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Hamas aceita libertar reféns após ultimato de Trump, mas quer mudanças em plano para Gaza

Em um comunicado, o movimento afirmou concordar em "libertar todos os prisioneiros israelenses, vivos e mortos, de acordo com a fórmula de troca contida na proposta do presidente Trump" — se condições para as trocas forem atendidas

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM CNN 03/10/2025
Hamas aceita libertar reféns após ultimato de Trump, mas quer mudanças em plano para Gaza
O Hamas respondeu nesta sexta-feira (03/10) à proposta dos Estados Unidos para um cessar-fogo em Gaza aceitando o plano em parte, mas buscando novas negociações sobre uma série de pontos-chave | EPA/Shutterstock

Hamas respondeu nesta sexta-feira (03) à proposta dos Estados Unidos para um cessar-fogo em Gaza aceitando o plano em parte, mas buscando novas negociações sobre uma série de pontos-chave.

Em um comunicado, o movimento afirmou concordar em "libertar todos os prisioneiros israelenses, vivos e mortos, de acordo com a fórmula de troca contida na proposta do presidente Trump" — se condições para as trocas forem atendidas.

Mas, no documento, o grupo parece sugerir que busca novas negociações sobre questões relacionadas ao futuro da Faixa de Gaza e aos direitos do povo palestino, afirmando que elas ainda estão sendo discutidas.

O anúncio ocorreu horas depois de o presidente dos EUA, Donald Trump, ter dado ao Hamas um prazo até o próximo domingo (05) para o grupo aceitar o plano de paz dos EUA para Gaza ou enfrentar "o inferno".

A declaração do Hamas não menciona nem aceita especificamente o plano de 20 pontos de Trump, mas afirma que "renova seu acordo para entregar a administração da Faixa de Gaza a um corpo palestino de independentes (tecnocratas), com base no consenso nacional palestino e no apoio árabe e islâmico".

No entanto, a declaração não menciona uma das principais exigências do plano: que o Hamas concorde com seu desarmamento e não desempenhe mais nenhum papel na governança de Gaza.

A questão fundamental é se o acordo para libertar os reféns e, eventualmente, entregar Gaza será suficiente para que Donald Trump acredite que há uma perspectiva de fim da guerra.

Na noite de sexta, após a divulgação do comunicado do Hamas, Trump publicou em suas redes sociais que Israel deve parar de bombardear Gaza.

"Com base na declaração recém-emitida pelo Hamas, acredito que eles estão prontos para uma PAZ duradoura. Israel deve interromper imediatamente o bombardeio de Gaza, para que possamos retirar os reféns com segurança e rapidez!", escreveu o presidente americano na Truth Social.

"Neste momento, é muito perigoso fazer isso. Já estamos discutindo detalhes a serem definidos. Não se trata apenas de Gaza, trata-se da PAZ há muito buscada no Oriente Médio."

Ele também publicou um vídeo afirmando que está cada vez mais próxima a possibilidade de conquistar a paz no Oriente Médio.

"Este é um grande dia, vamos ver como tudo vai acabar. Temos que dar a palavra final e concreta", disse o presidente americano, agradecendo ao Catar, Egito, à Turquia, Arábia Saudita e Jordânia pela participação nas negociações.

O plano de paz americano propõe o fim imediato dos combates e a libertação, em até 72 horas, de 20 reféns israelenses mantidos vivos pelo Hamas — bem como dos restos mortais de reféns supostamente mortos — em troca da soltura de centenas de moradores de Gaza detidos por Israel.

Uma mulher palestina carrega pertences enquanto caminha em meio aos escombros de uma escola das Nações Unidas, atingida por ataques israelenses no bairro de Zeitoun, na Cidade de Gaza, em 1º de outubro

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Plano de paz de 20 pontos proposto pelos EUA é a mais recente tentativa de pôr fim ao conflito em Gaza

O plano estipula que, assim que ambos os lados concordarem com a proposta, "ajuda total será enviada imediatamente para a Faixa de Gaza".

Também prevê que o Hamas não terá nenhum papel na governança de Gaza e deixa a porta aberta para um eventual Estado palestino.

No entanto, após o anúncio do plano na segunda-feira (29/09), o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, reafirmou sua oposição de longa data a um Estado palestino.

Mais cedo nesta sexta-feira, Trump escreveu em sua rede social Truth Social que um acordo deveria ser fechado até as 18h de domingo, pelo horário de Washington (19h em Brasília).

"Se este acordo de ÚLTIMA CHANCE não for alcançado, um INFERNO como nunca visto antes se instalará contra o Hamas. HAVERÁ PAZ NO ORIENTE MÉDIO DE UMA FORMA OU DE OUTRA", escreveu Trump na postagem.

Em coletiva de imprensa na Casa Branca na tarde de sexta-feira, a secretária de imprensa Karoline Leavitt disse que as consequências de recusar o acordo seriam "muito graves" para o Hamas.

"Acredito que o mundo inteiro deveria ouvir o presidente dos Estados Unidos em alto e bom som", disse Leavitt.

"O Hamas tem a oportunidade de aceitar este plano e avançar de forma pacífica e próspera na região. Se não o fizer, as consequências, infelizmente, serão muito trágicas", completou a porta-voz do governo americano.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aperta a mão do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, após coletiva de imprensa na Casa Branca, em Washington, em 29 de setembro de 2025.

Crédito,EPA/Shutterstock

Legenda da foto,O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aperta a mão do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, após o anúncio do plano de paz

Líderes europeus e do Oriente Médio receberam bem a proposta.

A Autoridade Palestina, que governa partes da Cisjordânia ocupada por Israel, classificou os esforços do presidente americano como "sinceros e determinados".

Trump afirmou anteriormente que, se o Hamas não concordasse com o plano, Israel teria o apoio dos EUA para "terminar o trabalho de destruir a ameaça do Hamas".

Netanyahu também disse que Israel "terminará o trabalho" se o Hamas rejeitasse o plano ou não o leve adiante.

O exército israelense lançou uma campanha em Gaza em resposta ao ataque liderado pelo Hamas ao sul de Israel em 7 de outubro de 2023, no qual cerca de 1,2 mil pessoas foram mortas e outras 251 foram feitas reféns.

Desde então, pelo menos 66.288 pessoas foram mortas em ataques israelenses em Gaza, de acordo com o Ministério da Saúde do território, administrado pelo Hamas.

Crianças palestinas segurando por panelas à espera de ajuda humanitária em Gaza

Crédito,Reuters

Legenda da foto,ONU confirmou recentemente que Gaza está sofrendo com a fome

Mais de 60 mortos em 24h

Nas 24 horas até o meio-dia de sexta-feira, 63 pessoas foram mortas em operações militares israelenses, informou o Ministério da Saúde de Gaza.

A pressão pelo plano de paz ocorre enquanto Israel realiza uma ofensiva na Cidade de Gaza. O ministro da Defesa israelense afirmou no início desta semana que as forças israelenses estavam "apertando o cerco" em torno da cidade.

Israel diz que a ofensiva visa garantir a libertação dos reféns restantes.

Centenas de milhares de moradores da Cidade de Gaza foram forçados a fugir depois que o exército israelense ordenou evacuações para uma "área humanitária" designada na região de al-Mawasi, no sul, mas acredita-se que centenas de milhares tenham permanecido na cidade sob ataque.

O ministro da Defesa de Israel disse que pessoas que permanecessem na cidade durante a ofensiva contra o Hamas seriam "terroristas e apoiadores do terror".

James Elder, porta-voz da agência das Nações Unidas (ONU) para a infância, a Unicef, disse na sexta-feira que a ideia de uma zona segura no sul de Gaza era "ridícula".

"Bombas são lançadas do céu com uma previsibilidade assustadora. Escolas, que foram designadas como abrigos temporários, são regularmente reduzidas a escombros", disse ele.

O que diz o plano divulgado pela Casa Branca

O plano dos EUA propõe o seguinte:

  • "Gaza será uma zona desradicalizada e livre de terrorismo que não represente ameaça a seus vizinhos."
  • "Gaza será reurbanizada em benefício do povo de Gaza, que já sofreu mais do que suficiente."
  • "Se ambos os lados concordarem com esta proposta, a guerra terminará imediatamente. As forças israelenses recuarão para a linha acordada para preparar a liberação de reféns. Durante esse período, todas as operações militares, incluindo bombardeios aéreos e de artilharia, serão suspensas, e as linhas de batalha permanecerão congeladas até que sejam cumpridas as condições para a retirada completa e gradual."
  • "Dentro de 72 horas após Israel aceitar publicamente este acordo, todos os reféns, vivos e mortos, serão devolvidos."
  • "Após a liberação de todos os reféns, Israel libertará 250 prisioneiros com pena de prisão perpétua, além de 1.700 moradores de Gaza detidos após 7 de outubro de 2023, incluindo todas as mulheres e crianças detidas naquele contexto. Para cada refém israelense cujos corpos forem libertados, Israel libertará os corpos de 15 moradores de Gaza."
  • "Depois que todos os reféns forem liberados, os membros do Hamas que se comprometerem com a coexistência pacífica e desmantelarem suas armas receberão anistia. Membros do Hamas que desejarem deixar Gaza terão passagem segura para os países de destino."
  • "Após a aceitação deste acordo, será enviado ajuda significativa para a Faixa de Gaza. No mínimo, as quantidades de ajuda serão compatíveis com o que foi incluído no acordo de 19 de janeiro de 2025 sobre ajuda humanitária, incluindo a reabilitação de infraestrutura (água, eletricidade, esgoto), a reabilitação de hospitais e padarias, e a entrada de equipamentos necessários para remover escombros e abrir estradas."
  • "A entrada de distribuição e ajuda na Faixa de Gaza ocorrerá sem interferência de qualquer uma das partes, por meio das Nações Unidas e suas agências, e do Red Crescent (Crescente Vermelho, em tradução livre, a versão da Cruz Vermelha usada em países de maioria muçulmana), além de outras instituições internacionais não associadas a nenhuma das partes."
  • "A abertura do posto de passagem de Rafah em ambas as direções estará sujeita ao mesmo mecanismo implementado no acordo de 19 de janeiro de 2025."
  • "Gaza será governada sob uma administração transitória temporária de um comitê palestino tecnocrático e apolítico, responsável pela gestão diária dos serviços públicos e das prefeituras para a população de Gaza. Este comitê será composto por palestinos qualificados e especialistas internacionais, com supervisão de um novo órgão internacional de transição, o "Conselho da Paz", que será liderado e presidido pelo presidente Donald J. Trump, com outros membros e chefes de Estado a serem anunciados, incluindo o ex-primeiro-ministro Tony Blair.
  • Este órgão estabelecerá a estrutura e administrará o financiamento para a reconstrução de Gaza até que a Autoridade Palestina conclua seu programa de reformas, conforme delineado em várias propostas, incluindo o plano de paz do Presidente Trump em 2020 e a proposta saudita-francesa, e possa retomar o controle de Gaza de forma segura e eficaz. Este órgão seguirá os melhores padrões internacionais para criar uma governança moderna e eficiente, que sirva ao povo de Gaza e atraia investimentos."
  • "Um plano de desenvolvimento econômico de Trump para reconstruir e energizar Gaza será criado por meio da convocação de um painel de especialistas que ajudaram a dar origem a algumas das prósperas cidades modernas e milagrosas do Oriente Médio. Muitas propostas de investimento bem pensadas e ideias de desenvolvimento interessantes foram elaboradas por grupos internacionais bem-intencionados e serão consideradas para sintetizar as estruturas de segurança e governança necessárias para atrair e facilitar esses investimentos que criarão empregos, oportunidades e esperança para o futuro de Gaza."
  • "Será criada uma zona econômica especial, com tarifas e acesso preferenciais a serem negociados com os países participantes."
  • "Ninguém será forçado a deixar Gaza, e aqueles que desejarem sair poderão fazê-lo livremente e retornar quando quiserem. Será incentivada a permanência das pessoas, oferecendo-lhes a oportunidade de construir uma Gaza melhor."
  • "O Hamas e outras facções concordam em não ter qualquer papel na governança de Gaza, direta, indireta ou de qualquer forma. Toda infraestrutura militar, terrorista e ofensiva, incluindo túneis e instalações de produção de armas, será destruída e não reconstruída. Haverá um processo de desmilitarização de Gaza sob a supervisão de monitores independentes, que incluirá a desativação permanente de armas por meio de um processo acordado de descomissionamento, apoiado por um programa de recompra e reintegração financiado internacionalmente, todos verificados pelos monitores independentes. A Nova Gaza estará totalmente comprometida com a construção de uma economia próspera e com a coexistência pacífica com seus vizinhos."
  • "Uma garantia será fornecida pelos parceiros regionais para assegurar que o Hamas e as facções cumpram suas obrigações e que a Nova Gaza não represente ameaça a seus vizinhos ou à sua população."
  • "Os Estados Unidos trabalharão com parceiros árabes e internacionais para desenvolver uma Força Internacional de Estabilização temporária (ISF, na sigla em inglês) temporária, a ser imediatamente implantada em Gaza. A ISF treinará e dará suporte às forças policiais palestinas selecionadas em Gaza, e consultará Jordânia e Egito, que possuem ampla experiência na área. Essa força será a solução de segurança interna de longo prazo. A ISF trabalhará com Israel e Egito para ajudar a proteger áreas fronteiriças, junto às novas forças policiais palestinas treinadas. É fundamental impedir a entrada de munições em Gaza e facilitar o fluxo rápido e seguro de bens para reconstruir e revitalizar o território. Um mecanismo de resolução de conflito será acordado entre as partes."
  • "Israel não ocupará nem anexará Gaza. À medida que a ISF estabelecer controle e estabilidade, as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) se retirarão com base em padrões, marcos e prazos vinculados à desmilitarização, acordados entre IDF e ISF, os garantidores e os Estados Unidos, com o objetivo de garantir uma Gaza segura, que não represente ameaça a Israel, ao Egito ou aos seus cidadãos.
  • Na prática, as Forças de Defesa de Israel (IDF, da sigla em inglês) transferirão progressivamente o território de Gaza que ocupam para a Força Internacional de Estabilização (ISF), conforme acordo que farão com a autoridade transitória, até se retirarem completamente de Gaza, exceto por uma presença em perímetro de segurança que permanecerá até que Gaza esteja devidamente segura contra qualquer ameaça terrorista ressurgente."
  • "Caso o Hamas adie ou rejeite esta proposta, a operação acima, incluindo a operação de ajuda ampliada, prosseguirá nas áreas livres de terrorismo entregues pela IDF à ISF."
  • "Será estabelecido um processo de diálogo inter-religioso baseado nos valores de tolerância e coexistência pacífica, para tentar mudar mentalidades e narrativas de palestinos e israelenses, enfatizando os benefícios da paz."
  • "À medida que o redesenvolvimento de Gaza avançar e o programa de reformas da Autoridade Palestina for executado fielmente, as condições poderão finalmente estar reunidas para um caminho confiável rumo à autodeterminação e à criação de um Estado palestino, reconhecido como aspiração do povo palestino."
  • "Os Estados Unidos estabelecerão um diálogo entre Israel e os palestinos para definir um acordo sobre um horizonte político de coexistência pacífica e próspera."