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Por que é tão difícil que Hamas se desarme e desapareça após governar Gaza com mão de ferro por quase 20 anos

A julgar pelo fluxo constante de imagens horripilantes que surgem da Faixa de Gaza desde o início do cessar-fogo, no dia 10 de outubro, o Hamas parece decidido a reafirmar sua autoridade

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 25/10/2025
Por que é tão difícil que Hamas se desarme e desapareça após governar Gaza com mão de ferro por quase 20 anos
Seus homens mascarados foram vistos de volta às ruas, atingindo e executando seus opositores | AFP via Getty Images

Como é possível que um grupo que governou a Faixa de Gaza por quase 20 anos, dirigindo a vida de dois milhões de palestinos com mão de ferro e combatendo Israel em diversas guerras, abandone repentinamente as armas e ceda o controle sobre o território?

A julgar pelo fluxo constante de imagens horripilantes que surgem da Faixa de Gaza desde o início do cessar-fogo, no dia 10 de outubro, o Hamas parece decidido a reafirmar sua autoridade.

Seus homens mascarados foram vistos de volta às ruas, atingindo e executando seus opositores.

Pelotões de fuzilamento improvisados executaram homens ajoelhados. Segundo afirmam, eles pertencem a grupos rivais, incluindo alguns dos poderosos clãs de Gaza.

Outras vítimas, aterrorizadas, são alvo de disparos nas pernas ou apanham de porrete.

Algumas das pessoas atacadas pelo Hamas faziam parte de grupos envolvidos no saque e desvio de ajuda enviada à população, agravando ainda mais a crise humanitária, segundo declarou à BBC um trabalhador do setor. A ONU também acusou gangues de roubar doações.

Este ainda não é o mundo no qual, como prevê o plano de paz de 20 pontos para Gaza do presidente americano Donald Trump, os combatentes do Hamas deporão suas armas, submetendo-se a uma anistia, abandonando a Faixa de Gaza e entregando o poder a uma força de estabilização internacional.

Combatentes do Hamas, um deles com a bandeira do grupo

Crédito,AFP via Getty Images

Legenda da foto,O cessar-fogo entrou em vigor na sexta-feira (10/10), mas tanto o Hamas quanto Israel se acusam mutuamente de flagrantes violações do acordo

Inicialmente, Donald Trump reagiu de forma ambivalente à brutalidade.

A caminho de Israel, em 13 de outubro, Trump indicou que os Estados Unidos haviam dado luz verde para que o Hamas restabelecesse a ordem. O grupo é considerado terrorista pelos Estados Unidos, pelo Reino Unido, Israel e por outros países.

"Demos aprovação por algum tempo", declarou Trump aos jornalistas, a bordo do avião presidencial Air Force One. Mas, três dias depois, o presidente americano endureceu o tom.

"Se o Hamas continuar matando pessoas em Gaza, o que não estava no acordo, não teremos escolha senão entrar e matá-los", postou Trump na sua plataforma Truth Social.

Como fica, então, o Hamas nesta situação atual na Faixa de Gaza?

E, em última instância, depois de dois anos de guerra que provocaram sofrimentos sem precedentes para o seu próprio povo e a morte violenta da maioria das suas principais figuras, o que reserva o futuro para o grupo, se é que existe algum?

'Falência total da lei e da ordem'

Os moradores de Gaza estão exaustos e traumatizados por dois anos de sofrimento incessante e uma guerra que matou mais de 68 mil pessoas no território, segundo o Ministério da Saúde local, administrado pelo Hamas.

Para muitos deles, este terrível desenlace gera nervosismo, mas não surpreende.

Conversamos com diversos moradores de Gaza, incluindo trabalhadores do setor de ajuda humanitária, advogados e o ex-assessor de um dos líderes do Hamas. Cada um deles tem uma opinião diferente sobre a probabilidade de que o Hamas deponha as armas e renuncie ao controle.

E até, considerando a situação de campo, se este é o momento certo para que isso aconteça.

Crianças, adolescentes e adultos em Gaza, com os braços para o alto, comemoram o anúncio do cessar-fogo

Crédito,Anadolu via Getty Images

Legenda da foto,Palestinos comemoram na Faixa de Gaza, após o anúncio do cessar-fogo

"Foram dois anos de falência total da lei e da ordem", define a trabalhadora humanitária Hanya Aljamal, na sua casa em Deir al-Balah, no centro da Faixa de Gaza.

"Precisamos que alguém tome o controle. O Hamas não está qualificado para governar a Faixa de Gaza, mas é uma opção melhor do que as gangues."

Para Ahmad Yousef, ex-assessor de Ismail Haniyeh (1962-2024), que foi líder político do Hamas, é preciso ter mão firme neste momento.

"Enquanto houver gente tentando fazer justiça pelas próprias mãos, precisamos de alguém que os assuste e os encurrale", afirma ele.

Hoje, Yousef dirige um centro de estudos em Gaza e mantém estreita relação com os líderes do Hamas.

Hanya Aljamal olha para o horizonte, da sacada de sua casa. Seu cabelo está coberto por um lenço preto. Ao fundo, podem-se ver edifícios destruídos.
Legenda da foto,"O Hamas não está qualificado para governar a Faixa de Gaza, mas é uma opção melhor do que as gangues", afirma a trabalhadora humanitária Hanya Aljamal

"Isso levará tempo, [mas] não muito", prossegue Yousef.

"Dentro de um mês, receberemos forças policiais e soldados da Turquia e do Egito. É nesse momento que eles irão depor suas armas."

Ele se refere à força internacional de estabilização para Gaza, prevista no plano de paz, que poderá ser composta de tropas egípcias e turcas, entre outras.

Outros moradores de Gaza se mostram mais céticos e temerosos. Alguns deles não estão convencidos de que o Hamas irá renunciar ao poder ou às suas armas.

O advogado Moumen al-Natour, morador de Gaza que foi preso várias vezes pelo Hamas, é um deles.

Fila de combatentes do Hamas, de uniforme e com espingardas em punho. Seu rosto é coberto por uma balaclava preta e, na testa, levam uma faixa verde característica do grupo

Crédito,AFP via Getty Images

Legenda da foto,Muitos palestinos e israelenses duvidam que o Hamas esteja disposto a não desempenhar um papel político

Al-Natour está escondido desde julho quando, segundo ele, homens armados e mascarados do Hamas entraram no seu apartamento, na Cidade de Gaza, e ordenaram que ele se apresentasse ao hospital al-Shifa para ser interrogado.

"O Hamas está enviando uma mensagem para o mundo e para o presidente Donald Trump... de que não cederá o poder, nem entregará suas armas", afirma ele.

"Se eu caísse nas mãos do Hamas agora, eles gravariam um vídeo e me matariam na rua, com um tiro na cabeça", declarou ele, em um dos vídeos enviados à BBC de um local não revelado da Faixa de Gaza.

O muro atrás dele tem marcas de balas.

Moumen al-Natour, sentado em um sofá e olhando para a câmera. Ele veste uma camisa preta com listras verticais brancas, casaco e calças pretas. O sofá e a parede atrás dele têm buracos de bala.
Legenda da foto,'Se eu caísse nas mãos do Hamas agora, eles gravariam um vídeo e me matariam na rua, com um tiro na cabeça', declarou o advogado Moumen al-Natour, de um local não revelado da Faixa de Gaza

"É uma gangue, não um governo", declarou ele, sobre o Hamas.

"Não quero que eles fiquem em Gaza... Não os quero no governo, nem na segurança. Não quero que suas ideias sejam difundidas nas mesquitas, nas ruas, nem nas escolas."

'Ainda é protagonista em Gaza'

Al-Natour tem sua própria visão de como poderia ser a Faixa de Gaza. Na opinião dele, o conjunto desigual de milícias que, agora, estão sendo atacadas pelo Hamas poderia ser integrado a um novo aparato de segurança.

Mas, com suas agendas opostas, seu passado às vezes obscuro e, em alguns casos, seus controversos vínculos com o exército israelense, a proposta se torna problemática.

"O certo — e, às vezes, é muito difícil para os israelenses admitirem isso — é que o Hamas ainda existe e é protagonista em Gaza", afirma o ex-chefe do Departamento de Assuntos Palestinos da Inteligência Militar de Israel Michael Milshtein.

"Confiar em grupos suspeitos, como clãs, milícias ou gangues, muitos deles criminosos, muitos deles afiliados ao ISIS [o grupo autointitulado Estado Islâmico], muitos deles implicados em atentados terroristas contra Israel, e considerá-los uma alternativa ao Hamas é uma ilusão."

Michael Milshtein em uma sacada, sorri para a câmara. Ao fundo, o entardecer e os arranha-céus de uma cidade israelense
Legenda da foto,"O Hamas ainda existe e é protagonista em Gaza", afirma o ex-chefe do Departamento de Assuntos Palestinos da Inteligência Militar de Israel, Michael Milshtein

Funcionários do Hamas declararam que o grupo está disposto a ceder o controle político de Gaza.

plano de cessar-fogo de Trump, apoiado pelo Hamas, contempla o "governo transitório temporário de um comitê palestino tecnocrático e apolítico".

Mas, mesmo se o grupo estiver disposto a renunciar ao seu papel político (algo de que muitos palestinos e israelenses ainda duvidam), convencer seus combatentes a depor as armas é um grande passo para uma organização cujo poder, mesmo antes de outubro de 2023, dependia, em grande parte, da força de suas armas.

A ascensão do Hamas e sua mão de ferro

Para começar a responder a complexa pergunta sobre o que pode acontecer com o Hamas no futuro, é preciso analisar retrospectivamente como ele consolidou seu poder.

Desde suas origens na década de 1980, como braço da Irmandade Muçulmana egípcia e rival da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), de caráter laico, o Hamas se transformou em um grupo militante violento, responsável pela morte de civis israelenses.

Inicialmente, Israel ofereceu discreto apoio ao Hamas, que considerava útil em contraposição à OLP e sua facção dominante, o Fatah, então liderado por Yasser Arafat (1929-2004).

"O principal inimigo era o Fatah, pois eram eles que exigiam um Estado palestino", afirma Ami Ayalon, ex-chefe do serviço de segurança nacional israelense Shin Bet.

Mas, quando o Hamas lançou atentados suicidas com bombas contra israelenses, nas décadas de 1990 e 2000, Israel respondeu com uma série de assassinatos importantes.

Uma violenta luta de poder com o Fatah deu o controle exclusivo da Faixa de Gaza ao Hamas, que venceu as eleições locais em 2006.

Mapa da Faixa de Gaza

Seguiram-se 18 anos de governo do Hamas em Gaza. Eles foram marcados pelo bloqueio militar e econômico de Israel e por episódios de conflitos armados em 2008-2009, 2012, 2014 e 2021.

Desde outubro de 2023, Israel afirma que "o Hamas é o ISIS". Mas, até então, o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu estava certo de que o Hamas não representava uma ameaça estratégica.

"Sua política era gerenciar o conflito", destaca Ayalon.

"Ele disse que não iremos resolvê-lo e que somos totalmente contrários à realidade de dois Estados. Por isso, a única solução é dividir e controlar."

Com o Hamas controlando Gaza e a Autoridade Palestina, liderada pelo seu presidente Mahmoud Abbas, governando parte da Cisjordânia ocupada, os palestinos permaneceram irremediavelmente divididos. Isso permitiu a Israel argumentar que eles não contavam com uma liderança unificada com quem negociar a paz.

"Netanyahu fez todo o possível para apoiar o Hamas em Gaza", segundo Ayalon. "Ele deixou que o Catar lhes enviasse... mais de US$ 1,5 bilhão", cerca de R$ 8,1 bilhões.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,'Netanyahu fez todo o possível para apoiar o Hamas em Gaza', segundo Ami Ayalon

O dinheiro do Catar se destinava a pagar os salários dos funcionários públicos e ajudar as famílias mais pobres. Mas os chefes de segurança receavam que ele fosse utilizado para outros fins.

Ayalon acrescenta que "o diretor do Shin Bet e o chefe do Mossad tinham claro que esse dinheiro se destinaria à infraestrutura militar".

Netanyahu defendeu a autorização dos pagamentos ao Hamas, alegando que seu objetivo era ajudar a população civil.

O Hamas sempre se preparou para a guerra

Como ficou brutalmente claro no dia 7 de outubro de 2023, o Hamas sempre esteve se preparando para a guerra. E em nenhum outro lugar isso era mais evidente do que na sua elaborada rede de túneis.

Os túneis já haviam sido utilizados para lançar ataques contra posições do exército israelense durante o segundo levante palestino, ou "Intifada", iniciado no ano 2000.

Em 2006, combatentes do Hamas utilizaram um túnel sob a fronteira com Israel para atacar um posto militar perto de Kerem Shalom, matando dois soldados israelenses e sequestrando um terceiro, Gilad Shalit.

Shalit ficou detido por cinco anos, até sua libertação em 2011. Em troca, foram libertados 1.027 prisioneiros palestinos — entre eles, Yahya Sinwar (1962-2024), que posteriormente planejaria os ataques de outubro de 2023.

Yahya Sinwar, com um dos braços para o alto, rodeado de integrantes do Hamas. Ele veste uma camisa azul clara e um terno azul. Todos os homens vestem roupas civis.

Crédito,Yousef Masoud/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

Legenda da foto,Yahya Sinwar foi um dos líderes do Hamas que planejaram o ataque de 7 de outubro de 2023

Com o passar do tempo, a rede de túneis do Hamas se expandiu, passando a incluir oficinas, unidades de fabricação de armas e centros de comando.

Os acontecimentos regionais também influenciaram o grupo.

Em 2012, após a queda do ditador da Líbia Muammar Gaddafi (1942-2011) e a breve tomada do poder pela Irmandade Muçulmana no Egito, o Hamas conseguiu contrabandear para Gaza armas cada vez mais sofisticadas. Elas incluem metralhadoras para franco-atiradores, lança-foguetes móveis e equipamentos de fabricação de foguetes de longo alcance.

Acredita-se que o Hamas tenha se beneficiado da ajuda de técnicos e combatentes com experiência na construção de túneis, em lugares como o Líbano e o Iraque.

O Irã também foi um aliado fundamental. O país considerava o Hamas um componente natural do seu "Eixo da Resistência", uma coalizão informal de grupos militantes em todo o Oriente Médio, que compartilhavam a mesma antipatia em relação a Israel e aos Estados Unidos.

Em 2020, um relatório do Departamento de Estado norte-americano indicou que o Irã fornecia anualmente cerca de US$ 100 milhões (cerca de R$ 539 milhões, pelo câmbio atual) a grupos militantes palestinos, incluindo o Hamas.

Combatente do Hamas segura uma espingarda na entrada de um túnel

Crédito,Yousef Masoud/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

Legenda da foto,A rede de túneis do Hamas na Faixa de Gaza se expandiu ao longo do tempo

Afirma-se que alguns túneis foram escavados a uma profundidade de até 70 metros embaixo da terra. Sua construção teria levado anos, ao custo de dezenas de milhões de dólares cada um.

Os túneis foram projetados para proteger o alto comando do Hamas e abrigar armas de longo alcance.

Um especialista local com amplo conhecimento dos túneis declarou à BBC que o custo total do projeto atingiu cerca de US$ 6 bilhões (cerca de R$ 32,3 bilhões).

É difícil obter números precisos, mas se acredita que a rede se estenda por até 400 km, em uma faixa de terra de apenas 42 km de comprimento por, no seu ponto máximo, 11 km de largura.

Túneis cercados de sigilo

Falar abertamente sobre os túneis, seu custo ou sua localização poderia expor os moradores de Gaza a acusações de espionagem, gerando prisões e consequências ainda mais sérias. Mas muitos deles sabiam o que estava acontecendo.

Os moradores locais conseguiam ver sinais reveladores, como a retirada de areia e argila, o surgimento inesperado de novas entradas e o transporte de máquinas durante a noite.

O que começou como uma resposta oportunista ao isolamento de Gaza se transformou, ao longo de três décadas, em um complexo industrial e militar com vários andares subterrâneos.

Soube-se posteriormente que grande parte desse complexo foi dissimulado sob a infraestrutura civil de Gaza, incluindo hospitais, escolas e, no caso de um túnel que abriga um centro de dados do Hamas, a sede da Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados Palestinos no Oriente Próximo (UNRWA, na sigla em inglês) na Cidade de Gaza.

Pilhas de escombros na Faixa de Gaza, sobre as quais se veem bandeiras palestinas. Ao fundo, o terreno está totalmente destruído e coberto de escombros entre ruínas de edifícios

Crédito,Anadolu via Getty Images

Legenda da foto,Os ataques israelenses mataram pelo menos 67.938 pessoas na Faixa de Gaza desde outubro de 2023, segundo dados do Ministério da Saúde do território, administrado pelo Hamas

Depois do ataque de 7 de outubro de 2023, quando combatentes do Hamas irromperam em Israel, matando 1,2 mil pessoas e tomando 251 como reféns, os túneis foram transformados em uma gigantesca prisão subterrânea.

Nem todos os reféns ficaram detidos nos túneis, mas muito deles, sim, especialmente com o prolongamento da guerra.

Um dos reféns que ficaram mais conhecidos é Eli Sharabi. Ele foi trasladado de uma casa segura para um túnel, após 52 dos seus 491 dias de cativeiro.

"Eles amarraram nossas mãos e pernas com cordas", contou ele à BBC, no início de outubro. "Eu desmaiava de vez em quando, devido às dores. Uma vez, eles quebraram minhas costelas."

Quando foi libertado, em fevereiro deste ano, Sharabi havia perdido mais de 30 kg.

Dois combatentes do Hamas escoltam Eli Sharabi, que está emagrecido

Crédito,EPA-EFE/REX/Shutterstock

Legenda da foto,O ex-refém israelense Eli Sharabi foi trasladado de uma casa segura para um túnel

O Hamas usou os reféns como moeda de troca para conseguir acordos de cessar-fogo ou a libertação de palestinos detidos em prisões israelenses.

Enquanto prosseguiam as negociações sobre seu destino, o Hamas difundiu em conta-gotas ao público israelense uma série de vídeos cruéis, frequentemente mostrando os reféns em situações de extrema angústia.

Por fim, segundo Yousef, as pressões internas e externas obrigaram o Hamas a abandonar a estratégia.

"O Catar, o Egito e a Turquia, além da população dos acampamentos de deslocados, enviaram uma mensagem contundente aos líderes do Hamas: 'Basta!'"

O ex-líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em frente a jornalistas com câmeras

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Israel matou o poderoso líder do Hamas, Ismail Haniyeh, na capital iraniana, Teerã, em julho de 2024

Paralelamente, Israel continua destruindo tudo o que pode da rede de túneis — frequentemente, demolindo também bairros de civis que se encontram na superfície. E a tarefa está longe de ser encerrada.

"Segundo publicações do sistema de defesa, estima-se que 25% a 40% dos túneis sofreram danos", afirma o engenheiro civil israelense Yehuda Kfir, pesquisador sobre guerra subterrânea da Universidade Technion de Haifa, em Israel.

"Sem dúvida, o Hamas deseja reabilitar sua infraestrutura, incluindo a restauração dos túneis que foram afetados, de diversas formas, pelas Forças de Defesa de Israel (FDI)."

Liderança em ruínas

Restaurar os túneis é uma coisa, mas reconstituir a organização é outra.

Após os acontecimentos dos últimos dois anos, a liderança do Hamas está dilacerada. Israel fez todo o possível para eliminar as principais figuras políticas e militares do grupo, seja em Gaza, no Irã, no Líbano ou no Catar.

Dos seus líderes mais famosos e internacionalmente conhecidos, que viajavam pelo mundo para promover sua causa, até os comandantes dos batalhões em terra na Faixa de Gaza, o Hamas perdeu quase todas as suas figuras importantes.

Em julho do ano passado, Israel assassinou o poderoso líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã. Três meses depois, o sucessor de Haniyeh, Yahya Sinwar, foi morto nas ruínas de uma casa em Rafah.

O líder adjunto do Hamas, Saleh al-Arouri

Crédito,Reuters

Legenda da foto,O vice-líder do Hamas, Saleh al-Arouri, foi morto por uma explosão em Beirute, no Líbano

Apesar da perda dessas figuras destacadas e de milhares de membros do seu braço armado, o grupo continuou lutando, recrutando uma nova geração de jovens combatentes radicalizados e dividindo-se em pequenas células, com a intenção de realizar operações de guerrilha relâmpago.

Mas, em outubro de 2025, o Hamas é uma pálida sombra da organização que perpetrou os atentados de 7 de outubro de 2023. Os líderes atuais são menos conhecidos e, basicamente, detêm pouca experiência política.

Ezzedine al-Haddad, de 55 anos, dirige o conselho militar de cinco membros, que comanda o braço armado do Hamas, as brigadas Izz al-Din al-Qassam.

Pinturas em uma parede com os rostos de ex-líderes do Hamas: Ismail Haniyeh, Yahya Sinwar, Mohammed Deif e o xeque Ahmed Yassin

Crédito,EPA/Shutterstock

Legenda da foto,Muitas das principais figuras militares e políticas do grupo foram mortas. Da esquerda para a direita: Ismail Haniyeh, Yahya Sinwar, Mohammed Deif (1965-2024) e o xeque Ahmed Yassin (1936-2004).

Fora da Faixa de Gaza, entre os remanescentes da liderança política do grupo, encontram-se Khaled Meshaal (que foi alvo de uma tentativa fracassada de assassinato na Jordânia em 1997, por parte de Israel), Khalil al-Hayya e Muhammad Darwish.

Acredita-se que todos eles tenham escapado da morte no dia 9 de setembro, quando jatos israelenses atacaram um edifício em Doha, no Catar, onde os líderes se reuniam para discutir as últimas propostas de cessar-fogo dos Estados Unidos.

'Cansado da guerra'

Apesar da violência que ainda atinge a Faixa de Gaza, o ex-assessor do Hamas Ahmed Yousef afirmou que o grupo está cansado da guerra.

Sem mencionar diretamente o ataque de 7 de outubro de 2023, ele descreveu a causa da guerra como um "erro terrível", destacando que é preciso adotar um "enfoque diferente".

Homem sentado sobre escombros na Faixa de Gaza

Crédito,Anadolu via Getty Images

Legenda da foto,Da mesma forma que a população local em meio aos escombros, o próprio Hamas também está cansado da guerra, segundo o ex-assessor do grupo, Ahmed Yousef

"Tenho conversado com muitos deles e me disseram que não têm mais interesse em governar Gaza", destaca ele. "Mas o Hamas tem mais de 100 mil membros e essas pessoas não irão desaparecer."

Yousef indica que o Hamas tenta renovar sua imagem para continuar desempenhando um papel político no futuro. Ele compara este processo com a transição do Congresso Nacional Africano, das guerrilhas para o governo político pós-apartheid na África do Sul.

"Se amanhã houver eleições, estou certo de que o Hamas adotará nomes diferentes", explica ele, "para dar a impressão de ser mais pacífico e estar mais disposto a participar da vida política."

"A violência não fará parte de nenhum partido político", segundo Yousef. Mas Milshtein duvida.

Para ele, "mesmo se for estabelecido um novo regime local em Gaza, o Hamas será o grupo dominante — nos bastidores, é claro".

Homem com jaleco olha para um edifício destruído na Faixa de Gaza

Crédito,Anadolu via Getty Images

Legenda da foto,Por mais debilitado que esteja, o Hamas está longe de ter se esgotado

O desarmamento é ainda menos provável, acredita Milshtein. Ele prevê uma nova guerra em Gaza nos próximos cinco anos.

Mas, para Ami Ayalon, ex-chefe do Shin Bet, Israel deveria encontrar outra forma de enfrentar seu inimigo.

"A menos que derrotemos a ideologia, eles irão prosperar", afirma ele. "A única forma de derrotá-la é criar e apresentar ao povo palestino e israelense um novo horizonte. Um horizonte de dois Estados."

No momento, este horizonte não existe, o que pode fazer com que a previsão de Milshtein seja mais provável do que a ideia de Ami Ayalon, de um futuro compartilhado.

Mas o Hamas, por mais debilitado que esteja, está longe de ter se esgotado. E, de uma forma ou de outra, Israel poderá precisar lidar com ele por algum tempo.