Política
Veremos mais sanções dos EUA contra ministros do STF após condenação de Bolsonaro, diz pesquisador americano
A avaliação é de Christopher Sabatini, pesquisador sênior do Programa América Latina, EUA e Américas da Chatham House, um dos principais think tank britânicos, com sede em Londres

A condenação de Jair Bolsonaro a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado deve gerar uma reação nos EUA: mais ameaças e sanções como as que foram adotadas contra Alexandre de Moraes sendo agora estendidas aos demais ministros do Supremo Tribunal Federal.
A avaliação é de Christopher Sabatini, pesquisador sênior do Programa América Latina, EUA e Américas da Chatham House, um dos principais think tank britânicos, com sede em Londres.
"Eu acho que o que veremos são mais sanções e ameaças contra os outros ministros da Suprema Corte. E provavelmente veremos mais ameaças até mesmo contra integrantes do governo Lula, incluindo sanções que os impedirão de viajar para os EUA", afirma Sabatini.
O pesquisador americano avalia que a crise entre Brasil e EUA deve se aprofundar ainda mais depois da condenação de Bolsonaro — com movimentos cada vez maiores do governo Trump para interferir em processos internos brasileiros.
Nas palavras do pesquisador, o governo Trump vai tentar "botar o dedo na balança para incliná-la para o lado de Bolsonaro".
Sabatini acredita que pessoas próximas a Trump vão procurar ajudar o partido de Bolsonaro e os filhos do ex-presidente a conduzir a campanha eleitoral de 2026. O objetivo seria conquistar mais apoio dentro do Congresso para favorecer pautas bolsonaristas — o que poderia incluir, por exemplo, o impeachment de juízes que votaram contra Bolsonaro no STF.
Para o pesquisador, o voto do ministro Luiz Fux contrário à condenação de Bolsonaro deu ainda mais munição à retórica do governo americano de que o julgamento do ex-presidente foi injusto.
Sabatini condena o uso por parte dos EUA de sanções e medidas contra o Brasil, que ele chama de abusos contra a soberania nacional.
"Isso se parece mais com a Rússia de Vladimir Putin e o que ele faz na Geórgia, Romênia, Ucrânia e Belarus", diz ele.
Confira abaixo trechos da entrevista com o pesquisador.
BBC News Brasil - Como a condenação de Bolsonaro está sendo vista por outros países?
Christopher Sabatini - Infelizmente, tudo isso está sendo visto pelo prisma definido hoje pela extrema direita populista.
Algumas pessoas estão vendo isso [a condenação de Bolsonaro] como uma vitória para a democracia. É a primeira vez, em muitos aspectos, no Brasil, desde o seu governo militar em que houve um processo para punir oficiais militares.
Isso é realmente visto como um divisor de águas para democratas, cientistas políticos e historiadores.
Mas vivemos agora na era Trump, bem como na era da ascensão de Nigel Farage no Reino Unido e em outros lugares. E isso é visto agora através do prisma de uma espécie de "lawfare", o uso da lei e do sistema judicial para processar inimigos políticos, independentemente dos fatos.
Os fatos demonstram claramente, e isso foi mostrado no processo, que Bolsonaro conspirou com pelo menos sete pessoas para derrubar as eleições, e antes disso lançou dúvidas sobre o processo eleitoral sem qualquer prova.
Isso tudo é visto globalmente agora através de um prisma que é influenciado por Donald Trump e muitos movimentos semelhantes em todo o mundo. E isso é lamentável, francamente.
BBC News Brasil - O que esperar de reação dos EUA agora que acabou o julgamento? Haverá mais sanções?
Sabatini - Acho que podemos esperar mais, se você olhar os tuítes do Secretário de Estado Marco Rubio e de seu vice, Christopher Landau, que, aliás, se formou como o primeiro da turma na faculdade de Direito de Harvard.
Ele aspirava ser juiz da Suprema Corte dos EUA. Seus comentários no X demonstram que ele não aprendeu muita coisa na faculdade de direito sobre independência judicial.
Não há evidências de que isso [a condenação de Bolsonaro] tenha motivação política.
Não temos necessariamente que concordar com Alexander de Moraes, e podemos até achar que ele se excedeu em momentos. Mas a reação dos EUA às suas divergências com ele — e talvez essas divergências sejam legítimas — não justifica o tipo de retórica que eles estão usando, de que isso é um abuso de direitos humanos, de que existe um juiz que está promovendo uma caça às bruxas contra um ex-presidente.
Eles não estão olhando para as provas do que o presidente fez neste caso. O que eles estão fazendo é tentar atacar um sistema judicial independente em uma democracia por causa de um juiz que pode ou não ter ultrapassado limites.
Eu sou americano e eu não gostaria que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou até mesmo um futuro presidente bolsonarista impusesse tarifas aos EUA ou sanções aos juízes da Suprema Corte dos EUA.
Isso está simplesmente fora do normal do discurso típico sobre nação, Estados e respeito à soberania nacional, de sistemas judiciais independentes.
Os EUA agora, eu acho, estarão de olho.

Crédito,EPA
Acho que a divergência de um dos juízes [no julgamento], Luiz Fux, vai dar um pouco mais de munição. Fux afirmou muito claramente que duvidava da jurisdição da Suprema Corte neste caso e que acreditava que a defesa não teve tempo suficiente para se preparar considerando os volumosos documentos fornecidos pela acusação.
Isso vai dar combustível a eles [o governo americano]. Eu acho que o que veremos são mais sanções contra outros ministros da Suprema Corte. E provavelmente veremos mais ameaças até mesmo contra integrantes do governo Lula, incluindo sanções que os impedirão de viajar para os EUA.
[Veremos mais] o uso explícito de sanções como armas — especialmente aquelas que, sob a concepção original da lei Magnitsky, tinham como objetivo basicamente punir autoridades corruptas e que ameaçavam os direitos humanos.
Isso é um uso completamente indevido e abusivo dessas sanções, mas infelizmente veremos mais delas.
BBC News Brasil - Os EUA falaram essa semana que Trump não têm medo de usar o poder econômico e até mesmo o militar contra países como o Brasil. Isso causou bastante surpresa. O senhor considera que isso é uma ameaça séria?
Sabatini - Não, não acho que seja uma ameaça séria.
Acho que elementos dentro da Casa Branca estão bastante intoxicados por essa demonstração de força na costa da Venezuela, que também é mal definida e baseada em distorções.
Sim, Nicolás Maduro roubou as eleições do ano passado. Sim, há pessoas no seu governo que estão envolvidos no tráfico de drogas. Sim, é realmente um governo autocrático que reprimiu e prendeu ativistas democráticos independentes.
Mas aumentar isso e chamá-los de narcoterroristas e usar permissão para matá-los é exagero.
Eu não consigo imaginar nada disso se aplicando ao Brasil. Eu não consigo imaginar uma intervenção militar neste caso. Acho que é um exagero.
Mas, dito isso, só o fato de que isso já foi dito e que as pessoas não reagiram dizendo "calma lá, vamos dar um passo para trás" é bastante revelador.
O que hoje se tornou normal não é normal. Há tanto barulho por aí, tanto exagero, tantas mentiras, que deixamos passar quando as pessoas ultrapassam os limites.
BBC News Brasil - Você mencionou que o voto de Luiz Fux, na sua opinião, dá alguma munição nos EUA. De que forma?
Sabatini - Este é um governo que nunca tinha feito isso antes, pelo menos nos EUA.
E eles [o governo Trump] estão fazendo isso no sistema judiciário dos EUA também. Eles selecionam juízes que votaram a favor e dizem "esse fomos nós que nomeamos". Ou pegam outro que votou contra e dizem: "esse juiz foi indicado por Barack Obama, ou por Joe Biden".
Antigamente não víamos o sistema judiciário como partidário ou favorecendo alguém. Agora vemos que o governo Trump está loteando o sistema judiciário com juízes e promotores partidários, que carecem de muita ética profissional. E agora estão acusando o Brasil de fazer a mesma coisa.
O fato de que eles apontarem para juízes individualmente é profundamente perigoso.
BBC News Brasil - Moraes agora não é o único alvo dos americanos. Três outros juízes além dele votaram para condenar Bolsonaro. Essa guerra de sanções contra Moraes deve ser estendida aos demais juízes?
Sabatini - Ela vai ser estendida a outros juízes. Alexandre de Moraes obviamente era um alvo fácil [aos EUA] por causa de suas batalhas anteriores sobre as questões de banir pessoas do X e suas batalhas com Elon Musk.
Eles não terão a mesma facilidade adotando sanções contra os demais juízes, mas vimos que eles já sancionaram vários outros antes. Não tão veementemente, não tão criticamente como fizeram contra Alexander de Moraes.
BBC News Brasil - Por que tudo isso é tão importante para Trump e para o governo americano? Por que eles estão indo tão longe nas ações contra o Brasil?
Sabatini - É uma boa pergunta. Por quê? Muitas vezes os EUA não prestam muita atenção à América Latina. E essa não é a atenção correta a se dar.
Donald Trump vê uma certa dose de irmandade com Bolsonaro. Alguém que está sendo perseguido incorretamente. Há uma dose de solidariedade.
Acho que o outro argumento é que Alexandre de Moraes baniu um site de mídia social de propriedade de Trump.
Em todo o governo, o que estamos vendo é que outras pessoas se alinham [a Trump]. O subsecretário de Estado, Christopher Landau, por exemplo, é um diplomata sério, um jurista sério. Mas Trump é tão errático, personalista e raivoso, que todo o resto do governo acaba se enquadrando [no que ele pede].
Muitas pessoas veem isso como um momento de criação de um movimento político global com a mesma verve política de Donald Trump.
BBC News Brasil - Qual é o risco de todas essas ações dos EUA influenciarem a política interna no Brasil? Há conversas no Congresso brasileiro para aprovação de uma anistia que beneficie Bolsonaro. E pessoas falando em um indulto presidencial no caso de uma vitória de um candidato bolsonarista nas próximas eleições. As pressões americanas podem ajudar essas iniciativas?
Sabatini - Sim, acho que sim. É isso que veremos. Donald Trump tem um exército de conselheiros, incluindo Donald Trump Junior, Steve Bannon, e outros que irão ao Brasil para aconselhar o PL e os filhos de Bolsonaro sobre como montar uma campanha para se concentrar em 2026.
Eles podem não conseguir ganhar a Presidência. Veremos o que acontece e quem concorre pelo PL. Mas se eles conseguirem uma maioria significativa no Congresso, eles poderão pressionar não só por anistia, mas também pelo impeachment de juízes que votaram contra Bolsonaro.
Isso não é apenas lawfare, mas batalhas eleitorais partidárias abertas nas quais o governo Trump vai colocar o dedo na balança para incliná-la a favor de Bolsonaro e tentar reverter essa decisão.
BBC News Brasil - Uma ação assim seria uma intervenção de uma grande potência no processo eleitoral de outro país.
Sabatini - Sim. Os EUA têm uma longa e triste história de intervenção na América Latina. Essa intervenção veio por meio de intervenções militares ou guerras por procuração como na Baía dos Porcos, tentativas de golpe ou apoio a golpistas.
Muitas pessoas pensavam que, com o colapso da União Soviética, a era da intervenção havia terminado e que o objetivo seria defender processos democráticos locais.

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Não importava tanto quem vencia eleições e o que os tribunais faziam, desde que fossem independentes.
Agora, cruzamos um novo limite e esta é uma forma diferente de intervenção. Isso é abertamente partidário.
Sendo sincero, isso se parece mais com a Rússia de Vladimir Putin e o que ele faz na Geórgia, Romênia, Ucrânia e Belarus.
Isso parece uma tentativa de distorcer instituições democráticas, quebrá-las, gerar desconfiança, semear confusão e desinformação, para construir um conjunto de aliados partidários que não estão apenas comprometidos com os valores dos EUA ou com os valores da democracia liberal, como esperávamos na década de 1990.
Mas comprometidos com uma visão muito específica de Donald Trump, que é anti-woke, antiesquerdista e uma desconsideração pelas instituições e pelos freios e contrapesos do poder executivo.
BBC News Brasil - O julgamento de Bolsonaro acabou e espera-se mais pressão dos EUA. No ano que vem, há eleições no Brasil. Para onde a crise entre Brasil e EUA está indo?
Sabatini - Isso tudo é inédito. Continuo dizendo isso, não me canso de repetir. Eu acho que não sabemos exatamente para onde estamos indo.
Há várias coisas que sabemos que nos ajuda a entender o que vai acontecer. A primeira coisa é que sabemos que Donald Trump odeia perder. Ele não vai desistir. Nós percebemos isso no tom e na retórica.
Veremos agora um esforço maior nas eleições de 2026. O foco agora é manter bola rolando e um esforço sobre as eleições, para tentar construir um movimento eleitoral para tentar controlar o Supremo Tribunal Federal, para que ele esteja mais alinhado.
Eu não acho que Trump vai recuar.