Brasil
Nova PRF, combate a milícias e guardas municipais: o pacote do governo Lula contra a violência
A proposta foi encaminhada ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB)

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, apresentou, nesta terça-feira (8), uma proposta de emenda constitucional (PEC) com medidas voltadas para a área da segurança pública.
A proposta foi encaminhada ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB).
A PEC é tida por analistas políticos como a principal aposta do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para dar uma resposta ao eleitorado em meio a dois fenômenos: uma crise de popularidade do petista; e a percepção de que a violência é a principal prioridade da população, segundo pesquisa mais recente publicada pela Quaest, na semana passada.
Já segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha nesta semana, a segurança está atrás de saúde e economia como a principal preocupação do brasileiro.
Ao receber o texto, Motta chegou a comparar a situação do Brasil em relação à violência com a de um paciente com câncer.
"Para se tratar um câncer grave, não será com remédios leves. Nós temos um paciente com câncer, com metástase, onde a violência e infelizmente o crime organizado se espalhou pelo Brasil todo. E nós precisamos ser enérgicos nessa resposta", disse Motta após reunião com Lewandowski.
A PEC encaminhada ao Congresso Nacional tem cinco páginas e deverá ser discutida pelos parlamentares antes de ir à votação.
A expectativa é de que ela seja alterada ao longo deste processo, especialmente por conta da resistência de parte da bancada parlamentar mais ligada à pauta da segurança pública, em geral alinhada ao bolsonarismo. Ainda não há previsão sobre quando ela será votada.
De acordo com a pasta, a PEC tem como principal objetivo "estabelecer diretrizes para fortalecer o Estado no combate ao crime organizado" no país sem interferir na autonomia que os Estados têm sobre suas polícias militares ou civis.
Ao todo, o projeto tem cinco páginas e prevê alterações na atuação da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, e inclui as guardas municipais ao sistema de segurança pública do país. A PEC também prevê constitucionalizar dois fundos que destinam recursos federais à área de segurança pública.
A BBC News Brasil ouviu dois especialistas em segurança pública que analisaram o texto da PEC e apontaram as três principais mudanças propostas e como elas deverão impactar a população no curto prazo.

Crédito,Polícia Federal/Divulgação
PF contra milícias e PRF em rios e ferrovias
De acordo com o anteprojeto enviado ao Congresso, a PEC vai ampliar os tipos de crimes a serem investigados pela Polícia Federal e mudar a atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Em relação à PF, a proposta inclui na Constituição Federal que o órgão deverá atuar no combate a crimes ambientais, às organizações criminosas e às milícias privadas.
Na prática, a PF já atua nessas três áreas. Em 2023, por exemplo, a PF criou uma diretoria específica para tratar de crimes praticados na região amazônica.
Além disso, a partir de 2023, a PF também assumiu as investigações relacionadas ao assassinato da vereadora pelo Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL), cuja morte tinha indícios de ter sido ordenada ou executada por pessoas vinculadas às milícias que atuam no Rio de Janeiro.
Apesar disso, essas atuações não estavam previstas na Constituição.
"A PF já atua nesses casos, mas com a previsão constitucional, isso abre margem para um maior foco nesse tipo de crime", afirmou à BBC News Brasil o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima.
Em relação à PRF, a PEC indica que ela passe a fazer parte das forças de policiamento ostensivo do país, como as polícias militares.
Além disso, ela poderá mudar de nome, passando a se chamar "Polícia Viária Federal". A partir da mudança, em vez de atuar apenas nas rodovias federais, ela também teria a responsabilidade de patrulhar ferrovias e hidrovias federais.
"Atualmente, há um limbo em relação a quem deve fazer o policiamento das hidrovias e das ferrovias. A PEC propõe uma mudança em relação a isso e coloca a PRF, com outro nome, como responsável", diz o pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) Daniel Cerqueira, que também atua no FBSP.
Ação e fiscalização das guardas municipais
A PEC incorpora as guardas municipais ao sistema de segurança pública do país, como previsto por decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, ela cria alguns limites.
Atualmente, a Constituição determina apenas que os municípios poderiam criar suas guardas para a proteção de seus bens e patrimônio.
O texto da PEC sugere que as guardas municipais poderão fazer ações de policiamento ostensivo, como já fazem as polícias militares, mas não poderão fazer investigações como as polícias civis.
Além disso, a PEC determina que as guardas municipais, a exemplo do que acontece com as polícias, ficarão sujeitas ao controle do Ministério Público.
"Trazer as prefeituras e as guardas municipais para o centro da questão da segurança é fundamental. O município poderia ter um protagonismo nessa área da segurança pública e dentro desse protagonismo, as guardas municipais são uma peça dentro dessa engrenagem da segurança pública", disse Daniel Cerqueira.
Desde o ano passado, pelo menos, o governo federal já vinha realizando estudos para entender como incorporar as guardas municipais ao sistema de segurança pública do país. Em dezembro do ano passado, por exemplo, o governo deu início a uma pesquisa para realizar um diagnóstico sobre o funcionamento das guardas municipais em todo o país.
O estudo ainda não foi concluído.
A ênfase nas guardas municipais acontece em meio à decisão do STF, em fevereiro deste ano, que reconheceu a competência dessas instituições para realizar o policiamento ostensivo em vias urbanas.
Controle sobre abusos e corrupção
A PEC também estabelece que a União, Estados e municípios deverão instituir corregedorias e ouvidorias autônomas para receber denúncias de abusos ou corrupção tanto das polícias quanto das guardas municipais.
Atualmente, na maioria dos casos, tanto as ouvidorias quanto as corregedorias são vinculadas às polícias que elas devem monitorar.
Para Renato Sérgio Lima, a previsão de que esses órgãos devem ser autônomos em relação às polícias e guardas municipais visa dar mais transparência ao controle das forças de segurança.
"Um dos gargalos que se observa até agora é a vinculação das corregedorias com as instituições fiscalizadas. Isso compromete, em parte, o trabalho. Em tese, garantir que as corregedorias e ouvidorias sejam autônomas pode aumentar a efetividade do controle sobre essas forças", disse.
A previsão de órgãos de controle autônomo é feita em um momento em que o Brasil experimenta um aumento na letalidade policial. De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Público divulgado em 2024, houve um aumento de 190% na quantidade de mortes causadas pela intervenção das polícias nos últimos 10 anos.