Política
Embaixador pede que Brasil abandone neutralidade na guerra na Ucrânia
Em entrevista exclusiva à CNN, Andriy Melnyk afirma que uma mudança de rumo com relação à guerra “ajudaria o Brasil a ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU”
O embaixador da Ucrânia no Brasil, Andriy Melnyk, disse à CNN que o Brasil “deveria rever a sua posição” de neutralidade e ajudar o seu país “a parar esta diabólica guerra da Rússia, não apenas com palavras, mas acima de tudo com ações muito concretas”.
Em entrevista exclusiva ao blog, Melnyk disse que uma dessas ações poderia ser o apoio às sanções ocidentais impostas contra Moscou desde o início do conflito –e ampliadas esta semana, às vésperas do segundo aniversário da invasão russa.
“As sanções econômicas que foram introduzidas pelos nossos amigos e aliados ocidentais não foram apoiadas pelo Sul Global. O Brasil não se juntou a elas, continuando os negócios como de costume com Moscou. Isso permitiu à Rússia, infelizmente, utilizar centenas de lacunas para continuar a produção de novas armas mortais. Armas que são usadas dia e noite contra civis ucranianos”, disse ele.
“É por isso que gostaríamos de apelar repetidamente aos nossos amigos brasileiros, o governo, empresários e a sociedade em geral, para reverem essa posição de neutralidade”, afirmou
O embaixador reconheceu que suspender compras de petróleo e fertilizantes russos, por exemplo, não seria fácil, já que o Brasil precisa dos insumos para a produção de alimentos e outros serviços. Mas ele diz que isso poderia trazer outros ganhos para o país.
“Mudar esse rumo beneficiaria o futuro papel do Brasil como líder global. Mudar esse rumo ajudaria o Brasil a ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Esse é um dos objetivos deste país e é algo que (teria efeitos) positivos, como estamos tentando explicar, mas não é fácil”, disse.
As sanções do Ocidente contra a Rússia foram as mais duras e abrangentes já impostas a qualquer país na história recente.
No entanto, houve um aumento do comércio bilateral entre Moscou e países como China, Índia e Brasil, o que, de fato, diminuiu muito o impacto das sanções na economia russa, permitindo que o Kremlin continuasse com o seu esforço de guerra.
Posição “ambivalente e nebulosa”
Perguntado se o Brasil deveria simplesmente romper relações comerciais com a Rússia, Melnyk reconheceu que se tratava de um ponto “delicado”.
“Essa é uma questão muito delicada e a posição do governo brasileiro até agora permanece bastante ambivalente e nebulosa”, afirmou.
“Por um lado, temos uma posição (do Brasil) a favor das respectivas resoluções (da ONU) condenando a invasão russa e exigindo a retirada das tropas russas dos territórios ocupados na Ucrânia. E estamos gratos, muito gratos por este gesto”, disse.
“Por outro lado, o governo brasileiro não forneceu à Ucrânia qualquer assistência durante esta guerra. O Brasil não é um país pobre. Vocês têm uma das economias mais fortes do mundo. Vocês são um dos maiores produtores de armas e têm ambições globais de desempenhar um papel de liderança na reforma da ordem internacional existente. Mas ainda assim o governo brasileiro se recusa a nos ajudar e isso é muito decepcionante”, afirmou
“É por isso que gostaríamos de apelar aos nossos irmãos e irmãs brasileiros. A todas as pessoas de boa vontade neste país para levantarem sua voz. Esperamos que o Brasil reconsidere sua posição e ajude ativamente a Ucrânia a restaurar nossas fronteiras e restaurar a nossa integridade territorial”, disse ele.
Essa ajuda aos ucranianos, na visão do embaixador, “corresponde aos interesses do Brasil”.
“O Brasil gostaria de ter uma ordem mundial mais justa e apoiamos essas ambições, especialmente agora na presidência do G20”, afirmou.
Melnyk disse que a Ucrânia apoia totalmente as três principais iniciativas brasileiras na presidência do G20: combate à fome, pobreza e desigualdade; defesa do meio ambiente e desenvolvimento sustentável; e reforma das instituições de governança global.
Ele lamentou, no entanto, que a Ucrânia não tenha sido convidada para as discussões, como aconteceu durante a presidência da Indonésia do G20, em 2022, quando o presidente Volodymyr Zelensky fez um discurso por vídeo aos líderes do bloco.
Ainda no contexto do G20, o diplomata lamentou a recepção dada pelo governo brasileiro ao Ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, que se encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília.
“Falando honestamente, muitos ucranianos ficaram chocados quando viram um tapete vermelho estendido no Rio e em Brasília para Lavrov”, disse, afirmando ainda que o ministro era um representante do “governo terrorista” da Rússia.
“Na mesma noite em que o senhor Lavrov falava no Palácio do Alvorada, cidades ucranianas como Odessa, Dnipro e muitas outras foram bombardeadas com mísseis de cruzeiro e drones. Tivemos novamente muitas baixas entre civis. Então isso é uma discrepância, uma espécie de mundo paralelo onde vivemos”, afirmou.
Por fim, o embaixador disse que ainda espera que o presidente Lula aceite o convite de seu governo para visitar o país, “inclusive o leste da Ucrânia”, próximo da linha de frente, onde se pode ver os principais efeitos da guerra.
Ele sugeriu, inclusive, que a visita pudesse acontecer na mesma viagem programada por Lula para a reunião da Cúpula dos Brics, que vai acontecer em outubro na cidade de Kazan, na Rússia. O presidente Volodymyr Zelensky, também está preparado, segundo Melnyk, para visitar o Brasil assim que for possível.
A CNN procurou o Itamaraty e pediu uma resposta às declarações do embaixador, mas não houve nenhum comentário.
A posição do governo brasileiro, no entanto, é conhecida e já foi repetida várias vezes desde o início da guerra.
O Brasil condenou a invasão russa e diz que continua disposto a se engajar em qualquer esforço da comunidade internacional em favor do entendimento diplomático do conflito. Além disso, o país diz que não endossa sanções que não sejam aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU.
O Kremlin afirmou várias vezes que a invasão aconteceu para impedir um suposto “genocídio” contra a população de origem russa na região leste da Ucrânia. Moscou usou este argumento, inclusive, num julgamento sobre a invasão na Corte Internacional de Justiça, no fim do ano passado.
O próprio presidente russo, Vladimir Putin, também condenou as sanções econômicas impostas pelo Ocidente, afirmando que elas são “loucas e impensadas”. Segundo ele, as restrições eram “mais prejudiciais” para aqueles que as impuseram do que para a economia russa –que chegou a crescer cerca de 3% em 2023.
No encontro bilateral entre Lula e Lavrov, o chanceler russo apresentou as razões de seu governo para continuar com a guerra. O presidente Lula reafirmou que o Brasil continua disposto a colaborar com os esforços pela paz e confirmou sua visita à Rússia para a cúpula dos Brics.