Política
Selma Arruda: “Flávio Bolsonaro foi grosseiro, parecia que estava me dando uma ordem”
Conhecida em Cuiabá como o “Sergio Moro de saias”, por ter condenado figurões da política mato-grossense enquanto era juíza criminal, a senadora teve seu mandato cassado em abril condenada por uso de caixa dois e abuso de poder econômico. Ela afirma estar segura de sua inocência e aguarda o julgamento de um recurso apresentado no Tribunal Superior Eleitoral. A seguir, os principais pontos da entrevista concedida após a filiação da senadora ao Podemos.
Pergunta. A senhora diz que que sofreu pressões para retirar sua assinatura da CPI da Lava Toga. Quem a pressionou?
Resposta. Saí do PSL por alguns fatores. Dentre eles um entrevero que tive com o senador Flávio Bolsonaro e resolvi deixar a sigla e escolhi o Podemos, que era uma sigla que eu admirava. As pessoas que estão no Podemos tinham minha admiração. É uma sigla que parece ter uma composição muito parecida com o que eu penso.
P. Além do senador Flávio, quem mais pediu para a senhora retirar sua assinatura da CPI da Lava Toga?
R. Foram várias pessoas. O problema com relação ao Flávio foi o jeito que ele pediu. Foi grosseiro, bastante mal-educado. O senador Flávio parecia que estava me dando uma ordem. Esqueceu que, assim como ele, também tenho um mandato de senadora. Pela minha condição de mulher, colega de partido e de parlamentar não há como admitir um tratamento como o que ele teve comigo.
P. Desculpe insistir. Mas quem foram as pessoas que te pressionaram?
R. Nesse momento não quero dar nomes. Não quero prejudicar ninguém. Teve gente que foi intermediária. Não quero envolver quem não tem nada a ver com essa história.
P. Entre os que são contrários a essa CPI o principal argumento é que ela interferiria na estabilidade do país. Alguns dizem que ela poderia atrapalhar o Governo Bolsonaro. Concorda com essa avaliação?
R. Claro que não. Já tivemos outras CPIs aqui, como a de Brumadinho, e não atrapalhou nada. A CPI investiga pessoas, não instituições. Investiga fatos concretos. É um exagero dizer que a CPI da Lava Toga poderia prejudicar o Governo ou trazer instabilidade ao país.
P. Por qual razão seu antigo partido, o PSL, está rachando?
R. O que está acontecendo com o PSL é uma consequência natural de um crescimento inesperado. É uma acomodação política que tem de acontecer. No meu caso específico, há uma razão que não podíamos contar. Em outros casos, é como se você fizesse um bolo e quando você abre o forno, dá uma murchada. O PSL inflou muito nas eleições e, agora, é natural que haja essa movimentação de pedras.
P. Quando se filiou ao PSL, imaginou que haveria uma linha ideológica a ser seguida? Sentia que o partido tinha líderes que motivavam os demais membros?
R. É um dos partidos mais ideológicos. A linha liberal na economia é muito clara. Foi por conta da ideologia que eu entrei no PSL. O Podemos é mais independente, mas não diverge muito disso.
P. Em uma entrevista recente você disse, em sentido figurado, que precisava tomar "um dramin" para vir ao Senado. Quando decidiu entrar na política, imaginou que seria dessa maneira?
R. Se eu tivesse imaginado, não teria entrado.
P. Já se arrependeu?
R. Não. A questão não é essa. Mas alguém tem de entrar na política para mudar o que está acontecendo no país. Precisamos de pessoas que pensam diferente para mudar esse estado de coisas. Se você tem de fazer uma limpeza tem de começar por algum lugar. Alguém tem de pegar uma vassoura, o rodo.
P. Fora do PSL, você segue na base do Governo Bolsonaro?
R. Eu não saí da base do Governo. Sigo votando naquilo que acho que é importante, correto, e que vai de acordo com as minhas convicções. Entrei pelo PSL por causa da ideologia que ia de acordo com minhas convicções. Eu saí da sigla, mas não saí das minhas convicções. Enquanto o Governo Bolsonaro estiver agindo com essa conduta liberal na área econômica, eu estarei ao seu lado, terá meu apoio. Se houver algo que divirja, eu vou divergir.
P. E as pautas de costumes do Governo. Está de acordo com alguma delas?
R. Aí já é mais complicado. Tem algumas coisas com as quais eu não concordo. Mas elas não vieram à votação e eu não dou relevância a elas, por enquanto.
P. Além de sua atuação como juíza, você foi eleita na onda Bolsonaro. Ao sair do PSL, você não considera que acabou traindo o presidente?
R. Fui uma magistrada que também fez um marco no Estado de Mato Grosso. Sei que minha expressiva votação teve um pouco da participação da onda Bolsonaro. Porém, eu tenho certeza de que poderia me eleger com ou sem ela. Se eu estivesse no Podemos, por exemplo, teria condição de me eleger também. No meu Estado tem um ex-deputado federal, o Vitório Galli (PSL), que é muito ligado ao Bolsonaro. Fez uma campanha igual a minha, vinculou sua imagem ao presidente e não se elegeu. Não é a onda Bolsonaro simplesmente que elege um parlamentar. Você pode ganhar votos por estar próximo ao Bolsonaro, mas também tem de ter conteúdo.
P. Você já teve o mandato cassado por abuso de poder econômico e caixa dois. Agora, aguarda seu recurso ser julgado no TSE. Como fica seu discurso, e o do Podemos, de intransigência com a corrupção diante dessa condenação?
R. Encaro com tranquilidade no que diz respeito à questão técnica. O relator do meu processo no Tribunal Regional Eleitoral leu o seu voto e todos os outros membros só falaram concordo, concordo, concordo. Ninguém pediu vistas, ninguém leu o processo, ninguém analisou. Foi uma mistura de covardia com omissão. Mato Grosso é um Estado à parte.
P. Como assim?
R. No Mato Grosso existem oligarquias que não se deixam derrubar e foi com elas que eu mexi. Tenho certeza que elas fizeram diferença no meu julgamento.
P. Mas a senhora foi acusada pelo Ministério Público por ter omitido despesas de 1,2 milhão na eleição passada.
R. Fui acusada de caixa dois por atos cometidos em abril e maio de 2018, na pré-campanha. Eu não tinha obrigação de ter prestado contas nesse período. Ninguém no Brasil inteiro tinha essa obrigação. Só no meu caso que sim, acharam que eu deveria ter prestado contas. Jogaram essas informações na minha prestação de contas, que acabou desaprovada. Eu tive esses gastos com cheque nominal. Quando se fala em caixa dois você pensa naquela malinha de dinheiro, no dinheiro na cueca. Cheque nominal, cara, foi só comigo! E, por causa do valor do cheque eles [os juízes], concluíram que eu cometi abuso de poder econômico. Sendo que os demais candidatos eram muito mais ricos.
P. O abuso de poder não está centrado apenas em quem é mais ou menos rico, senadora.
R. O segundo colocado, que concorreu comigo, é um dos maiores pecuaristas do país. O terceiro colocado, um dos maiores sojicultores. Eles tinham muito mais condições financeiras do que eu. Éramos 11 candidatos. Todos eles com poder aquisitivo muito maior que o meu. Sou uma juíza aposentada com patrimônio compatível com minha profissão. Quem bancou minha campanha foi meu suplente [o produtor de soja e laranjas Beto Possamai, com patrimônio declarado de 44,3 milhões de reais]. Mas, como os cheques eram de mais de 100.000 reais, eles classificaram como abuso de poder. O dinheiro era para pagar agências que fizeram pesquisa qualitativa e isso é caro, mesmo. Entenderam que o valor ultrapassava o razoável para um candidato médio. Ora, não o candidato no Mato Grosso. Tenho meu julgamento na questão técnica como absolutamente ganho. Só peço que os julgadores analisem as provas.
P. No TSE, a Procuradoria-Geral da República também defendeu sua cassação.
R. O parecer da procuradora Raquel Dodge foi um parecer relâmpago. Foi um parecer encomendado, não sei por quem, e proferido em tempo recorde. Foi um ato político, não técnico. De uma certa forma, até acho que tenha sido bom porque fica muito claro esse viés político em meu julgamento.