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Paquistão e Índia concordam em cessar-fogo após ataques; o que se sabe

Depois de trocarem mísseis neste sábado (10), Índia e Paquistão concordaram em cessar imediatamente as hostilidades

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 10/05/2025
Paquistão e Índia concordam em cessar-fogo após ataques; o que se sabe
Militares na base de Nur Kahn após ataque que Paquistão atribuiu à Índia | SOHAIL SHAHZAD/EPA-EFE/Shutterstock

Depois de trocarem mísseis neste sábado (10/5), Índia e Paquistão concordaram em cessar imediatamente as hostilidades, segundo anunciou nesta manhã o vice-primeiro-ministro do Paquistão, Ishaq Dar.

Ele afirmou que o país "sempre buscou a paz e a segurança na região, sem comprometer sua soberania e integridade territorial".

Pouco antes, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já havia antecipado o anúncio em uma publicação na rede Truth Social. Ele disse que o acordo foi alcançado após uma "longa noite de negociações mediadas pelos EUA" e parabenizou os dois países "por usarem o bom senso e grande inteligência".

O que se sabe sobre os ataques

Militares do Paquistão afirmam que a Índia voltou a atacar o país na madrugada de sábado (10/5), lançando mísseis contra três de suas bases aéreas.

Em um comunicado transmitido pela TV estatal, o tenente-general Ahmed Sharif Chaudhry declarou que o sistema de defesa aérea do país conseguiu interceptar a maioria dos mísseis indianos, mas que três conseguiram passar e atingiram as bases, incluindo a de Nur Khan, em Rawalpindi, onde fica o quartel-general militar paquistanês, a cerca de 10 km da capital, Islamabad.

Chaudhry alertou que a Índia deveria "aguardar pela nossa resposta". Segundo o departamento de relações públicas do Exército paquistanês, essa resposta já está em curso por meio de uma contra-ofensiva batizada de "Operação Banyan Marsus".

Três horas após o ataque paquistanês, a Índia afirmou que o Paquistão usou mísseis de alta velocidade para atingir suas bases aéreas. A declaração foi feita pela coronel Sofiya Qureshi, do Exército Indiano, em uma entrevista coletiva. A acusação ocorre poucas horas depois de o próprio Paquistão ter afirmado que foi alvo de mísseis indianos em três de suas bases militares.

No entanto, tanto a comandante da Força Aérea Indiana, Vyomika Singh, quanto o secretário de Relações Exteriores Vikram Misri negaram que os ataques do Paquistão tenham causado qualquer dano à infraestrutura militar da Índia.

Desde as primeiras horas deste sábado, foram registrados diversos relatos de explosões ao longo da Linha de Controle — a fronteira de fato entre Índia e Paquistão na região da Caxemira.

Repórteres da BBC ouviram detonações nas cidades de Srinagar e Jammu, sob administração indiana. A origem exata desses estouros ainda não foi confirmada.

Fontes locais também reportaram ruídos semelhantes em Udhampur, na Caxemira indiana, e em Pathankot, no estado de Punjab — ambos com instalações de defesa que, segundo o Paquistão, estariam entre os alvos de seus ataques.

Mais cedo, o governo paquistanês afirmou que a Índia lançou mísseis contra bases aéreas em Rawalpindi — a cerca de 10 km da capital Islamabad — além de Chakwal e Shorkot. Nova Délhi ainda não se pronunciou sobre essas acusações.

Na cidade de Rajouri, também na Caxemira administrada pela Índia, o vice-comissário distrital adjunto Raj Kumar Thapa morreu após sua residência ser atingida por bombardeios paquistaneses, de acordo com o chefe do governo local, Omar Abdullah. Ele lamentou publicamente a perda de "um servidor dedicado dos Serviços Administrativos de Jammu e Caxemira".

Além disso, autoridades informaram à BBC que pelo menos mais duas pessoas — ambas civis — morreram na cidade de Jammu.

A autoridade aeroportuária da Índia anunciou o fechamento de 32 aeroportos nas regiões norte e oeste até a manhã de 15 de maio — medida que indica preocupação com a escalada militar.

O ex-secretário de Relações Exteriores da Índia, Harsh Vardhan Shringla, declarou que o Paquistão perdeu diversas oportunidades de reduzir as hostilidades nas últimas semanas. Em entrevista ao programa Today, da BBC Radio 4, ele acusou Islamabad de agravar o conflito com mísseis de alta velocidade e ataques com drones.

"O Paquistão realmente elevou o nível de tensão", afirmou. "Agora cabe a eles recuar. Isso acabou minando a chance de se retornar a uma situação mais pacífica." Ele também advertiu que qualquer nova escalada por parte do país vizinho será respondida de forma "enérgica" pela Índia.

Já o ministro da Informação do Paquistão, Attaullah Tarar, afirmou ao canal BBC News que "o Paquistão não foi o provocador" e que agora tem "direito de responder" à agressão indiana.

Ele negou que civis tenham sido alvo dos ataques e afirmou que apenas instalações militares foram atingidas. A negativa, no entanto, contrasta com relatos de moradores da colônia Rehadi, em Jammu, na Caxemira administrada pela Índia, que relataram danos a casas e carros após um ataque ao amanhecer. Segundo os residentes, é a primeira vez que uma área civil no centro da cidade é atingida. "Houve pânico e caos. Por que o Paquistão está mirando pessoas comuns?", questionou Rakesh Gupta, morador local.

Fontes da Força Aérea Indiana relataram que o Paquistão adotou ações agressivas envolvendo múltiplos vetores de ataque, com uso de drones, armamento de longo alcance e mísseis para atingir tanto áreas civis quanto infraestrutura militar ao longo da fronteira oeste e da Linha de Controle.

O secretário de Relações Exteriores da Índia, Vikram Misri, afirmou que "ações paquistanesas têm sido provocativas e escalatórias", e que a Índia tem respondido "de forma responsável e proporcional". Segundo ele, o padrão de escalada se repetiu na manhã deste sábado.

O episódio aumenta os temores de uma guerra aberta entre duas potências nucleares. A tensão entre Índia e Paquistão na Caxemira, região montanhosa disputada há décadas, voltou a crescer após o ataque indiano de quarta-feira (7/5), que atingiu alvos no Paquistão e na Caxemira sob controle de Islamabad, deixando 31 mortos e 57 feridos, segundo autoridades paquistanesas. A Índia alegou que a operação foi uma retaliação ao atentado cometido semanas antes por militantes contra turistas indianos perto da cidade de Pahalgam, na Caxemira indiana — o Paquistão negou qualquer envolvimento.

A Caxemira permanece como um dos focos de maior instabilidade geopolítica do sul da Ásia. O território é reivindicado integralmente por ambos os países, que já travaram três guerras desde a independência e partição em 1947.

Mesquita atingida por míssil indiano na região da Caxemira administrada pelo Paquistão

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Mesquita atingida por míssil indiano na região da Caxemira administrada pelo Paquistão
Soldado indiano patrulha área no sul da Caximira

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Soldado indiano patrulha área no sul da Caximira

Escalada de tensão

Na ofensiva do último dia 7 de maio, a Índia alegou estar agindo em retaliação ao ataque de 22 de abril que matou pelo menos 26 pessoas, a maioria turistas, próximo à pitoresca cidade de Pahalgam, na parte Caxemira administrada pela Índia.

O país afirma ter "evidências que apontam para o claro envolvimento de terroristas externos baseados no Paquistão" no ataque. O Paquistão negou qualquer ligação com o ocorrido.

Militantes abriram fogo contra visitantes no Vale do Baisaran, uma região de pradaria muito procurada pela natureza.

Alguns dos sobreviventes disseram que homens hindus foram alvos específicos dos atiradores.

O Paquistão negou envolvimento nos ataques, mas a polícia indiana alega que dois dos quatro militantes suspeitos eram cidadãos paquistaneses.

As forças de segurança indianas ainda estão no encalço dos suspeitos. O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, chegou a dizer que o país os perseguiria "até os confins da Terra".

Desde a tragédia, tanto a Índia quanto o Paquistão vinham anunciando medidas de retaliação mútuas, incluindo o fechamento de fronteiras e a suspensão de um tratado de compartilhamento de águas fluviais. Tropas de ambos os lados também já haviam trocado tiros com armas de pequeno porte.

Uma casa danificada após o bombardeio transfronteiriço em Salamabad, na Caxemira administrada pela Índia

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Uma casa danificada após o bombardeio transfronteiriço em Salamabad, na Caxemira administrada pela Índia

Operação Sindoor

Segundo o governo indiano, os ataques aconteceram no âmbito da "operação Sindoor" e miraram a infraestrutura ligada ao terrorismo no Paquistão e na Caxemira administrada pelo Paquistão, onde ataques terroristas contra a Índia teriam sido planejados.

"Nossas ações foram focadas, ponderadas e não tiveram a intenção de escalar. Nenhuma instalação militar paquistanesa foi atacada. A Índia demonstrou considerável contenção na seleção de alvos e no método de execução", afirmou o governo indiano na ocasião por meio de um comunicado.

Um porta-voz militar paquistanês disse que Islamabad responderia "no momento e local de sua escolha".

"Todos os nossos caças estão no ar. Este é um ataque vergonhoso e covarde realizado a partir do espaço aéreo indiano", acrescentou o porta-voz.

Cidade de Muzaffarabad após o ataque

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Cidade de Muzaffarabad após o ataque do último dia 7 de maio

A Índia acusa o Paquistão de apoiar o terrorismo transfronteiriço, algo que o governo paquistanês nega.

A Caxemira, uma região montanhosa ao sul do Himalaia, tem sido alvo de um longo conflito — e duas guerras — entre as duas potências nucleares.

Os problemas começaram em 1947, com a partição da região do sul da Ásia até então colonizada pelo Reino Unido em dois países, o Paquistão e a Índia.

O antigo principado da Caxemira ficou de fora da divisão e desde então tem sido disputado por ambas as nações (saiba mais a seguir).

Reação internacional

Questionado sobre os ataques de 7 de maio, o presidente dos EUA, Donald Trump, lamentou o ocorrido: "Só espero que isso acabe logo".

O Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou no X (o antigo Twitter) que monitoraria a situação de perto.

A embaixada indiana nos EUA chegou a informar que o Conselheiro de Segurança Nacional da Índia, Ajit Doval, havia conversado com Rubio "e o informado sobre as medidas tomadas".

Rubio disse que concordava com os comentários do presidente dos EUA e esperava que "isso termine rapidamente".

Ele também afirmou que continuaria a dialogar com as lideranças indianas e paquistanesas "para uma resolução pacífica".

Um porta-voz do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou na ocasião estar "muito preocupado com as operações militares indianas".

"Ele [Guterres] pede a máxima contenção militar de ambos os países. O mundo não pode se dar ao luxo de um confronto militar entre a Índia e o Paquistão."

O Secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, David Lammy, declarou que as tensões atuais entre a Índia e o Paquistão são uma "séria preocupação".

"O governo do Reino Unido insta a Índia e o Paquistão a demonstrarem contenção e a se engajarem em um diálogo direto para encontrar um caminho diplomático rápido", afirmou ele em um comunicado.

Lammy disse que o Reino Unido mantém um relacionamento próximo e único com ambos os países: "Deixei claro aos meus colegas na Índia e no Paquistão que, se isso se agravar ainda mais, ninguém sairá ganhando".

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia declarou em comunicado que está "profundamente preocupado com o aprofundamento do confronto militar".

"A Rússia condena veementemente os atos de terrorismo, opõe-se a qualquer uma de suas manifestações e enfatiza a necessidade de unir os esforços de toda a comunidade internacional para combater eficazmente esse mal", afirma o comunicado.

Soldados indianos

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Índia reforçou esquema de segurança após ataque que matou 26 turistas

'Escalada dramática'

Anbarasan Ethirajan, editor de Sudeste Asiático do Serviço Mundial da BBC, classificou a situação como uma "escalada dramática" e lembrou que os dois rivais têm armas nucleares.

"Embora houvesse expectativas de que a Índia pudesse lançar algum tipo de ação militar, a intensidade dos ataques com mísseis dentro do Paquistão surpreendeu muitos", escreve ele, sobre os eventos do último dia 7 de maio.

"A Índia afirma que alguns dos locais bombardeados estavam ligados a militantes, e que eles não tinham como alvo instalações militares paquistanesas. O Paquistão prometeu retaliação, e a natureza e os alvos dessa retaliação determinarão a contra-reação de Delhi."

"Ambos os países acreditam que podem administrar a escalada, mas as tensões estão altas e é difícil prever o curso de qualquer conflito militar."

Ethirajan destacou que, no passado, os EUA e outros países intervieram para conter as tensões na região.

"Com o foco do governo Trump desviado a outras questões globais, resta saber com que rapidez Washington intervirá para apaziguar a situação. Líderes políticos em ambos os países vão querer mostrar ao público que agiram de forma decisiva e reivindicar a vitória", analisa o editor.

Já Jeremy Bowen, editor de Internacional da BBC, pontuou que Índia e Paquistão sabem o que está em jogo numa retomada do conflito.

"Será necessário um grande esforço diplomático para impedir que as tensões se intensifiquem", anteviu ele.

Pessoas que, segundo seus familiares, ficaram feridas em um bombardeio transfronteiriço no setor de Uri recebem tratamento em um hospital na região da Caxemira administrada pela Índia.

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Pessoas que, segundo seus familiares, ficaram feridas em um bombardeio transfronteiriço no setor de Uri recebem tratamento em um hospital na região da Caxemira administrada pela Índia

Histórico de conflitos

Desde a criação dos Estados em 1947, a Índia e o Paquistão travaram múltiplas guerras — a maioria centrada na Caxemira.

A primeira eclodiu poucos meses após a fundação dos dois países, e terminou num cessar-fogo mediado pela ONU em 1949.

A região foi dividida, mas as duas nações continuaram a reivindicar controle total do território.

Em 1965, o conflito foi retomado quando as forças paquistanesas cruzaram para a Caxemira administrada pela Índia, o que gerou a ferozes batalhas terrestres e aéreas.

Em 1971, a guerra eclodiu no Paquistão Oriental, onde a Índia apoiava as forças de independência, o que levou à criação de Bangladesh.

O conflito de Kargil, em 1999, viu tropas paquistanesas infiltrarem-se na Caxemira administrada pela Índia. Foi o primeiro confronto entre os rivais com armas nucleares, o que gerou um alarme global.

Nos últimos anos, as tensões aumentaram após ações de grupos militantes: a Índia lançou "operações cirúrgicas" em 2016 após um ataque em Uri e realizou ações militares perto de Balakot em 2019, após um bombardeio em Pulwama.

O Paquistão respondeu com incursões aéreas, o que marcou uma das escaladas mais perigosas em duas décadas.