Política

O que motivou ataques a Marina Silva no Senado: 'Fui agredida fazendo meu trabalho'

O senador Plínio Valério (PSDB-AM), ao cumprimentar Marina, afirmou que desejava

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 27/05/2025
O que motivou ataques a Marina Silva no Senado: 'Fui agredida fazendo meu trabalho'
Ministra cobrou pedido de desculpas a ofensas e se retirou após recusa de parlamentar em se retratar | Geraldo Magela/Agência Senado

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, abandonou nesta terça-feira (27) uma audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado, à qual ela havia sido chamada para falar da criação de áreas de conservação na região Norte, após ser alvo de declarações de senadores consideradas machistas e ofensivas.

O senador Plínio Valério (PSDB-AM), ao cumprimentar Marina, afirmou que desejava "separar a mulher da ministra", porque a mulher "merecia respeito" e a ministra, não.

"Ministra Marina, que bom reencontrá-la. E ao olhar para a senhora, eu estou vendo uma ministra. Não estou falando com uma mulher. Porque a mulher merece respeito, ministra não. Por isso que eu quero separar", disse Valério, líder do PSDB no Senado.

A ministra reagiu imediatamente, cobrando um pedido de desculpas. "Como eu fui convidada como ministra, ou ele me pede desculpas ou eu vou me retirar. Se, como ministra, ele não me respeita, vou me retirar", disse Marina. Diante da recusa do parlamentar em se retratar, ela deixou a sessão.

Este não foi o primeiro ataque do senador a Marina. Em março, durante uma audiência da CPI das ONGs, Plínio declarou: "Imagine o que é tolerar a Marina 6 horas e 10 minutos sem enforcá-la?". Na ocasião, a ministra respondeu: "Com a vida dos outros não se brinca. Só os psicopatas são capazes de fazer isso".

A sessão desta terça foi marcada por uma série de embates e acusações de machismo. Em outro momento tenso, o presidente da comissão, senador Marcos Rogério (PL-RO), cortou o microfone de Marina, a interrompeu diversas vezes e, ao reagir a críticas, disse que a ministra deveria "se pôr no seu lugar".

"Eu tenho educação, sim. O que o senhor gostaria é que eu fosse uma mulher submissa. Eu não sou. Eu vou falar", retrucou Marina.

Rogério tentou recuar da fala, afirmando que se referia ao papel da ministra como representante do Executivo, e não a uma questão de gênero. Mesmo assim, a fala foi criticada por parlamentares presentes.

A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) acusou o presidente da comissão de machismo, e o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), saiu em defesa de Marina, apoiando sua decisão de deixar a audiência.

Após deixar a sessão, a ministra disse a jornalistas que se sentiu agredida. "Fui agredida fazendo o meu trabalho tecnicamente", afirmou.

"Hoje ele [Plínio Valério] chega lá numa sessão em que fui convidada como ministra do Meio Ambiente e diz que ia fazer uma separação entre a mulher e a ministra, que a mulher deveria ser respeitada e a ministra não", continuou na coletiva de imprensa.

"Não é pelo fato de eu ser mulher que vou deixar as pessoas atribuírem a mim coisas que eu não disse."

Marina Silva e o senador Marcos Rogério

Crédito,Geraldo Magela/Agência Senado

Legenda da foto,Senador Marcos Rogério (PL-RO) disse na sessão que Marina Silva deveria 'se pôr no seu lugar'

Por que Marina Silva foi ao Senado?

A ministra foi convidada pela comissão para prestar esclarecimentos sobre a criação de uma unidade de conservação marinha na Margem Equatorial, região no litoral norte do país onde a Petrobras pretende explorar petróleo.

Marina foi convidada a partir de requerimento do senador Lucas Barreto (PSD-AP), que disse estar preocupado que a criação dessas áreas impossibilitaria a prospecção e exploração de petróleo.

O tema é divisivo no próprio governo Lula. O Planalto e parte da base governista apoia a exploração, enquanto Marina tem defendido que a liberação depende de uma análise técnica do Ibama sobre os riscos ambientais para licenciar a prospecção.

Marina afirmou que o processo de criação de áreas de proteção ambiental não foi elaborado para inviabilizar empreendimentos e que a proposta de explorar petróleo na Foz do Amazonas é debatida desde 2005.

"[A unidade de conservação] não incide sobre os blocos de petróleo. E não foi inventada agora para inviabilizar a Margem Equatorial. Isso é um processo que vem desde 2005", afirmou.

A pressão por avanços na liberação da licença envolve, além de parlamentares, o Ministério de Minas e Energia, comandado por Alexandre Silveira (PSD).

Na semana passada, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aprovou um plano de prevenção a emergências proposto pela Petrobras como parte de seu projeto para prospectar petróleo na região — etapa final antes da decisão sobre a licença para o poço exploratório.

Rodovia na Amazônia também foi motivo de embates

Durante a audiência, a ministra também enfrentou críticas do senador Omar Aziz (PSD-AM), com quem discutiu sobre o asfaltamento da BR-319, estrada que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM). Aziz afirmou que Marina não era "mais ética" que os demais presentes e defendeu o compromisso do presidente Lula com a obra.

Marina respondeu dizendo que tem sido usada como bode expiatório na discussão e lembrou que esteve fora do governo por 15 anos, entre 2008 e 2023.

O asfaltamento da rodovia é considerado também um tema delicado no governo Lula.

Entre os que o defendem estão o Ministério dos Transportes, comandado por Renan Filho (MDB), e parlamentares da Região Norte.

Eles alegam que a rodovia pode diminuir o isolamento de Estados como o Amazonas e Roraima em relação ao resto do país. Juntos, os dois têm 4,5 milhões de habitantes. A rodovia é a única ligação terrestre desses dois Estados com o Centro-Sul.

Do outro lado, porém, estão membros da ala ambiental do governo, cientistas e ambientalistas. Eles alertam que o asfaltamento completo da BR-319 sem as devidas medidas de mitigação e governança pode gerar um aumento desenfreado do desmatamento na Amazônia e comprometer uma das principais bandeiras do terceiro mandato do petista: a defesa do meio ambiente.

Em meio à indefinição sobre o futuro da obra, parlamentares da bancada da região Norte passaram a pressionar o governo pela liberação da obra desde o início do ano passado.

Marina foi culpada por travar mudanças no licenciamento ambiental

Outro tema discutido na sessão foi o Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental.

Nesta terça, Marina Silva se reuniu com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, para pedir mais tempo de discussão sobre o projeto de lei que estabelece novas regras para o licenciamento ambiental no Brasil.

A proposta foi aprovada no Senado na semana passada. Por ter passado por mudanças, o texto agora volta para votação na Câmara. Caso seja aprovado pelos deputados, segue para sanção presidencial.

Por um lado, ambientalistas dizem que a mudança pode aumentar o desmatamento e abrir caminho para projetos polêmicos como a pavimentação da BR-319 e facilitar o processo para a exploração de petróleo em regiões sensíveis como a Bacia da Foz do Amazonas.

Já a bancada do agronegócio batizou como "destrava Brasil". Os apoiadores da lei sustentam que ela vai manter e até ampliar a punição a crimes ambientais, reduzir a burocracia para a implementação de atividades econômicas e atrair investimentos.

Segundo Marina, o relatório aprovado no Senado não foi suficientemente debatido pela sociedade civil. Ela solicitou mais tempo para audiências antes da votação na Câmara.

Na sessão, Omar Aziz atribuiu à ministra a culpa pela demora na aprovação do projeto.

"Se essa coisa não andar, a senhora também terá responsabilidade do que nós estamos aprovando aqui. Pode ter certeza. Pela intransigência, a falta de vontade de dialogar, de negociar, de conversar e de agilizar, mas nós iremos agilizar", disse Aziz.

Nas redes sociais, Marina Silva disse que "o licenciamento ambiental é uma conquista da sociedade brasileira" e, nesse momento, "só o povo brasileiro pode evitar esse desmonte que está sendo proposto."

Janja e ministras repudiam falas de senadores

Após o episódio, a primeira-dama, Janja da Silva, saiu em defesa da ministra do Meio Ambiente.

"Impossível não ficar indignada com os desrespeitos sofridos pela ministra Marina Silva durante sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado", escreveu Janja no Instagram.

"Sua bravura nos inspira e sua trajetória nos orgulha imensamente. Uma mulher reconhecida mundialmente por sua atuação com relação à preservação ambiental jamais se curvará à um bando de misóginos que não têm a decência de encarar uma Ministra da sua grandeza", afirmou a primeira-dama.

Outras ministras também se manifestaram em apoio à titular do Meio Ambiente. A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, classificou o episódio como "grave e lamentável, além de misógino" e cobrou providências institucionais do Senado.

"Toda a minha solidariedade e apoio à Marina Silva, liderança política respeitada e uma referência em todo o mundo na pauta do meio ambiente. É preciso que haja retratação do que foi dito naquele espaço e que haja responsabilização para que isso não se repita", afirmou Lopes em nota.

Já a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou nas redes sociais que Marina foi alvo de violência de gênero e política.

"Marina Silva é minha amiga, minha referência. Hoje, ela foi desrespeitada, interrompida, silenciada, atacada no Senado enquanto exercia sua função como Ministra do Meio Ambiente", afirmou. "A violência política de gênero e raça tenta nos calar todos os dias."f