Política
O que esperar após Trump anunciar nova tarifa de 50% sobre Brasil em resposta à 'perseguição' a Bolsonaro
Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enviou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quarta-feira (9/7) anunciando que as exportações brasileiras sofrerão uma taxação adicional de 50% a partir do dia 1º de agosto.
Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China.
Em tom duro, a carta diz que a decisão é uma resposta à perseguição que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estaria sofrendo no Brasil, devido ao processo criminal que enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado.
Além disso, Trump também justifica o aumento de tarifa argumentando que o Brasil adota barreiras comerciais (tarifárias e não tarifárias) elevadas contra os EUA, o que estaria desequilibrando o comércio entre os dois países.
O governo brasileiro refuta essa argumentação, já que a balança comercial tem sido favorável aos Estados Unidos. O lado americano acumulou saldo positivo de US$ 43 bilhões nos últimos dez anos, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
A carta de Trump diz ainda que decidiu subir a tarifa devido a decisões do STF com "centenas de ordens de censura secretas e ilegais para plataformas de mídias sociais dos EUA, ameaçando-as com milhões de dólares em multas e expulsão do mercado brasileiro de mídias sociais".
O trecho faz referências a decisões lideradas pelo ministro Alexandre de Moraes, que determinou a retirada do ar de postagens e contas com conteúdos considerados antidemocráticos. O ministro também chegou a suspender a atuação da plataforma X, após a empresa se recusar a cumprir suas decisões por um período.
"A maneira como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma desgraça internacional. Este Julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deve terminar imediatamente", afirma a carta.
"Devido, em parte, aos ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de Expressão dos americanos [...], a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma Tarifa de 50% sobre todos e quaisquer produtos brasileiros enviados aos Estados Unidos", continua o documento.
Trump ainda determinou a abertura de uma investigação contra o Brasil.
"Além disso, devido aos contínuos ataques do Brasil às atividades de comércio digital das empresas americanas, bem como outras práticas comerciais injustas, estou orientando o representante de comércio dos Estados Unidos, Jamieson Greer, a iniciar imediatamente uma investigação da Seção 301 sobre o Brasil".
A Seção 301 é um dispositivo da Lei de Comércio americana que permite o país investigar supostas práticas desleais de outras nações para aplicar retaliações.
Após uma primeira tarifa de 10% ser adotada contra o Brasil em abril, momento em que a atuação do STF não foi citada como justificativa, o governo Lula disse que tentaria negociar a reversão da medida, sem descartar uma retaliação no futuro.
Na carta, Trump ameaça elevar ainda mais a tarifa sobre produtos brasileiros, se o país responder como uma tributação maior sobre importações americanas.
"Se por qualquer motivo você decidir aumentar suas tarifas, então qualquer que seja o número que você escolher para aumentá-las, ele será adicionado aos 50% que cobramos", diz a carta a Lula.
Lula convocou uma reunião de emergência com ministros após o anúncio de Trump.
No início da noite desta quarta, o presidente brasileiro se manifestou dizendo que o Brasil é um país soberano com instituições independentes e "que não aceitará ser tutelado por ninguém".
"O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais", disse Lula nas redes sociais.
O presidente brasileiro também afirmou ser falsa a informação sobre o alegado déficit norte-americano na relação comercial entre Brasil e Estados Unidos e cita superávit de 410 bilhões de dólares dos EUA ao longo dos últimos 15 anos.
Lula afirmou ainda que qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida de acordo com a Lei de Reciprocidade Econômica, lei em vigor desde abril que autoriza o governo a retaliar países ou blocos que imponham barreiras comerciais a produtos brasileiros.
O anúncio também repercutiu imediatamente no mundo político e institucional brasileiro.
Do lado dos bolsonaristas, o tom geral foi o de culpar a suposta perseguição a Bolsonaro e o governo Lula pela nova taxa de Trump. Já os governistas argumentam que os bolsonaristas agem para prejudicar o Brasil.
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Mais cedo nesta quarta, Trump já havia afirmado que adotaria novas tarifas contra diferentes países, citando o Brasil diretamente.
"O Brasil, por exemplo, não tem sido bom para nós, nada bom. Vamos divulgar um número do Brasil, acho que ainda esta tarde ou amanhã de manhã", afirmou, durante evento com líderes da África Ocidental na Casa Branca.
No último ano, o saldo da balança comercial entre Brasil e EUA ficou positivo para os americanos em cerca de US$ 300 milhões, com o país de Trump comprando US$ 40,4 bilhões em produtos do Brasil (12% das exportações brasileiras) e vendendo US$ 40,7 bilhões para cá (15,5% das importações do Brasil).
Os principais produtos exportados para os EUA são óleos brutos e combustíveis de petróleo, produtos de ferro e aço, aeronaves, café e celulose, diz o relatório do banco. Já os mais importados pelo Brasil são motores e máquinas não elétricos, óleos combustíveis e brutos de petróleo, aeronaves e gás natural.
Na terça, Trump também já havia ameaçado tarifar países do Brics, bloco integrado pelo Brasil, em 10% "muito em breve". A ameaça veio logo após a cúpula do grupo no Rio de Janeiro, liderada por Lula. A declaração final da cúpula fez críticas a ações da gestão Trump, sem citar diretamente os EUA e seu presidente.
Em abril, a gestão Trump anunciou um tarifaço, elevando a tributação sobre importações vindas de diversos países, mas depois adiou a entrada em vigor de muitas delas.
No caso brasileiro, foi imposta uma taxa extra de 10% para os produtos vendidos aos EUA, que entrou em vigor em 2 de abril.
A taxa foi considerada positiva para o país, já que, dentre as alíquotas extras aplicadas, esse foi o patamar mais baixo. Ainda assim, o governo brasileiro tinha esperança de reverter esse aumento por meio de negociações.
Já muitos países que receberam taxas mais altas em abril tiveram a aplicação das novas alíquotas suspensa por 90 dias, prazo que expiraria em 9 de julho. No entanto, os EUA só chegaram a acordos no período com dois países: Reino Unido e Vietnã.
Por isso, a Casa Branca começou a enviar, na segunda-feira (7/7), cartas para países avisando da retomada da alta das tarifas, mas adiando o aumento para dia 1º de agosto.
Com isso, manteve o espaço aberto para novas negociações e mesmo novos adiamentos. Para analistas, os sucessivos adiamentos das tarifas mostram que há preocupação sobre os efeitos negativos que o encarecimento de importações pode ter sobre a economia americana.
Entre os países já notificados, estão Japão e Coreia do Sul, ameaçados com uma tarifa extra de 25%
Trump também apresentou na segunda-feira planos para uma tarifa de 40% sobre produtos de Mianmar e Laos, de 36% sobre o comércio de Tailândia e Camboja, de 35% sobre produtos da Sérvia e Bangladesh, de 32% sobre a Indonésia, de 30% sobre itens da África do Sul e de 25% sobre Malásia e Tunísia.
Na visão de Trump, aumentar as alíquotas de importação vai proteger e fortalecer a indústria dos EUA, enquanto críticos afirmam que vai encarecer a produção americana e desatar uma guerra comercial global.

Crédito,REUTERS/Tom Brenner
Brasil convoca diplomata americano a dar explicações sobre críticas a processo contra Bolsonaro
A nova tarifa foi anunciada dois dias depois de Trump manifestar publicamente apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), criticando o processo criminal que ele enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF).
A situação escalou com novas declarações oficiais do governo americano, o que levou o Ministério das Relações Exteriores a convocar duas vezes, nesta quarta-feira, o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos, Gabriel Escobar, para prestar esclarecimentos.
A primeira, foi uma reação às manifestações do Departamento de Estado norte-americano e da Embaixada americana em Brasília a respeito do julgamento de Bolsonaro, réu em um processo por suspeita de tentativa de golpe de Estado.
A segunda convocação foi feita após a divulgação da carta. Segundo relato de fontes à BBC News Brasil, a embaixadora Maria Luisa Escorel pediu, primeiro, que o encarregado confirmasse a autenticidade da carta de Trump, já que ela foi divulgada antes que chegasse ao destinatário.
Escobar confirmou o conteúdo da mensagem. A embaixadora, então, disse que o Brasil devolvia a carta que, segundo ela, era ofensiva e continha afirmações inverídicas sobre o Brasil e erros factuais sobre a relação comercial bilateral.
A convocação de um representante diplomático é uma das medidas mais sérias no universo das relações internacionais.
Tradicionalmente, esse tipo de convocação é feita aos embaixadores e embaixadoras, mas, atualmente, o comando da embaixada norte-americano está sem embaixador apontado pelo governo americano e por isso, o convocado foi Gabriel Escobar, que atua como chefe da representação diplomática no momento.
O ato equivale a um país mostrar o desagrado com medidas adotadas por outra nação com quem ele mantenha relações. A convocação, em alguns episódios, pode anteceder um eventual rompimento das relações diplomáticas entre dois países.
Na terça-feira (8/7), uma nota do Departamento de Estado divulgada pelo portal UOL afirmou que "a perseguição política a Jair Bolsonaro, seus familiares e apoiadores é uma vergonha muito aquém da dignidade das tradições democráticas do Brasil".
Nesta quarta-feira, a Embaixada dos Estados Unidos divulgou uma nota com teor semelhante afirmando que o órgão reforça as declarações do presidente Donald Trump.
Na segunda-feira, Trump usou suas redes sociais para se manifestar a favor do ex-presidente.
"O Brasil está fazendo uma coisa terrível no tratamento ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Eu tenho assistido, assim como o mundo, como eles não fazem outra coisa senão irem atrás dele, dia após dia, noite após noite, mês após mês, ano após ano! Ele Não é culpado de nada a não ser por ter lutado pelo povo", disse Trump em seu perfil na rede social Truth Social.
Em outro trecho, Trump classificou a situação de Bolsonaro como uma "caça às bruxas".
"O grande povo do Brasil não vai tolerar o que estão fazendo com seu ex-presidente. Estarei assistindo à caça às bruxas de Jair Bolsonaro, sua família e milhares de seus apoiadores muito de perto. O único julgamento que deveria estar acontecendo é um julgamento pelos eleitores do Brasil — chama-se eleição", continuou.
No mesmo dia, Lula rebateu as declarações de Trump em duas oportunidades. Na primeira, por meio das redes sociais, ele disse que o Brasil não aceitaria interferências.
"A defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja. Possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei. Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o estado de direito".
Em outro momento, no final da Cúpula do Brics, no Rio, Lula disse que Trump não deveria dar "palpite" sobre o Brasil.
"Eu não vou comentar essa coisa do Trump e do Bolsonaro. Tenho coisa mais importante para comentar do que isso. Este país tem lei. Este país tem regras e este país tem um dono chamado povo brasileiro. Portanto, dê palpite na sua vida e não na nossa", disse o presidente.
Esta é a segunda vez que o encarregado de negócios dos Estados Unidos é convocado pela diplomacia brasileira a prestar esclarecimentos. A primeira aconteceu em janeiro deste ano, quando Escobar foi convocado a explicar o tratamento dado pelos Estados Unidos a imigrantes brasileiros que estavam sendo deportados.