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Merkel deixa o Brexit para trás para oferecer ao Reino Unido um “novo capítulo” em sua relação bilateral
Em sua última visita oficial a Boris Johnson, a chanceler alemã defende uma solução pragmática para o conflito entre Londres e Bruxelas sobre o Protocolo da Irlanda do Norte
O primeiro-ministro encarregou-se de lembrar que a Alemanha é o segundo parceiro comercial do Reino Unido; que três quartos de milhão de britânicos trabalham para empresas alemãs e vice-versa; e que um em cada cinco motoristas britânicos senta-se ao volante de um carro alemão todos os dias. Johnson sendo Johnson, não pôde evitar, no início de sua intervenção, mencionar a derrota da seleção alemã para a inglesa nas oitavas de final da Eurocopa, na terça-feira. “Obviamente, não foi uma oferta voluntária para facilitar esta reunião”, disse a chanceler, continuando a brincadeira, “mas agora desejo o melhor para a seleção inglesa na próxima fase”.
Os dois dirigentes anunciaram o lançamento, a partir de 2022, de uma reunião anual conjunta de seus respectivos Gabinetes.
Mesmo no assunto mais delicado na relação entre Londres e Bruxelas, o Protocolo da Irlanda do Norte, Merkel mostrou seu lado mais conciliador. Defendeu a necessidade de manter o acordo internacional alcançado depois de duras negociações, mas também expressou sua convicção de que “podem ser encontradas soluções pragmáticas que sejam aceitáveis para ambas as partes e respeitem a integridade do mercado interno da UE”.
Dois dias antes da reunião entre Johnson e Merkel, os ministros das Relações Exteriores de ambos os países assinaram uma declaração conjunta de cooperação em política externa e segurança de enorme importância. O primeiro sinal de uma nova bilateralidade entre Londres e Berlim, que dividem preocupações e objetivos comuns em questões como a ameaça da China, a mudança climática ou a necessidade de compartilhar respostas a novas crises humanitárias. “Precisamos fortalecer nossa cooperação em áreas como energia, tecnologia e cultura. E estou preocupada que as relações entre os jovens alemães e britânicos possam se perder depois do desaparecimento de um programa tão relevante como o Erasmus”, anunciou Merkel.
Bruxelas e Londres concordaram esta semana em estender por mais três meses a prorrogação do prazo para ajustar os controles alfandegários de determinados produtos que viajam da Grã-Bretanha para a Irlanda do Norte. A tensão em torno dessa questão, que chegou a contaminar a cúpula do G-7 na Cornualha em meados do mês passado, azedou ainda mais a relação entre os dois blocos, a ponto de uma guerra comercial parecer iminente. Se naquela cúpula Johnson usou um tom desafiador e insolente ao dizer que “teria de colocar na cabeça dos europeus que a Irlanda do Norte pertence ao Reino Unido”, o primeiro-ministro usou um tom muito mais conciliador na presença de Merkel. Não pôde evitar, em todo caso, seus habituais gracejos e lançou mão das bratwurst alemãs para explicar o problema que os tabloides britânicos apelidaram de “guerra das salsichas” (um dos produtos ameaçados com tarifas era a carne congelada): “Imaginem que as bratwurst não pudessem ser levadas de Dortmund para Düsseldorf devido à jurisdição de um tribunal internacional. Isso lhes pareceria algo extraordinário”, disse. “Mas tenho certeza, como Angela disse, que com paciência e boa vontade poderemos resolver isso.”
A mensagem que a chanceler queria transmitir naquela que seria sua última visita ao Reino Unido ficou clara. Às perguntas de jornalistas alemães, que a lembraram que o interlocutor mais indicado para Londres deveria ser a Comissão Europeia, Merkel insistiu na vocação comunitária da Alemanha e na necessidade de que os 27 parceiros permaneçam unidos com uma só voz. Mas ao mesmo tempo deixou claro que o Brexit abriu um novo tempo, para o qual será necessário buscar novas soluções e usar o bom senso. “A Alemanha sempre fará parte da UE”, disse a chanceler, “mas é natural que, depois do Brexit, as relações entre os dois países sejam fortalecidas”.
Downing Street evitou levar a brincadeira ao extremo, oferecendo a Merkel um menu de torta inglesa de aspargos, filé de vitela Oxfordshire e torta de creme assada. Nada de salsichas. A chanceler concluiu sua visita com um encontro privado no castelo de Windsor com a rainha Elizabeth II.