Mundo
Os mapas que mostram como a América do Sul se tornou mais quente, seca e em chamas nos últimos 50 anos
A pesquisa se concentrou em três áreas que foram particularmente atingidas pelo calor e pela diminuição das chuva
![Os mapas que mostram como a América do Sul se tornou mais quente, seca e em chamas nos últimos 50 anos](https://img.pagina12.com.br/OhSWHyiQIuPh79s6zPvPanhX-Ek=/825x545/smart/https://pagina12.us-east-1.linodeobjects.com/uploads/imagens/ab8e0380-e575-11ef-a319-fb4e7360c4ecpng.webp)
A América do Sul quebrou vários recordes em 2024: o Chile teve o incêndio florestal mais mortal do mundo em pelo menos um século; na Bolívia, as chamas devoraram proporções do país nunca antes vistas, e na Venezuela e no Brasil houve secas mais longas do que o normal. No mesmo ano, mais de 79 milhões de hectares (790 mil km²) foram queimados na região, o maior dano em pelo menos uma década, deixando centenas de mortos e milhares de casas afetadas. Estações secas mais longas, incêndios descontrolados e nuvens de fumaça visíveis do espaço são fenômenos cada vez mais comuns em grande parte da América do Sul, alertam especialistas. O mais surpreendente do ano passado foi que alguns incêndios florestais se espalharam por distâncias sem precedentes, chegando até mesmo aos centros urbanos.
"O fato de os incêndios serem capazes de matar pessoas na cidade é algo que não havíamos contemplado antes", diz Raúl Cordero, cientista climático e acadêmico da Universidade de Santiago do Chile, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC. "Infelizmente, é uma nova tendência que estamos vendo".
![Um casal se abraça depois de um incêndio florestal em Villa Independencia, região de Valparaíso, Chile, em 4 de fevereiro de 2024](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/37b4/live/c15eb5a0-e2f1-11ef-a319-fb4e7360c4ec.jpg.webp)
Crédito,Getty Images
Cordero é o principal autor de um estudo que analisou dados das últimas cinco décadas e identificou um aumento acelerado na combinação de dias mais quentes e secos e um maior risco de incêndios florestais catastróficos na América do Sul.
A pesquisa se concentrou em três áreas que foram particularmente atingidas pelo calor e pela diminuição das chuvas: as regiões do norte da Amazônia no Brasil, Maracaibo na Venezuela e o nordeste do Gran Chaco, a maior zona de floresta tropical seca do mundo, que cobre partes da Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai.
![Mapa da América do Sul mostrando que o número de dias quentes aumentou drasticamente em algumas regiões desde a década de 1970](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/ac25/live/e78c08a0-eb06-11ef-a819-277e390a7a08.png.webp)
O estudo considera dias "quentes" quando a temperatura máxima ultrapassa certos níveis, que variam de acordo com a localização geográfica e a época do ano.
Por exemplo, em São Paulo, no Brasil, um dia de verão é considerado quente se a temperatura ultrapassar 30°C, enquanto em cidades como Guayaquil, no Equador, o limite é 32°C.
Nas últimas décadas, esses limites foram normalmente excedidos em 36 dias por ano, mas nos últimos anos, até 100 dias quentes adicionais por ano foram registrados em algumas regiões.
![Mapa da América do Sul mostrando que o número de dias secos aumentou drasticamente em algumas regiões desde a década de 1970](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/f959/live/21a90c40-eb07-11ef-a319-fb4e7360c4ec.png.webp)
Os autores do estudo consideram dias "secos" os dias em que as chuvas estão abaixo da média usual, que varia de acordo com a localização geográfica e a época do ano.
Por exemplo, janeiro é considerado "seco" em Buenos Aires, na Argentina, se as chuvas não excederem 120 milímetros, enquanto em cidades como Bogotá, na Colômbia, agosto é considerado "seco" se as chuvas não atingirem 50 mm.
Há cinquenta anos, havia cerca de 180 dias secos por ano na região, mas agora em algumas áreas há cerca de 240 dias secos.
Em outras palavras, atualmente há cerca de 60 dias secos a mais por ano em comparação com 50 anos atrás.
![Mapa da América do Sul mostrando que o número de dias com alto risco de incêndios aumentou drasticamente em algumas regiões desde a década de 1970](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/b725/live/4db43990-eb07-11ef-bd1b-d536627785f2.png.webp)
A combinação de temperaturas mais altas e secas está contribuindo para um maior risco de incêndios na América do Sul, especialmente nas regiões de cores mais escuras nos mapas.
No período de 1971 a 2000, essas condições de alto risco estavam presentes menos de 40 dias por ano, em geral. Enquanto na última década, até 120 dias por ano foram registrados na região norte da Amazônia e em Maracaibo.
"Infelizmente, vemos que a situação continua piorando e a taxa de piora é exponencial, o que é ainda mais preocupante", explica Cordero.
![Dois homens remam em uma canoa feita de telhas de zinco por uma rua inundada em Porto Alegre, Brasil, em 29 de maio de 2024](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/2ae2/live/03c9d790-e2f1-11ef-a319-fb4e7360c4ec.jpg.webp)
Crédito,Getty Images
Além disso, embora a região como um todo tenha se tornado mais seca e quente, há lugares onde houve chuvas mais intensas.
Isso porque, durante a estação chuvosa, o aumento da temperatura faz com que o ar fique mais úmido e ocorram chuvas mais abundantes, o que aumenta o risco de inundações.
A que se deve essa tendência?
Globalmente, 2024 foi o ano mais quente já registrado.
Além disso, cientistas da Nasa estimaram que, por mais da metade do ano, as temperaturas médias superaram em 1,5°C o nível da segunda metade do século 20 (1850-1900).
Paralelamente, no início de 2024, o El Niño, um fenômeno climático natural associado ao aquecimento da superfície do oceano no Pacífico tropical central e oriental, exacerbou as secas e as altas temperaturas em partes da América do Sul.
![Mapa de satélite da América do Sul mostrando que em muitas regiões houve um aumento de áreas com extrema secura (níveis mais baixos de água subterrânea) em comparação ao período de 1948 a 2010](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/d721/live/cc17b960-eb07-11ef-a819-277e390a7a08.png.webp)
Marangelly Fuentes, diretora científica do Centro de Voos Espaciais Goddard da Nasa, um instituto que usa satélites para estudar o clima e a atmosfera do planeta, explica que o aumento das temperaturas impacta o mundo de maneiras diferentes.
"O que isso significa é que os fenômenos meteorológicos podem ser mais intensos", diz Fuentes.
Por exemplo, quando há ciclones tropicais ou furacões, há uma chance maior de que eles se tornem da categoria 3 ou superior.
No caso da América do Sul, o aquecimento global contribui para prolongar os períodos de seca, que murcham a vegetação e tornam a terra mais árida.
![Pessoas transportam galões de água potável em um terreno seco ao longo do rio Madeira, no estado do Amazonas, no Brasil, em 7 de setembro de 2024](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/b4b8/live/5f1c96c0-dff7-11ef-a819-277e390a7a08.jpg.webp)
Crédito,Getty Images
Pule Novo podcast investigativo: A Raposa e continue lendoNovo podcast investigativo: A Raposa
Uma tonelada de cocaína, três brasileiros inocentes e a busca por um suspeito inglês
Episódios
Fim do Novo podcast investigativo: A Raposa
Fuentes explica que a principal razão por trás do aumento da temperatura global é o aumento dos gases de efeito estufa decorrentes do uso de combustíveis fósseis, como petróleo e gás, entre outros.
Todos os anos, os satélites registram centenas de milhares de incêndios no continente, às vezes devido a causas naturais ou acidentais.
No entanto, em muitos casos, são incêndios intencionais (legais ou ilegais). Por exemplo, em alguns países é comum queimar florestas para criar áreas para agricultura e/ou pecuária.
"Quem acende o pavio geralmente não é a mudança climática, mas um ser humano. Há pessoas que usam o fogo como ferramenta para o desmatamento, que existe desde sempre", diz Cordero. "Então, o que está acontecendo agora? Bem, o mesmo: mais mudanças climáticas, infelizmente."
Independentemente da causa, o grande problema não é a ignição em si, mas as condições secas que fazem com que o incêndio saia rapidamente do controle.
"Não é o número de incêndios, mas esses incêndios serão mais extremos, ocuparão mais terras e destruirão mais áreas", acrescenta Fuentes.
Brasil: destruição em escala massiva
![Vista aérea da fumaça resultante de um incêndio ilegal na selva amazônica no norte do Brasil, tirada em 4 de setembro de 2024](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/6cc4/live/8fe884f0-d9ab-11ef-bc01-8f2c83dad217.jpg.webp)
Crédito,Getty Images
Mais da metade dos incêndios florestais que a América do Sul sofreu em 2024 ocorreram no Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Mais de 592 mil km² (59,2 milhões de hectares, uma área maior que o Paraguai) foram queimados em 2024. Esse número é o mais alto do século 21, desde que o Inpe mantém registros.
Em junho do ano passado, um nível incomum e intenso de incêndios foi registrado no Pantanal, uma área úmida de alta biodiversidade que sofreu grandes danos e poluição como resultado das chamas.
Chile: o incêndio mais mortal
![Uma imagem de satélite mostra nuvens de fumaça resultantes de incêndios na região de Valparaíso, Chile, em fevereiro de 2024](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/b72a/live/96ea2dd0-eb08-11ef-bd1b-d536627785f2.png.webp)
Um exemplo claro de destruição sem precedentes foram os incêndios florestais na região de Valparaíso em fevereiro de 2024, que devastaram parte da área urbana em cidades como Viña del Mar, Limache, Villa Alemana e Quilpué.
Esses incêndios se tornaram os mais mortais do mundo em pelo menos um século.
Pelo menos 383 pessoas morreram, de acordo com o EM-DAT, um banco de dados internacional de desastres naturais.
Até então, os incêndios florestais mais mortais dos últimos 100 anos haviam sido os de Sumatra e Kalimantan, na Indonésia, em 1997, onde 240 pessoas morreram.
![Um homem caminha entre casas que foram devastadas por um incêndio em Quilpué, Chile, em 4 de fevereiro de 2024](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/1e92/live/fab8af90-d9aa-11ef-a37f-eba91255dc3d.jpg.webp)
Crédito,Getty Images
Bolívia: 15% do país em chamas
Em 2024, 15% do território da Bolívia foi queimado, mais de 16 milhões de hectares (160 mil km², uma área maior que a Nicarágua).
Em comparação, entre 2012 e 2023, uma média de 5% havia queimado por ano.
A Bolívia foi o país com a maior proporção de território queimado pelas chamas em todo o continente americano, de acordo com o Sistema Global de Informações sobre Incêndios Florestais (GWIS, na sigla em inglês).
A temporada de incêndios começou mais cedo do que o normal, e várias áreas sofreram com secas extremas e temperaturas recordes, o que afetou particularmente os departamentos de Santa Cruz, Beni e Pando.
![Um grupo de bombeiros chega para extinguir o fogo durante um incêndio florestal no Departamento de Santa Cruz, Bolívia, em 24 de setembro de 2024](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/1b56/live/65323940-d9ab-11ef-902e-cf9b84dc1357.jpg.webp)
Crédito,Getty Images
As emissões de carbono dos incêndios florestais foram as mais altas registradas no país nas últimas duas décadas, de acordo com estimativas do Serviço de Monitoramento Atmosférico Copernicus da Agência Espacial Europeia.
Em setembro de 2024, o Ministério da Saúde e Esportes da Bolívia emitiu um alerta nacional de saúde devido aos altos níveis de poluição do ar devido às chamas.
Venezuela: mais incêndios do que nunca
![Imagem de satélite mostra uma enorme nuvem de fumaça de incêndios florestais na Venezuela em março de 2024](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/501d/live/d9076bf0-eb09-11ef-a819-277e390a7a08.png.webp)
A Venezuela também experimentou condições excepcionalmente quentes e secas.
Em 2024, 9% do território do país foi queimado, de acordo com o GWIS.
Os satélites da Nasa detectaram um número recorde de incêndios no país, especialmente na primeira parte do ano.
![Um bombeiro combate um incêndio florestal no morro El Café, no estado de Carabobo, Venezuela, em 27 de março de 2024](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/29ff/live/64119190-d9ac-11ef-902e-cf9b84dc1357.jpg.webp)
Crédito,Getty Images
A bacia de Maracaibo é uma das regiões que mais secou e se aqueceu desde 1971, de acordo com o estudo liderado por Cordero.
Mais de um terço da bacia ainda está coberto por florestas, o que, sob as condições climáticas atuais, coloca em risco as populações que vivem nas proximidades, particularmente a segunda maior cidade do país, Maracaibo.
Há soluções?
Após os incêndios florestais de Los Angeles deste ano, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) pediu aos países que se concentrem na redução de riscos e na preparação antes que os incêndios ocorram.
"Historicamente, muita atenção foi dada à extinção [do fogo], mas muito mais precisa ser investido na prevenção", disse Amy Duchelle, da FAO, em 16 de janeiro de 2025.
Para a prevenção de incêndios florestais intencionais, a agência recomenda uma combinação de educação comunitária, programas eficazes que integrem avanços científicos e tecnológicos ao conhecimento tradicional e regulamentações e práticas ambientais sustentáveis.
![Bombeiros ajudam uma mulher a examinar os restos de sua casa destruída pelo incêndio na área de Pacific Palisades, em Los Angeles, Califórnia, nos Estados Unidos, em 22 de janeiro de 2025](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/893d/live/12a46cf0-d9ad-11ef-902e-cf9b84dc1357.jpg.webp)
Crédito,Getty Images
Por enquanto, não existe uma solução rápida ou fácil ou uma receita única que possa evitar incêndios em todas as circunstâncias, alertam os especialistas.
"O desafio de longo prazo é tentar evitar que a situação piore, o que significa mitigar o aquecimento global", diz Cordero.
Enquanto isso, Margelly Fuentes, da Nasa, acredita que as comunidades não podem simplesmente esperar que os gases de efeito estufa diminuam, porque isso pode levar muito tempo.
"As comunidades precisam pensar em como podem se tornar mais resilientes. Eles precisam se perguntar: o que podemos mudar ou fazer para proteger nossa área?"