Política

'Tarcísio se fortalece com bagunça no bolsonarismo', diz diretor da AtlasIntel

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não é favorito na disputa eleitoral do ano que vem, avalia o cientista político Andrei Roman, CEO da empresa de pesquisas AtlasIntel

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 21/08/2025
'Tarcísio se fortalece com bagunça no bolsonarismo', diz diretor da AtlasIntel
Aliado de Jair Bolsonaro, o governador Tarcísio de Freitas é apontado como possível candidato em 2026 | Getty Imagens

presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não é favorito na disputa eleitoral do ano que vem, avalia o cientista político Andrei Roman, CEO da empresa de pesquisas AtlasIntel.

Roman diz que vislumbra um "teto" para a melhora de aprovação de Lula na esteira dos embates com Donald Trump, dada a polarização política entre bolsonarismo e petismo, e a perda de tração do presidente no Nordeste.

"Há hoje uma chance maior de Lula perder do que de ganhar [em 2026], em uma situação que eu classificaria como normal, a partir apenas de fatores estruturais", diz Roman à BBC New Brasil.

"Mas uma eleição não se dá apenas em função desses fatores; ela se dá também em função de fatores conjunturais. O mais importante, nesse caso, o papel de Jair Bolsonaro [PL] em escolher seu candidato ou candidata", complementa.

Para Roman, não há dúvidas de que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), é o nome mais competitivo da direita, se apoiado pelo bolsonarismo. O principal motivo: seu potencial de ir bem entre um eleitorado considerado mais moderado.

Na avaliação do cientista político com doutorado em Harvard, quanto mais houver a percepção de "bagunça" no campo bolsonarista — como nos conflitos na família do ex-presidente expostos pela investigação da Polícia Federal —, melhor para o governador de São Paulo.

No comando da AtlasIntel, empresa que fundou com o marido Thiago Costa em 2017, o romeno Andrei Roman já se tornou um veterano de eleições brasileiras e estrangeiras.

Os levantamentos usam uma metodologia inédita no Brasil até então, chamada "Recrutamento Digital Aleatório (Atlas RDR)", na qual os entrevistados são selecionados durante a navegação de rotina pela internet.

A empresa explica que os questionários são validados a partir de verificação por token, impossibilitando a submissão de mais de um questionário para a mesma pessoa.

No ano passado, além das municipais brasileiras, a AtlasIntel também fez pesquisas nos Estados Unidos, prevendo a vitória de Donald Trump — a empresa foi apontada como a mais acurada por Nate Silver, considerado um dos principais especialistas em estatísticas eleitorais no mercado americano.

Leia abaixo os principais momentos da entrevista.

Andrei Roman, da AtlasIntel
Legenda da foto,O cientista político Andrei Roman, CEO da AtlasIntel, vê um 'teto' para a melhora da avaliação de Lula nas pesquisas

BBC News Brasil - A pesquisa da Atlas e de outros institutos mostraram uma leve melhora de Lula em termos de aprovação após o tarifaço de Trump. Na sua avaliação, essa melhora pelo efeito Trump já atingiu um teto? Podemos falar de teto na aprovação do governo Lula?

Andrei Roman - É difícil falar sobre tetos e pisos, pois eles nem sempre são possíveis de antecipar. No entanto, diria que, no contexto da polarização atual, com o apoio que o bolsonarismo possui e a resistência à figura de Lula que se consolidou no campo identitário da direita, seria muito difícil para Lula ter uma aprovação muito maior do que os 50% que ele tem hoje.

Chegar acima de 55% seria um desafio. Os 55% seriam uma espécie de teto estrutural, considerando a configuração política do eleitorado: temos cerca de 33% do eleitorado que se define como bolsonarista. E um segmento que não se define como bolsonarista, mas se declara antipetista, que adiciona mais ou menos 10 pontos percentuais, totalizando entre 45% e 55%.

Mas, claro, nada na política é absoluto. E eventos realmente dramáticos podem mexer nesses números. Trump tem uma imagem muito negativa e desgastada no Brasil. Se essa guerra de declarações se transformar em algo ainda mais punitivo para o Brasil, e se o governo Lula navegar isso de maneira inteligente esse novo cenário, talvez possa afetar esses números.

Mas em termos de dinâmica interna, não antecipo nada de muito impactante, nem uma mudança muito positiva na economia, ou a melhora de políticas públicas, nem, do outro lado, um colapso do campo político da direita, que possa mudar essa situação com facilidade.

BBC News Brasil - Você tem dito que Lula enfrenta desafios grandes para esse último ano e meio de mandato, que é difícil para o governo encontrar um discurso, mencionando a centralidade, por exemplo, da classe C. Por que o governo Lula tem tanta dificuldade com essa classe, que já foi um símbolo do lulismo?

Roman - A classe C é muito mais conectada hoje em dia com uma proposta política da direita. É o anseio da classe C é conseguir a prosperidade por mérito próprio, por esforço próprio, porque se trata de uma prosperidade que não pode ser entregue de maneira assistencialista.

Quem está na classe C não é mais contemplado pelos programas sociais tradicionais do governo. O Bolsa Família não é mais tão relevante. Pé-de-meia [programa de transferência de renda para jovens do Ensino Médio] não é tão relevante.

Em termos pragmáticos, a classe C precisa de um projeto político que não se baseie em transferências sociais, mas em outras coisas. Quando se trata da direita, o programa para a classe C é principalmente falar sobre apoiar negócios, apoiar liberdade econômica, baixar impostos. Não estou entrando no mérito de quanto, de fato, a direita conseguiu entregar na prática, mas, em termos de discurso, ele é atraente para a classe C.

Enquanto isso, a esquerda não se preocupou em criar um discurso que reconheça que esses pobres do passado se graduaram para outra classe e conseguiram, de certa forma, alcançar uma situação social melhor — muito em decorrência das políticas sociais do passado, nos governos de esquerda, inclusive.

Não observo, na proposta do Lula hoje, nem em termos retóricos, sequer, um foco específico nisso. Em termos de projetos e programas, o distanciamento é ainda maior.

É surpreendente que o governo e a esquerda, como campo político, não tenham se preocupado, porque esse processo tem mais ou menos uma década, com o crescimento da direita na classe C e de erosão da base da esquerda nesse grupo. Hoje é o segmento socioeconômico mais forte para Bolsonaro.

A classe C é caracterizada por outras variáveis correlacionadas: é formada por pessoas com mais ensino médio, algumas no ensino superior ou no ensino fundamental; está espalhada nas periferias das grandes cidades, mas também em cidades médias do interior.

De várias maneiras, ela representa o brasileiro mais popular, mais típico, justamente porque se encontra no meio da distribuição. Não é o mais rico, nem o mais pobre; nem o mais nem o menos educado. Não é aquele que mora nas regiões mais remotas do interior, nem aquele que mora nos bairros mais desenvolvidos das grandes cidades. É um brasileiro bem típico, vamos dizer assim.

Por conta disso, o alcance do bolsonarismo na Classe C é um fenômeno cultural importante.

BBC News Brasil - Por que você diz que é um fenômeno cultural?

Roman - Porque, basicamente, encapsula melhor que talvez qualquer outra análise demográfica, a cristalização do bolsonarismo como algo para ficar, como algo que realmente atenta à hegemonia política do PT no Brasil, de uma maneira que nunca aconteceu antes. E se trata, efetivamente, da consolidação não de uma hegemonia cultural — porque há uma polarização —, mas de uma solidez cultural da direita que não existia antes.

Então, não é por acaso que o PL emerge como partido de identificação política de um conjunto de pessoas que, basicamente, é parelho ao PT. Estamos falando de mais de 20% do eleitorado, hoje, que têm uma identificação partidária com o PL. E isso faz parte do mesmo processo de sedimentação de uma clivagem política que tem essas características muito bem definidas dentro da sociedade.

A força cultural da direita é muito decorrente do fato de que eles conseguiram capturar, de forma tão nítida, a classe C.

Tem, por exemplo, o fenômeno de cantores de música sertaneja estarem mais associados à direita, e de pastores evangélicos também. Diversos expoentes da classe C, em termos culturais, assumem essa identidade política de maneira explícita.

Lula discursando

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Enfraquecimento do petismo no Nordeste ameaça pretensões de Lula se reeleger, diz Roman

BBC News Brasil - Você colocaria o mundo de influencers da internet nessa constelação de aspiração para a Classe C?

Roman - fenômeno Pablo Marçal é muito associado a isso, é muito conectado aos anseios de prosperidade da classe C. O quão forte é isso a gente viu durante a campanha municipal em São Paulo. Marçal era mais conectado a isso do que o [prefeito de São Paulo, Ricardo] Nunes, mais conectado a isso que o [deputado federal pelo PSOL, Guilherme] Boulos. E ele conseguiu, aí, implodir a lógica das duas campanhas por conta dessa dinâmica.

BBC News Brasil - Há na praça a análise, inclusive uma certa queixa entre setores governistas, de que números econômicos, como crescimento do PIB e baixo desemprego, não se refletem mais em aprovação de governo como antes, como no governo Lula 2. Concorda? Mudaram os parâmetros de satisfação?

Roman – Uma melhora da percepção da economia está associada a uma melhora da aprovação do governo, quando não há um noticiário muito negativo. Mas não estamos falando hoje no Brasil, no entanto, de um crescimento fulminante. Estamos falando de uma taxa baixa de desemprego, mas o crescimento continua medíocre.

A produtividade média do trabalhador brasileiro é baixa em termos de qualquer comparação objetiva internacional. Estamos falando de uma carga tributária muito alta, com um Estado que entrega relativamente pouco em relação ao que se paga para esse Estado tão pesado. Depende muito de qual é o tipo de análise que a gente faz sobre a situação da economia.

BBC News Brasil - Falava especificamente sobre os índices de desemprego baixo, por exemplo, de que ter emprego está longe de resolver a vida das pessoas. Fizemos uma reportagem que mostrava empregados insatisfeitos, no contexto do movimento contra a escala 6 x 1.

Roman – O trabalhador médio no Brasil tem uma vida muito sofrida. Na classe C, inclusive, é difícil você realizar seus objetivos de vida simplesmente com um trabalho assalariado. Essa é a realidade. O custo de vida é alto em relação ao nível de salários que existe. O aumento da inflação colocou um peso ainda maior nessas questões. Então, a análise que as pessoas fazem não é de uma situação econômica muito boa.

Uma questão importante no Brasil como moradia, o sonho de uma casa própria... É difícil isso se realizar com uma Selic de 15%. Como você financia uma casa? Os custos de endividamento são talvez uma das dos obstáculos práticos mais graves do governo para penetrar bem na classe C.

Protesto contra Lula e Alexandre de Moraes em SP

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Segmento consolidado antipetista e bolsonarista limita potencial de votos da esquerda, diz o cientista político

BBC News Brasil - Vamos falar agora de 2026. Como vê o cenário? Qual o peso que terá a escolha do candidato do bolsonarismo e da direita?

Roman - Diria que, em uma situação normal, com um candidato competitivo da direita, é uma eleição que o Lula tem mais chances de perder do que de ganhar, principalmente por conta de uma deterioração muito grande da força do petismo no Nordeste.

O Nordeste sempre dava um bônus muito grande para o PT que era difícil de ser compensado em outras partes do país. Tudo indica que esse bônus vai se deteriorar muito na próxima eleição, por conta de indicadores de aprovação do governo na região que estão muito abaixo do histórico. Falta hoje a popularidade de governadores de esquerda. Não tem mais nem Rui Costa na Bahia nem Camilo Santana no Ceará [ex-governadores petistas e atuais ministros do governo Lula].

A aprovação dos governadores de esquerda no Nordeste — com exceção do Piauí — não é boa em comparação com o padrão histórico. Eu diria que talvez nem haja, em alguns casos, uma maioria clara de aprovação na Bahia, no Ceará ou no Rio Grande do Norte. E isso é muito diferente do passado.

Tem também o que aconteceu nas últimas eleições municipais. É só lembrar que, em Fortaleza, por exemplo, o André Fernandes [PL] não ganhou a eleição por 1% mesmo ele sendo uma das figuras mais radicais e polêmicas da direita.

Isso tudo indica que a esquerda terá um problema muito grande no Nordeste, região que representa em torno de 27% do eleitorado. Se o desempenho cai no Nordeste — e tudo indica que vai cair —, o governo precisaria compensar em outras regiões do país.

Mas, provavelmente, isso não virá do Norte e do Centro-Oeste, porque a situação lá é semelhante à do Nordeste. Restariam, então, o Sul e o Sudeste. É possível? Tudo é possível na política. É provável? Não estamos observando uma recuperação de Lula em segmentos claros no Sul e no Sudeste que pudesse se contrapor a essa perda no Nordeste.

Há hoje uma chance maior de Lula perder do que de ganhar, em uma situação que eu classificaria como normal, a partir apenas de fatores estruturais. Mas uma eleição não se dá apenas em função desses fatores; ela se dá também em função de fatores conjunturais. O mais importante, nesse caso, o papel do Bolsonaro em escolher seu candidato ou candidata.

Se o Bolsonaro fizer uma escolha ruim, optando por um candidato menos competitivo do que poderia, esse fator conjuntural se contrapõe ao fator estrutural, que é uma fraqueza relativa do Lula em comparação ao passado.

Temos, então, essas duas realidades: estruturalmente, é uma eleição mais difícil para o Lula do que no passado; mas, em termos de conjuntura política — de quem vai ser candidato da direita, de como quão boa vai ser a campanha —, isso pode salvar o Lula nesse processo. De qualquer forma, a eleição será competitiva, e a margem de decisão não será muito grande.

Criança segura cartão do Bolsa Família

Crédito,MDS

Legenda da foto,Andrei Roman: 'Classe C não é mais contemplada por programas sociais tradicionais'

BBC News Brasil - A que você atribui essa perda do "bônus Nordeste"?

Roman - Atribuo a três fatores-chave. O primeiro já é um dado: a erosão, no tempo, da relevância de políticas sociais como o Bolsa Família. Com o grande aumento do programa no trecho final do mandato de Bolsonaro, as credenciais da direita em relação à manutenção desses programas são boas. Simplesmente, virou estrutural: os programas vão seguir. Então, a relevância política deles, no tempo, cai. O bônus de capital político disso tende a se esgotar.

Tem, no entanto, dois outros fatores que poderiam ter sido mais bem trabalhados. Tem a questão dos governos estaduais sem figuras populares, sem a envergadura política dos governadores do passado, sem renovação de programas relevantes no plano regional, como já tinha falado.

O outro fator é a crise na segurança pública. Ao longo da última década, estamos observando uma penetração cada vez maior de facções na periferia de cidades do Nordeste, com disputas de território e muita violência. As polícias militares na região não conseguiram dar conta disso de forma adequada. Estamos falando de chacinas como realidade da vida cotidiana em cidades como Fortaleza e Salvador. A política de segurança não é o forte da esquerda em nenhum nível, com algumas exceções, como no Piauí — mas é uma exceção pouco relevante em termos numéricos, já que é um eleitorado pequeno.

Essas três questões acumuladas têm mais do que um efeito somatório, é quase uma multiplicação. Uma coisa ruim potencializada por outra, e por mais uma ainda. Isso criou uma tempestade [para o PT] no Nordeste.

BBC News Brasil - Como vê o cenário para a escolha do candidato da direita? Há espaço apenas para um candidato apadrinhado por Bolsonaro, ou pode surgir algo diferente?

Roman - A gente está observando talvez o ensaio de uma tendência de recuperação de Lula — seja por conta do Trump, seja porque a comunicação do governo melhorou ou porque as métricas econômicas não são tão ruins. Dificilmente isso vai chegar em patamares muito impressionantes, mas são patamares bons o suficiente para demonstrar que o Lula tem chances reais.

Se a leitura é de que Lula pode vencer, isso fortalece o candidato mais forte da direita, que é o Tarcísio. Ele continuará sendo muito cogitado, inclusive pelo Bolsonaro, sabendo que, se ele ganhar, ele já prometeu o indulto [para o ex-presidente]. Se ele perder, dificilmente outro candidato da direita poderia ter vencido na mesma situação.

Tarcísio é a maior chance que o Bolsonaro vai ter de conseguir resolver seus problemas jurídicos. A não ser que o Lula desabe politicamente, ele tem boas chances de se fortalecer como escolha do Bolsonaro e do campo da direita como um todo.

Bolsonaro, Tarcísio e Malafaia em protesto

Crédito,Reuters

Legenda da foto,'Tarcísio é a maior chance que o Bolsonaro vai ter de conseguir resolver seus problemas jurídicos', afirma Roman

BBC News Brasil - Nas pesquisas, inclusive na de vocês, Tarcísio é o mais bem posicionado. Uma eventual demora de Bolsonaro para apontar seu apoiado pode prejudicar a direita?

Roman - Não existe esse problema. Todos os nomes são nacionais. O Tarcísio é um nome nacional, a Michelle [Bolsonaro, mulher do ex-presidente] é um nome nacional. As pessoas conhecem as figuras.

BBC News Brasil - Nesta semana, houve a exposição de conflito dentro da família Bolsonaro, com Tarcísio sendo atacado pelo Eduardo. Qual o efeito disso para o Tarcísio? Reforça as chances dele?

Roman - Acredito que reforça sim. Quanto mais "bagunça" no campo bolsonarista mais isso fortalece o Lula. Quanto mais a eleição é disputada porque as chances do Lula aumentam, mais isso fortalece os credenciais do Tarcísio, pelo seu potencial melhor de desempenho no eleitorado moderado.

BBC News Brasil - Tarcísio ou outro nome da direita têm como fazer campanha se distanciando de Bolsonaro ou moderando algumas posições?

Roman - Dentro da direita, o bolsonarismo hoje é hegemônico, e isso faz com que um candidato que não abraça o bolsonarismo, sendo o candidato da direita, tenha grande dificuldade de chegar ao segundo turno.

Esse desafio é bem exemplificado pelo Ronaldo Caiado, pelo Eduardo Leite, pelo Ratinho Jr. [governadores de Goiás, do Rio Grande do Sul, do Paraná], que são muito fortes em termos de aprovação regional e que têm experiência política. Seriam excelentes candidatos no segundo turno, muito fortes, talvez até mais fortes do que Tarcísio, Eduardo Bolsonaro ou Michelle.

Mas, por ocuparem um espaço minoritário dentro da direita, não conseguem se viabilizar. Então, eles teriam duas alternativas: lutar pelo espaço bolsonarista ou quebrar a lógica da competição política para criar um espaço novo, ampliar o tamanho do centro. Tudo é possível na política, o Macron fez isso na França: implodiu o espectro político, criou um espaço que virou a base de sustentação dele. Mas é bem difícil de conseguir, sem dúvida.

BBC News Brasil – E qual sua perspectiva para a eleição do Congresso?

Roman – Toda mudança no Legislativo será gradual, e não vejo a bancada da Câmara dos Deputados mudando tanto assim. Mas o bolsonarismo tem bastante chance de avançar nas eleições majoritárias para o Senado. Aí há um elemento novo, que é a ideia de tirar o Supremo das mãos da esquerda. É, de fato, um catalisador muito importante para mobilizar o voto de direita na próxima eleição para o Senado.

Há uma chance considerável do bolsonarismo avançar bem até em Estados onde tradicionalmente não tinham essa força toda. O Centrão tem uma grande vulnerabilidade, pode perder relevância e força na próxima configuração do Senado. De ter maioria bolsonarista no Senado? Não necessariamente, mas uma erosão na margem vai acontecer.

BBC News Brasil – E qual deve ser o efeito político do julgamento de Bolsonaro? Maior galvanização da base bolsonarista?

Roman - Não acho que vá ter um efeito mais galvanizador do que já teve. Ou seja, vai consolidar um discurso vitimista. Pode ser que, dependendo de como o Judiciário e a esquerda se comunicarem, enquadrarem essas decisões em termos de comunicação política, isso passe a representar um custo político.

Mas a temperatura da política, eu diria, está mais fria em comparação à última década. Passamos pela Lava Jato, pelo impeachment de Dilma, pela facada de Bolsonaro. Foi um período de muita acrimônia, muita discussão política visceral. Hoje, as pessoas estão um pouco mais frias, até porque nos dois lados os líderes políticos desapontaram primeiramente suas próprias bases. Temos a prisão domiciliar do Bolsonaro, mas não estamos vendo o país pegando fogo por conta disso.

A questão do tarifaço dos Estados Unidos é um choque importante: afetou a capacidade de gerar entusiasmo na direita, com a família Bolsonaro liderando o processo. Um filho do ex-presidente que está nos Estados Unidos, de alguma forma com acesso a Trump, impondo sanções ao Brasil. Não é fácil de engolir nem mesmo para quem é bolsonarista.

Na esquerda, o percentual de eleitores que genuinamente pensa que o governo Lula foi transformador, que superou expectativas, é relativamente baixo. É certamente menor do que nos governos anteriores.

Existe um certo cansaço tanto na direita quanto na esquerda com a qualidade da liderança política.