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Gisèle Pelicot: a condenação de marido que dopou esposa para ser estuprada por mais de 50 homens
O tribunal da cidade de Avignon, na França, considerou 47 deles culpados de estupro, dois culpados de tentativa de estupro e dois culpados de agressão sexual
Dominique Pelicot, de 72 anos, foi condenado nesta quinta-feira (19/12) a 20 anos de prisão por drogar e estuprar a ex-mulher, Gisèle Pelicot, e recrutar estranhos para estuprá-la durante mais de uma década, além de outras acusações.
Ele admitiu as acusações contra ele.
Dominique foi julgado com outros 50 homens acusados de estuprar Gisèle por intermédio dele, a maioria dos quais negou as acusações de estupro.
O tribunal da cidade de Avignon, na França, considerou 47 deles culpados de estupro, dois culpados de tentativa de estupro e dois culpados de agressão sexual.
Os réus têm agora 10 dias para recorrer.
Gisèle Pelicot, de 72 anos, agradeceu o apoio que recebeu em um discurso fora do tribunal, depois que o ex-marido foi condenado.
Ao abrir mão de seu direito ao anonimato, ela se tornou um símbolo de luta e coragem, dizendo que queria fazer com que a "vergonha trocasse de lado", da vítima para o estuprador.
Ela afirmou nesta quinta-feira que nunca se arrependeu de tornar o julgamento público "para que a sociedade pudesse ver o que estava acontecendo".
"Tenho confiança em nossa capacidade coletiva de encontrar um futuro melhor no qual homens e mulheres possam viver harmoniosamente juntos com respeito mútuo", declarou.
Gisèle olhou para cada um dos réus quando eles eram solicitados a se levantar, primeiro para saber se era culpado ou não, e depois para ouvir a sentença.
Ela disse que respeita o tribunal e seu veredicto.
Em seu discurso, Gisèle se dirigiu ainda às vítimas de histórias semelhantes.
"Temos a mesma luta", ela disse. "Muitas vezes, nas sombras."
Centenas de pessoas aplaudiram e gritaram seu nome quando ela desceu os degraus do tribunal, onde passou a maior parte de seus dias desde setembro, ao lado dos homens que a estupraram — e do ex-marido que a drogou, estuprou e traiu.
O julgamento teve forte repercussão em toda a França e gerou enormes protestos em apoio a ela e contra a violência sexual, além de mudar o debate sobre a questão do consentimento no país.
Outra questão fundamental que o caso colocou em destaque é o fenômeno pouco discutido da submissão química: o estupro induzido por drogas.
Dominique Pelicot foi considerado culpado da acusação de estupro com agravante da ex-mulher, Gisèle.
Ele também foi considerado culpado de tentativa de estupro com agravante da esposa de um dos corréus, Jean Pierre Marechal, Cillia, e de fazer imagens indecentes da filha, Caroline, e das noras, Aurore e Celine.
E não demonstrou emoção quando o juiz anunciou seu veredicto.
Já Gisèle apoiou a cabeça na parede do tribunal enquanto Dominique era condenado, ao mesmo tempo em que sua família o observava e sussurrava entre si.
Ele já havia admitido ter dopado Gisèle com comprimidos para dormir e tê-la estuprado quando eles eram casados, além de ter recrutado dezenas de outros homens para estuprá-la também. A maioria dos estupros foi filmada.
A maioria dos outros 50 réus são provenientes de cidades e vilarejos em um raio de 50 quilômetros de Mazan, onde aconteceu grande parte dos estupros do caso Pelicot.
Ao longo do julgamento, alguns choraram, outros confessaram.
Mas a maioria ofereceu uma série de desculpas, com muitos afirmando que eram simplesmente "libertinos" — como dizem os franceses —, satisfazendo as fantasias de um casal, e que não tinham como saber que Pelicot não havia consentido.
Outros alegaram que Dominique Pelicot, o marido de Gisèle, os havia intimidado.
Estes homens possuem, no entanto, poucas características em comum.
Entre jovens e idosos, há bombeiros, motoristas de caminhão, soldados, seguranças, um jornalista e um DJ.
As duas características que todos compartilham são o fato de serem homens — e de terem acessado um fórum de bate-papo online ilícito chamado Coco, conhecido por atender adeptos de swing, além de atrair pedófilos e traficantes de drogas.
De acordo com os promotores franceses, o site, que foi fechado no início deste ano, foi citado em mais de 23 mil relatórios de atividades criminosas.
O fato de representarem, de uma maneira geral, um microcosmo da sociedade fez com que fossem chamados de Monsieur-Tout-Le-Monde (algo como "Sr. Todo Mundo").