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Em meio a soltura de reféns, embate interno entre Hamas e clã palestino deixa ao menos 27 mortos em Gaza
Os confrontos internos ocorrem em meio a um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, parte de um acordo que inclui a soltura de 20 reféns israelenses ainda vivos

Ao menos 27 pessoas morreram no sábado (11/10) em confrontos na Cidade de Gaza entre forças de segurança do Hamas e membros armados do clã da família Dughmush. As mortes ocorreram após uma operação do Hamas para prender integrantes do clã, em um dos embates internos mais violentos desde a recente retirada de tropas israelenses de Gaza.
Os confrontos internos ocorrem em meio a um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, parte de um acordo que inclui a soltura de 20 reféns israelenses ainda vivos e dos corpos de outros 28 reféns mortos em troca da libertação de 250 prisioneiros palestinos e outras 1,7 mil pessoas detidas em Gaza, incluindo 22 crianças.
Testemunhas relataram que os combates entre palestinos começaram no bairro de Tel al-Hawa, no sul da Cidade de Gaza, depois que uma força do Hamas com mais de 300 homens avançou para invadir um quarteirão residencial nas proximidades do hospital jordaniano da cidade onde militantes Dughmush estavam entrincheirados após ter as casas destruídas no bairro de al-Sabra, durante o último ataque israelense.
Moradores descreveram cenas de pânico quando dezenas de famílias fugiram de suas casas sob intenso tiroteio, muitas delas já deslocadas várias vezes durante a guerra. "Desta vez as pessoas não fugiam de ataques israelenses", disse um morador. "Elas fugiam do próprio povo."
Um alto funcionário do Ministério do Interior, comandado pelo Hamas, afirmou que unidades de segurança cercaram os Dughmush e travaram combates pesados. Fontes médicas disseram que 19 membros do clã Dughmush e oito combatentes do Hamas morreram desde o início dos confrontos, no sábado.
A família Dughmush, um dos clãs mais influentes de Gaza, mantém há anos uma relação tensa com o Hamas, e seus membros armados já se enfrentaram com o grupo em outras ocasiões.
O Ministério do Interior ligado ao Hamas afirmou que suas forças buscavam restaurar a ordem e advertiu que "qualquer atividade armada fora do marco da resistência" seria tratada com firmeza.
Os dois lados trocaram acusações sobre o início dos confrontos.
O Hamas havia dito anteriormente que homens armados da família Dughmush mataram dois de seus combatentes e feriram outros cinco, o que levou o grupo a lançar uma operação contra eles.
Já uma fonte da família Dughmush disse à imprensa local que forças do Hamas tentaram expulsar a família de um prédio que antes abrigava o Hospital Jordaniano para instalar ali uma nova base de suas forças.
O Hamas convocou cerca de 7 mil integrantes de suas forças de segurança para retomar o controle de áreas da Faixa de Gaza recentemente desocupadas por tropas israelenses, segundo fontes locais.
Relatos indicam que unidades armadas do grupo já se espalharam por vários distritos, algumas com roupas civis e outras com uniformes azuis da polícia.
A assessoria de imprensa do Hamas negou que estivesse mobilizando "combatentes nas ruas".
Soltura de reféns e prisioneiros
Nesta segunda-feira (13), todos os 20 reféns foram soltos pelo Hamas em Gaza e entregues à Cruz Vermelha, que intermediou o transporte deles até as forças israelenses. A soltura de quase 2 mil palestinos deve ocorrer ainda nesta segunda-feira.
Ainda não há detalhes de quando o Hamas devolverá os restos mortais de outros 28 reféns israelenses.
Com a libertação de reféns, o plano prevê também que Israel liberte 250 moradores de Gaza condenados à prisão perpétua e 1,7 mil palestinos detidos depois de 7 de outubro de 2023, incluindo mulheres e crianças.
Foi neste dia de 2023 que o Hamas atacou o sul de Israel, matando cerca de 1,2 mil pessoas e capturando 251 reféns.
Desde então, pelo menos 66.055 pessoas foram mortas na reação israelense contra Gaza, de acordo com o Ministério da Saúde do território, administrado pelo Hamas.
Após dois anos de guerra, o cessar-fogo entre Israel e o Hamas entrou em vigor na sexta-feira (10/10) e, em pouco mais de dois dias, cerca de 500 mil pessoas voltaram ao norte de Gaza, devastado pelos combates, após a retirada das tropas israelenses.
Tanto israelenses quanto habitantes de Gaza foram vistos comemorando a perspectiva de um acordo duradouro. Mesmo assim continuam a existir pontos de discordância no que diz respeito ao longo prazo.
O Hamas, considerado terrorista pelos EUA, pelo Reino Unido e pela União Europeia, declarou anteriormente que não abriria mão de seu direito à "resistência e às armas" a menos que fosse estabelecido um "Estado palestino independente e totalmente soberano, com Jerusalém como sua capital".
O grupo também não mencionou o desarmamento em sua resposta inicial ao plano no último fim de semana, alimentando especulações de que sua posição não mudou.
No fim de semana passado, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, declarou: "O Hamas será desarmado e Gaza será desmilitarizada, seja por bem ou por mal".
Um ponto do plano de paz americano, aceito por Israel e pelo Hamas, prevê que, uma vez que os reféns israelenses sejam libertados, membros do Hamas receberão anistia caso se comprometam "com a coexistência pacífica e a desmantelar suas armas".
O Hamas também afirmou esperar ter algum papel no futuro de Gaza como parte de "um movimento palestino unificado".
De acordo com a agência Reuters, a Autoridade Palestina está se preparando para ter um papel na governança pós-guerra de Gaza.
O plano de paz, ligado ao cessar-fogo e apoiado por países da região, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, estabelece que o Hamas não terá nenhum papel no futuro em Gaza.
A ideia é que Gaza seja governada por um órgão transitório temporário de tecnocratas palestinos, supervisionado por uma "Junta de Paz" liderada e presidida por Donald Trump e da qual participaria o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.
A governança da Faixa seria transferida em algum momento não definido para a Autoridade Palestina (AP), que governa na Cisjordânia, é reconhecida internacionalmente e é, além disso, rival do Hamas.