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Nunca tantas pessoas morreram na Espanha em apenas um ano desde que existem os registros oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE). E jamais houve tão poucas crianças. A coincidência desses dois fenômenos em 2020 deixa um balanço demográfico desolador, como indicam os dados provisórios do movimento natural da população publicados nesta quinta-feira. No ano que concentra o pior golpe da pandemia de coronavírus, morreram 492.930 pessoas, 74.227 a mais que em 2019 (aumento de 17,73%). E nasceram 339.206 bebês, 5,94% a menos que no ano passado. É a pior cifra desde 1941 —dois anos depois da Guerra Civil Espanhola. Assim, o saldo vegetativo (diferença entre nascimentos e mortes) é o pior de toda a série histórica: houve 153.167 mais mortes que nascimentos, triplicando o número de 2019, que era o pior até então.
Diego Ramiro, diretor do Instituto de Economia, Geografia e Demografia do Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC) da Espanha, afirma que esses dados eram de se esperar numa situação de pandemia como a que vivemos. “A crise afetou as principais variáveis que compõem a população”, diz. O especialista acrescenta outro fator ao máximo de mortes e ao mínimo de nascimentos para justificar a carga demográfica de 2020: a idade média da maternidade atingiu um novo recorde, 32,3 anos, um décimo a mais que no ano anterior.
Em janeiro e fevereiro, antes do início da crise sanitária, as mortes de 2020 não foram muito diferentes das do ano anterior. Inclusive morreram menos pessoas nesses dois primeiros meses. Em março, quando o vírus já havia se propagado e o Governo decretou o confinamento, a tendência mudou radicalmente: 37.058 em 2019 e 58.124 em 2020. O mês com maior diferença em relação ao anterior foi abril, quando morreram 60.951 pessoas, 78,21% a mais que em 2019. Na época o país viveu o pior da pandemia, com até 900 óbitos por covid-19 notificados num único dia.
A cifra de mortos por coronavírus registrada pelo Ministério da Saúde da Espanha (50.837 em 31 de dezembro de 2020) está muito distante da diferença entre os mortos em 2019 (418.703) e 2020 (492.930). Também está longe se ampliamos o olhar com uma média do total de mortos anuais entre 2015 e 2019: 420.825. O registro de mortos por covid-19 realizado pelo Governo não inclui as milhares de pessoas que faleceram pela doença na primeira onda, mas cujo diagnóstico não foi confirmado com um teste de laboratório. Isso não significa que o excesso de mortalidade indicado pelos dados do INE se refira exclusivamente ao coronavírus: parte desses óbitos pode se dever a outros motivos, como as doenças que não foram corretamente tratadas pela saturação de hospitais e centros de saúde. Joaquín Recaño, presidente do grupo de população da Associação de Geógrafos Espanhóis, professor da Universidade Autônoma de Barcelona e pesquisador do Centro de Estudos Demográficos, explica que “a pandemia é a principal causa do aumento da mortalidade, mas por enquanto não temos um retrato fidedigno de quais são as mortes por covid-19 e quais se devem a outros motivos.”
Por comunidades, os piores dados são os de Madri. É a região que sofreu o maior aumento de mortes em relação ao ano passado, 41,17%, com 19.418 mais óbitos que no ano anterior. Os dois territórios vizinhos da Comunidade de Madri são o segundo e o terceiro mais afetados: em Castela-La Mancha, as mortes cresceram 32,33%; e em Castela e León, 25,97%. No outro lado da balança estão Canárias (4,19%), Galícia (4,97%) e Múrcia (5,78%).