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Zampieri, o operador do Judiciário: PF aponta propinas a gabinetes do STJ

Advogado assassinado em Cuiabá levava dinheiro vivo a assessores de ministros e negociava decisões no Superior Tribunal de Justiça, segundo a Polícia Federal

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM PF-MT 27/05/2025
Zampieri, o operador do Judiciário: PF aponta propinas a gabinetes do STJ
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O nome de Roberto Zampieri, advogado criminalista morto a tiros em dezembro de 2023, está no centro de um escândalo que expõe as entranhas do sistema judicial brasileiro.

Segundo investigações da Polícia Federal, ele era o principal operador de um esquema de corrupção e tráfico de influência dentro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A PF aponta que Zampieri transportava dinheiro vivo para gabinetes de ministros e participava diretamente da negociação de sentenças.

Em mensagens extraídas de seu celular após análise pericial, Zampieri menciona ter se deslocado de carro até Brasília para entregar uma "encomenda" a um chefe de gabinete de ministro do STJ — referência que, para os investigadores, trata-se de pagamento em espécie de propina judicial.

"Vim conversar com o chefe de gabinete do ministro, tive que vir de carro para trazer uma encomenda dele", escreveu Zampieri em 9 de setembro de 2023, pelo WhatsApp.

A frase é apenas um entre diversos elementos reunidos pela PF que apontam para uma rede de corrupção institucionalizada dentro da Corte. Os repasses financeiros, segundo os investigadores, eram milionários e sistemáticos. Entre 2019 e 2022, Zampieri sacou mais de R$ 8,2 milhões em espécie, conforme relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Nenhum cliente ou causa justifica tamanha circulação de valores em dinheiro vivo.

O esquema não se limitava à entrega de propina. A PF apura se Zampieri e seus aliados tinham acesso prévio a minutas de decisões e votos de ministros. Foi o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, ao identificar mensagens suspeitas no celular do advogado após sua morte, acionou a Polícia Federal.

Em uma das conversas, Zampieri responde a um interlocutor interessado em resolver um processo no STJ com a seguinte frase:

"Vocês têm que preparar uns 20 milhões pra investir lá em cima, e aí resolve. Caso contrário é perigoso."

A PF interpreta esse trecho como uma negociação direta para alterar o rumo de um julgamento mediante suborno. A expressão “lá em cima” seria uma alusão ao tribunal superior.

Para ocultar a origem e o destino dos valores, o grupo usava uma rede de empresas e intermediários. Entre os nomes identificados pela PF está João Batista, um auxiliar de serviços gerais ligado ao lobista Andreson Gonçalves, também investigado. João recebeu R$ 2,6 milhões entre 2019 e 2023 e realizou saques de cerca de R$ 800 mil — valores totalmente incompatíveis com sua função. Ele é considerado peça-chave na operação e está foragido desde a última fase da investigação, quando teve suas contas bloqueadas por ordem judicial.

“Identificou-se a existência de uma sofisticada rede financeira-empresarial de lavagem de dinheiro, estruturada para dissimular os pagamentos das propinas, rompendo o vínculo direto entre o corruptor e o servidor público corrupto”, escreveu a Polícia Federal em relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A execução de Zampieri interrompeu bruscamente o avanço de uma possível colaboração premiada. Seu assassinato ocorreu logo após o início das análises sobre os dados do seu celular e antes de qualquer depoimento formal. Para fontes próximas à investigação, a hipótese de queima de arquivo não está descartada.

O caso coloca em xeque a integridade de decisões judiciais proferidas no STJ nos últimos anos e abre um novo capítulo na história da corrupção institucional brasileira — não mais restrita a políticos ou empresários, mas atingindo diretamente os bastidores da Justiça.

A Polícia Federal segue apurando os envolvidos, inclusive dentro do Judiciário. Até o momento, nenhum nome de ministro foi oficialmente citado. Mas o rastro do dinheiro e os diálogos encontrados no celular de Zampieri colocam os gabinetes mais poderosos do país sob suspeita.