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'Meu filho não sabe qual o gosto de uma fruta': a fome em Gaza segundo seus moradores
A ONU afirma que Israel restringiu a quantidade de ajuda humanitária que entra em Gaza, o que Israel nega

Moradores da Faixa de Gaza descreveram à BBC os efeitos da fome em seus corpos, depois que um relatório apoiado pela ONU confirmou, pela primeira vez, a ocorrência de fome generalizada em partes do território.
Reem Tawfiq Khader, 41 anos, mãe de cinco crianças na Faixa de Gaza, disse: "A declaração de fome veio muito tarde, mas ainda assim é importante. Nós não comemos nenhum tipo de proteína há cinco meses. Meu filho mais novo tem quatro anos e ele não sabe qual o gosto de frutas ou verduras".
A ONU afirma que Israel restringiu a quantidade de ajuda humanitária que entra em Gaza, o que Israel nega.
Israel também nega que haja fome no território, em contradição com o que dizem mais de 100 organizações humanitárias, testemunhas locais e diversos órgãos da ONU.
Nesta sexta-feira (22/08), o Integrated Food Security Phase Classification (IPC), sistema apoiado pela ONU que monitora a insegurança alimentar, afirmou que há uma fome "totalmente provocada pelo homem" na Cidade de Gaza e nas áreas ao redor.
O órgão alertou que mais de meio milhão de pessoas em toda a Faixa de Gaza enfrentam condições "catastróficas", caracterizadas por "fome, miséria e morte".

Crédito,Getty Images
Rajaa Talbeh, 47 anos, mãe de seis, disse que ela já perdeu 25 quilos. Ela fugiu de casa, no distrito de Zeitoun, na Cidade de Gaza, há um mês e hoje vive em uma tenda improvisada perto da praia.
Ela sofre de intolerância ao glúten e disse que já não consegue encontrar alimentos que ela pode comer.
"Antes da guerra, uma instituição de caridade me ajudava a conseguir produtos sem glúten, algo que eu jamais poderia pagar sozinha", disse.
"Desde que a guerra começou, eu não consigo encontrar o que eu preciso no supermercado e, mesmo quando eu consigo, não tenho condições de comprar. Já não basta enfrentar os bombardeios diários, o deslocamento e viver em uma tenda que não nos protege nem do calor do verão e nem do frio do inverno — e agora, ainda por cima, a fome?"
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Rida Hijeh, 29 anos, contou que o peso de sua filha de cinco anos, caiu de 19 quilos para 10,5 quilos.
Segundo ela, Lamia era uma criança saudável antes da guerra e não tinha nenhum problema de saúde.
"Tudo isso está acontecendo por causa da fome", afirmou.
"Simplesmente não há nada para as crianças comerem. Não há verduras, não há frutas."
Hoje, Lamia sofre inchaço nas pernas, queda de cabelo e problemas neurológicos.
"Ela não consegue andar. Procurei vários médicos, hospitais, clínicas. Todos me disseram que minha filha está desnutrida. Mas ninguém me deu nada, nenhum tratamento e nenhum tipo de ajuda."

Crédito,Getty Images
Mandy Blackman, uma enfermeira britânica que trabalha para a ONG UK-Med em Gaza, disse que 70% das mães atendidas nas clínicas de saúde materna, pré-natal e pós-natal sofrem de desnutrição clínica.
"Como resultado disso, os bebês nascem menores e mais vulneráveis", afirmou.
Mais de 62 mil pessoas foram mortas em Gaza desde que Israel iniciou sua campanha militar, em resposta ao ataque liderado pelo Hamas no sul de Israel em 7 de outubro de 2023, quando 1.200 pessoas foram mortas e outras 251 levadas como reféns.
Desde o início da guerra, pelo menos 271 pessoas, incluindo 112 crianças, morreram de "fome e desnutrição", de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas.
Outra mulher, Aseel, que mora na Cidade de Gaza, contou: "Cinco meses atrás, eu pesava 56 quilos. Hoje, peso apenas 46 quilos."
Ela disse que não come nenhum pedaço de fruta ou carne há meses e que gastou quase todas as suas economias com ingredientes básicos para sobreviver.
A cunhada de Aseel, que mora com ela, tem um bebê de um mês de idade.
"Ela está desesperada em busca de fórmula infantil a um preço razoável", afirmou.
Segundo ela, quando eles conseguem encontrar, a lata custa cerca de 180 shekels — cerca de R$ 260 na conversão atual.
"Eu não tenho nenhum estoque de comida, nem o suficiente para durar uma ou duas semanas", acrescentou.
"Como milhares de pessoas, vivemos um dia após o outro."