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Narcossubmarinos e narcolanchas: como embarcações são usadas para tráfico de drogas para a Europa

Interceptações de embarcações usadas por organizações criminosas para tráfico para a Europa não são incomuns, especialmente ao redor das costas de Portugal e Espanha

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 07/11/2025
Narcossubmarinos e narcolanchas: como embarcações são usadas para tráfico de drogas para a Europa
A Marinha portuguesa interceptou nesta semana um narcossubmarino que transportava mais de 1,7 tonelada de cocaína da América do Sul para a Europa | Marinha de Portugal

Na última segunda-feira (3/11), a polícia portuguesa revelou ter apreendido, no meio do Oceano Atlântico, um narcossubmarino que transportava mais de 1,7 tonelada de cocaína. A embarcação semissubmergível havia saído da Venezuela, com destino à Península Ibérica, carregando a droga que seria distribuída por diversos países do continente europeu.

Interceptações de embarcações usadas por organizações criminosas para tráfico para a Europa não são incomuns, especialmente ao redor das costas de Portugal e Espanha.

Nos últimos anos, as polícias e Marinhas de ambos os países perseguiram e confiscaram diversas lanchas suspeitas ou com carregamentos de drogas. Algumas operações também capturaram semissubmergíveis semelhantes ao apreendido pelas autoridades portuguesas nesta semana.

Em muitas das vezes, as investigações apontaram que as embarcações estavam sendo utilizadas para o transporte de cocaína. O consumo e a produção da droga têm crescido em todo o mundo, com a Europa sendo apontada como um dos mercados mais lucrativos.

Segundo reportagem da BBC News Brasil, ao mesmo tempo em que mais europeus consomem cocaína, a droga comercializada no continente fica cada vez mais pura e potente.

Dados do Relatório Mundial sobre Drogas da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2025 mostram que o mercado ilegal de cocaína atingiu seu recorde nos últimos anos. A alta é motivada por um aumento na oferta diante da alta produtividade na América Latina, mas também de um crescimento na procura pela droga em todo o planeta.

As lanchas supervelozes

As lanchas rápidas de alta potência utilizadas pelas organizações criminosas para o transporte de drogas foram apelidadas de narcolanchas.

Muitas delas são, na verdade, barcos semi-rígidos ou infláveis, de mais de 10 metros de comprimento, segundo descrições das autoridades portuguesas e espanholas. Algumas podem carregar até três toneladas de drogas.

Segundo investigações policiais e relatos da imprensa europeia, elas são geralmente usadas para transportar as mercadorias ilegais de embarcações-mãe maiores que chegam da América do Sul até os portos europeus.

Quando o destino das drogas é a Espanha, as lanchas costumam ser abastecidas em águas próximas às Ilhas Canárias, de acordo com reportagem do jornal El País. Os criminosos se valem de comunicações criptografadas para evitar que as embarcações sejam detectadas durante o transporte e a transferência da carga.

Também há relatos de rotas que envolvem pontos de carregamento em Marrocos e na África Ocidental.

Foto de embarcação interceptada pela Marinha de Portugal transportando mais de 300 depósitos de combustível.

Crédito,Marinha de Portugal

Legenda da foto,Foto de embarcação interceptada pela Marinha de Portugal substâncias ilegais

Mas uma das principais características das narcolanchas é a sua velocidade: há registros de algumas das embarcações chegando a 70 ou 80 nós, cerca de 130 a 148 km/h.

Muitas dessas embarcações são ainda classificadas como "Go-Fast" (no português, "Barcos Rápidos"). Versões antigas desse mesmo modelo de barco foram utilizados durante o período de Lei Seca nos Estados Unidos, na década de 1930, para contrabandear bebidas alcoólicas e cigarros para o país.

A velocidade é necessária especialmente em casos de perseguição, que também se tornaram comuns nas costas espanhola e portuguesa.

Em fevereiro de 2024, dois guardas-civis foram mortos durante uma dessas operações no porto de Barbate, em Cádis, sudoeste da Espanha. O barco em que León David Pérez e Miguel Ángel estavam foi atingido por uma das narcolanchas durante uma perseguição.

Polícia espanhola durante apreensão de narcolanchas

Crédito,Guarda Civil espanhola/Europol

Legenda da foto,Polícia espanhola durante apreensão de narcolanchas

Para tentar conter o tráfico usando as narcolanchas, em 2018 o governo espanhol aprovou um decreto que qualifica certas embarcações infláveis e semirrígidas de alta velocidade como "gênero proibido", que podem ser apreendidas mesmo quando não transportam droga.

A fabricação das narcolanchas também foi proibida no país, mas segue sendo permitida em Portugal. Por isso, segundo a polícia espanhola, as organizações criminosas passaram a usar áreas em território português para manter sua logística funcionando.

Os submarinos criminosos

Mas a forma mais indetectável e sofisticada de transporte marítimo de drogas acontece por meio dos narcossubmarinos, segundo relatórios de monitoramento.

Essas embarcações são capazes de carregar quantidades muito maiores de drogas do que as lanchas, com registros de embarcações transportando centenas de quilos a até várias toneladas de cocaína por viagem. Alguns ainda conseguem fazer travessias oceânicas, levando as mercadorias da América do Sul para a África Ocidental ou Europa, de acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc).

Em seu Relatório Mundial sobre Drogas de 2024, o órgão da ONU afirmou que o uso de narcossubmarinos tornou-se mais comum desde a pandemia de covid-19. "Essa tendência reflete a resiliência e a adaptabilidade das redes de tráfico em meio a crises globais", aponta o documento.

A primeira embarcação do tipo apreendida tentando transportar cocaína da América do Sul para a Europa saiu do Brasil em 2019. O submersível, batizado de Che, foi projetado para poder navegar com a maior parte do casco submerso, movendo-se próximo à superfície, quase invisível entre ondas. Mas não atingiu seu objetivo.

Na Colômbia, é comum a interceptação de submarinos artesanais para transportar drogas, como este da foto, localizado em 2011

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Na Colômbia, é comum a interceptação de submarinos artesanais para transportar drogas, como este da foto, localizado em 2011

A embarcação submergiu perto da costa da Galícia, na Espanha, e foi capturada pelas autoridades locais. Quando foi apreendida, transportada três toneladas de cocaína, avaliadas na época em mais de US$ 150 milhões (cerca de R$ 750 milhões).

Segundo reportagem da BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, o Che foi construído em um estaleiro clandestino na Amazônia. A missão para pilotá-lo coube a um ex-campeão espanhol de boxe e velejador experiente chamado Agustín Álvarez.

Ao lado de outros dois homens, Álvarez passou 27 dias no submarino, confinado em um espaço minúsculo de apenas 1,5m².

E segundo autoridades e especialistas em segurança, assim como o Che, muitos dos narcossubmarinos são construídos clandestinamente pelas próprias redes de tráfico.

"Estas embarcações são construídas em estaleiros artesanais ilegais em territórios imensos. Depois é colocá-los na água", disse Luís Neves, diretor da Polícia Judiciária de Portugal, após a apreensão de uma embarcação em março deste ano.

O narcossubmarino foi pego pela Marinha portuguesa tentando atravessar o Atlântico com 6,5 toneladas de cocaína após sair do Brasil. Três brasileiros e um espanhol foram presos.

O submarino artesanal Che foi exposto em um estacionamento na região central da Espanha
Legenda da foto,O submarino artesanal Che foi exposto em um estacionamento na região central da Espanha

A tradição dos narcossubmarinos começou na Colômbia na década de 1990, pelas mãos de ex-soldados e engenheiros da antiga União Soviética. O precursor foi Pablo Escobar, traficante colombiano que nunca escondeu o fato de que havia dois desses submarinos em sua frota marítima.

E até hoje seu uso tem representado um desafio para as autoridades há décadas.

"Estamos vendo muita atividade de narcobsubmarinos porque é o sistema mais lucrativo para as organizações. O investimento é menor e as chances de as drogas chegarem ao destino são maiores, por isso a luta é constante", afirmou Emilio Rodríguez Ramos, chefe da unidade de resposta ao crime organizado da Polícia Nacional Espanhola em Pontevedra, ao jornal El País.

O policial afirmou ainda que as autoridades precisam de tecnologias mais avançadas para serem capazes de interceptar as comunicações que permitem que os submarinos funcionem.