Política

UNIVAG, pareceres milionários e uma ação que não acaba: processo de improbidade da Prefeitura de Várzea Grande trava há 12 anos sem prova de dolo

Ministério Público tenta manter vivo um processo de 2003 que envolve procuradores municipais, mas defesa aponta ausência total de dolo, prescrição e bloqueio ilegal de bens há mais de sete anos

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA 17/10/2025
UNIVAG, pareceres milionários e uma ação que não acaba: processo de improbidade da Prefeitura de Várzea Grande trava há 12 anos sem prova de dolo
O Ministério Público sustenta que esses pareceres teriam causado prejuízo de R$ 8,9 milhões aos cofres municipais — valor que, corrigido, passaria de R$ 70 milhões | Assessoria/Univag

Doze anos após o ajuizamento, a Ação Civil Pública nº 0026330-94.2013.8.11.0002, movida pelo Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) contra ex-integrantes da Procuradoria-Geral do Município de Várzea Grande, continua sem sentença — e com o mesmo impasse jurídico: não há prova de dolo, o elemento essencial que caracteriza o ato de improbidade administrativa.

O caso, que remonta a 2003, gira em torno de pareceres jurídicos emitidos por procuradores municipais, entre eles C.D.C.F, que opinou pela anulação de autos de infração lavrados contra o Instituto Educacional Mato-Grossense (UNIVAG).

O Ministério Público sustenta que esses pareceres teriam “usurpado a competência do Conselho de Recursos Fiscais” e causado prejuízo de R$ 8,9 milhões aos cofres municipais — valor que, corrigido, passaria de R$ 70 milhões.

A defesa de C.D.C.F, representada pelo advogado Julian Davis de Santa Rosa, ingressou com novos embargos de declaração, apontando três omissões graves na decisão que manteve a ação em andamento: Inadequação da via processual: após a prescrição das sanções de improbidade, não é possível seguir com a ação apenas para buscar ressarcimento.

O correto, segundo a defesa, seria o ajuizamento de uma nova ação civil de ressarcimento, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 801.846/AM); Ausência de dolo: a petição inicial não descreve qualquer conduta intencional de enriquecimento ilícito, favorecimento indevido ou dano doloso à administração. “O Ministério Público jamais indicou, nem sequer sugeriu, que o réu tenha obtido vantagem pessoal ou beneficiado terceiros. Limitou-se a afirmar que ele emitiu um parecer jurídico”, sustenta a peça e Ilegitimidade do MP: conforme trechos de votos do ex-ministro Ricardo Lewandowski, de Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, a Fazenda Pública Municipal — e não o MP — seria a parte legítima para propor ação de ressarcimento, quando a improbidade já está prescrita.

A defesa ampara-se na tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 897 da Repercussão Geral, que limitou a imprescritibilidade das ações de ressarcimento apenas aos atos dolosos de improbidade. O próprio ex-ministro Luís Roberto Barroso deixou claro, em seu voto, que o ressarcimento não é uma sanção, mas uma reposição patrimonial, devendo tramitar como ação ordinária quando não houver dolo comprovado.

“Não é o caso de rito de improbidade. Trata-se de ação ordinária de ressarcimento, com o devido direito de defesa, sem possibilidade de aplicação de sanções”, registrou Barroso no julgamento.

A defesa afirma que a decisão de recebimento da ação é omissa, pois não identifica qual ato doloso teria sido praticado nem quais provas o sustentariam — o que, segundo o advogado Julian Santa Rosa, viola o direito de defesa e impede qualquer julgamento justo.

O Ministério Público, por meio do promotor Jorge Paulo Damante Pereira, apresentou contrarrazões afirmando que o ressarcimento é imprescritível e pode ser buscado dentro da mesma ação de improbidade.


Nas palavras do órgão, “não há necessidade de ação autônoma” e “basta a presença de indícios mínimos” para o recebimento da inicial. O MP citou precedentes de 2010 e 2012 do STJ, ainda baseados na redação antiga da Lei 8.429/92, anterior à reforma de 2021.

A promotoria também rechaçou a tese da ilegitimidade, sustentando que o STF não tratou do tema na tese firmada — embora ministros tenham feito observações em sentido oposto durante o julgamento.

A promulgação da Lei 14.230/2021 (Nova LIA) alterou radicalmente o cenário: Exigiu dolo específico como requisito para improbidade; Criou prescrição intercorrente e Elimitou a duração de bloqueios cautelares de bens, que no caso de Cesarino já duram mais de sete anos.

Desde 2022, a defesa vem pedindo a extinção do processo, com base nessas novas regras, e a liberação dos bens — argumentando que manter o bloqueio sem prova de dolo “é medida autoritária e sem amparo legal”.

Com mais de 1.000 páginas e uma dezena de petições complementares, o processo segue sem decisão definitiva. As últimas movimentações, em 2024, incluem manifestações da defesa intituladas “Atos Finalísticos”, possivelmente pedindo o encerramento do caso com base na nova legislação.

Na prática, o processo se tornou um exemplo do caos jurídico que tomou conta das ações de improbidade em todo o país após o Tema 897 e a nova LIA: Ministérios Públicos tentam manter processos antigos abertos; Defesas pedem extinção por ausência de dolo e Juízes hesitam entre os dois entendimentos, paralisando julgamentos.

O caso do UNIVAG e dos pareceres de 2003 tornou-se simbólico por três razões: Expõe a dificuldade de adaptação da Justiça às novas regras da improbidade; Mostra o risco de o MP manter ações sem dolo e com bloqueios patrimoniais indefinidos e reacende o debate sobre o papel dos procuradores municipais, que podem ser punidos por opinar juridicamente — o que, segundo juristas, viola a autonomia da advocacia pública.

“Não há ato doloso, não há enriquecimento, não há vantagem indevida. Há apenas um parecer jurídico — e uma ação que se arrasta há mais de uma década”, resume a defesa.

Enquanto o processo segue no limbo jurídico de Várzea Grande, o debate sobre o limite entre o erro administrativo e a improbidade dolosa continua a dividir tribunais e juristas de todo o país.