Política
Delação de Léo Pinheiro sacode política no Chile, Bolívia e Peru
Do rol de políticos acusados por ele, que inclui governadores, senadores e deputados brasileiros, o único presidente da América Latina que ainda está no poder é o boliviano Evo Morales. O EL PAÍS confirmou que na delação homologada pelo STF Morales e outros ex-presidentes latino-americanos foram mencionados, conforme a proposta de delação vista pela reportagem. Todas as informações se cruzam com supostos pedidos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto ainda era presidente do Brasil.
Segundo Pinheiro, Lula lhe pediu para que assumisse uma obra de trecho da rodovia Tarija-Potosí na Bolívia que estava com problemas e era de responsabilidade de outra empreiteira brasileira, a Queiroz Galvão, para evitar um desgaste diplomático entre os países. Pinheiro diz ter explicado que esse projeto era inviável economicamente, mas diz ter ouvido de Lula que Morales “estaria disposto a compensar economicamente a empresa” com outro contrato para que assumisse a obra problemática. O empreiteiro diz ainda que Lula prometeu a liberação de um financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se a OAS assumisse o projeto.
Por um acordo de Lula e Morales, diz Pinheiro, a Bolívia retirou sanções impostas contra a Queiroz Galvão e autorizou que a OAS assumisse as obras da estrada Tarija-Potosí. Pinheiro cita, ainda, como compensação o fato da empreiteira ter conquistado a construção de estrada em Villa Tunari. No entanto, a OAS acabou perdendo o contrato, segundo Pinheiro, devido a conflitos sociais na região e à demora na liberação de recursos do BNDES.
O assunto repercutiu no cenário político boliviano, com a oposição a Morales cobrando investigações sobre os fatos. O ministro das Comunicações, Manuel Canelas, no entanto, rebateu as menções, exigindo “provas” das acusações, segundo o jornal boliviano La Razón. O embaixador boliviano no Brasil, José Kinn, disse também ao La Razón que se Pinheiro efetivamente firmou a delação com essas informações sobre Morales, são “declarações no marco de um acordo judicial de delação sobre algo que nunca existiu. Que o presidente Morales tenha atuado, a pedido de Lula, para entregar uma obra sem licitação” à OAS.
Pinheiro também mencionou Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile (exerceu dois mandatos, entre 2006-2010 e entre 2014-2018), como beneficiária de pagamentos da empreiteira. De acordo com Pinheiro, a OAS temia perder a obra da construção da Ponte Chacao, em consórcio com a coreana Hyundai, caso Bachelet ganhasse a eleição de 2013. Pinheiro disse ter pedido ajuda a Lula, que respondeu que falaria com o ex-presidente Ricardo Lagos ou Bachelet, para que a OAS não fosse prejudicada.
Outro ex-presidente da América Latina citado por Pinheiro em seu acordo de delação é Ollanta Humala, presidente do Peru entre 2011 e 2016. Humala e sua mulher já foram presos por suspeitas de lavagem de dinheiro num caso envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht, investigado pela procuradoria daquele país. No caso da OAS, Pinheiro diz que foram gastos pela empreiteira cerca de 859.000 reais com uma empresa do publicitário brasileiro Valdemir Garreta, que atuou na campanha de Humala em 2011.Pinheiro disse também que custeou serviços de comunicação prestados por Garreta para Susana Villarán, então prefeita de Lima.
A defesa de Humala no Brasil rebateu as declarações de Pinheiro. "Essa alegação do Léo Pinheiro é mentirosa”, afirmou o advogado Leonardo Massud, que representa o ex-presidente peruano no Brasil. “Tenho conhecimento de que houve contrato com Valdemir Garreta pra fazer campanha, mas essa declaração [de que dinheiro da OAS custeou a campanha] não condiz com a realidade", acrescentou.
Garreta, por sua vez, fez acordo de delação premiada com o Ministério Público do Peru e o EL PAÍS apurou que ele deu a mesma versão de Pinheiro aos procuradores peruanos, de que recebeu pagamentos da OAS para custear a campanha de Humala. Em depoimento à Justiça Federal do Paraná nesta segunda-feira, Garreta confirmou também a versão de Pinheiro, de que recebeu dinheiro da empreiteira para a campanha de Humala. “Eu fiz uma campanha presidencial no Peru em 2011... o primeiro candidato que eu ajudei a eleger era um presidente de direita no Peru que se chama Ollanta Humala. Fizemos a campanha dele. A OAS financiou a nossa prestação de serviço. Ganhamos a eleição, criamos um prestígio profissional muito grande no Peru”, afirmou. Massud, no entanto, questiona o posicionamento de Garreta. “É bom destacar que na Operação Lava Jato, há vários casos em que pessoas dizem ter recebido dinheiro a um título [por alguma razão], mas receberam por outra razão ou mesmo ficaram com os recursos, dado que nessas operações havia pouco controle, pois muitas dessas ações eram feitas na base da confiança”, diz o advogado de Humala.
Triplex
O ex-presidente da OAS revelou fatos que considera serem criminosos, entre os quais as supostas negociações comprometedoras com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, incluindo a polêmica reserva e reforma de um apartamento triplex no Guarujá, no litoral paulista, pela qual ele mesmo já foi condenado com o ex-presidente. Pinheiro já havia falado a respeito do triplex, em juízo, ainda como testemunha no processo contra o Lula. Seu depoimento foi decisivo para a condenação do ex-presidente no caso do triplex.
Quando começou a negociar seu acordo de delação premiada, em 2016, Pinheiro negava que a reforma do triplex tivesse sido uma forma de repasse de propina. Mas posteriormente em depoimento à Justiça assumiu que essa benfeitoria saiu da cota de propinas que o PT tinha direito por contratos da OAS com a Petrobras e, depois de condenado, Pinheiro manteve a mesma versão em sua proposta de delação premiada, de que a reforma e a reserva do apartamento eram propina.
A defesa de Lula já declarou que as alegações de Pinheiro são mentirosas e que são parte de uma perseguição política contra o ex-presidente. Em entrevista ao EL PAÍS, Lula citou a delação de Pinheiro. “O Léo [Pinheiro], que estava preso aqui [em Curitiba] e fez a denúncia contra mim, passou três anos dizendo uma coisa e depois mudou o discurso. Meu advogado perguntou o porquê disso e ele disse ‘meu advogado me orientou’”.
Reportagem do Intercept em conjunto com a Folha de S. Paulo, publicada em julho deste ano, também revela detalhes das conversas entre procuradores de Curitiba em que eles constatam que a delação, inicialmente, era “muito ruim”, uma vez que ele negava inicialmente que o triplex do Guarujá era fruto de propinas de corrupção. A sua versão mudou quase um ano depois, como mostraram as mensagens trocadas pela força-tarefa, e analisadas pela Folha/Intercept. Mas Pinheiro refuta que houve mudanças. Quando ainda estava preso em Curitiba, Pinheiro chegou a enviar uma carta para contestar a reportagem e assegurar que não mudou a versão de sua delação.
O acordo de Léo Pinheiro foi fechado pela PGR pelo fato dele mencionar políticos com foro privilegiado, que são julgados diretamente pela Suprema Corte. Mas, para além da demora em fechar o acordo e da suposta mudança de versões para acusar Lula, a delação ficou marcada por outro episódio. Seis procuradores chegaram a pedir demissão coletiva do gabinete de Dodge, porque discordaram do pedido da chefa, de arquivamento sumário de algumas acusações feitas por Pinheiro. Dentre elas, uma que envolvia, por exemplo, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. O STF aceitou o pedido de Dodge e tirou esses trechos da delação.