua regulamentação do mercado de trabalho, meio ambiente ou em matéria de direitos do consumidor para dar às próprias empresas uma vantagem competitiva.
O último obstáculo da negociação, porém, girou em torno de um setor tão tradicional como a pesca. Depois do Brexit, Londres pretendia impedir a entrada da frota pesqueira continental nas águas de influência britânica (até 200 milhas), regiões onde pescadores europeus operam há centenas de anos. Foi uma negociação em que se barganharam números, porcentagens e espécies. E anos de transição suficientes para a indústria pesqueira europeia se adaptar aos cortes futuros. O Governo francês pressionou em defesa de seus pescadores. Johnson tinha que se sair bem diante da indústria escocesa, a mais poderosa do Reino Unido neste setor, em um momento em que as aspirações de independência voltaram a ganhar força.
O processo para os próximos dias parece mais fácil do lado da UE, embora não possam ser descartadas eventuais surpresas. O tratado deve ser revisado pelo comitê de representantes permanentes dos 27 membros em Bruxelas, em nível de embaixadores. O sinal verde diplomático terá que ser confirmado pelos 27 Governos nas capitais. E o Parlamento Europeu poderia convocar uma reunião dos presidentes dos grupos parlamentares para darem seu primeiro parecer sobre o texto. Está descartada a possibilidade de ratificação parlamentar antes do final do ano, por isso Bruxelas tem procurado alternativas legais que não deixem nenhuma lacuna, para evitar um possível caos fronteiriço ou aduaneiro. A fórmula com mais chances será a aplicação provisória do tratado, que poderá ser decidida pelos 27 países membros. Ou, pelo menos, dos capítulos do texto que permitem preservar um tráfego comercial fluido a partir de 1º de janeiro. O European Research Group (Grupo de Pesquisa Europeu, que reúne dezenas de parlamentares conservadores eurocéticos) já anunciou que seu comitê de direção e seus especialistas estão prontos para começar a revisar os detalhes do texto acordado assim que chegar às suas mãos. Foi este grupo de pressão que manobrou para impedir o acordo que a anterior primeira-ministra, Theresa May, havia fechado com Bruxelas. E acabaram causando sua renúncia e a chegada de Boris Johnson ao poder. O primeiro-ministro deve agora embarcar na tarefa de convencê-los de que o novo acordo é uma vitória para o Reino Unido e a possibilidade de concluir finalmente, quatro anos após o referendo, a longa jornada do Brexit.