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Quais seriam as opções da Venezuela se Maduro deixasse o poder?

Especialistas analisam possíveis cenários diante da tensão com os Estados Unidos; todos são extremamente incertos

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM CNN 09/12/2025
Quais seriam as opções da Venezuela se Maduro deixasse o poder?
O presidente Nicolás Maduro observa durante uma coletiva de imprensa após depor perante a câmara eleitoral na sede principal do Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), em 2 de agosto de 2024 | Jesus Vargas/Getty Images

O regime venezuelano enfrenta a pressão crescente dos Estados Unidos.

O governo americano acusou Nicolás Maduro de liderar um suposto cartel de drogas – designado como organização terrorista pelos EUA –, aumentou a presença de forças americanas na região do Caribe e do Pacífico, e Donald Trump teria oferecido ao líder chavista a chance de renunciar.

Diante desse cenário, cresce a especulação sobre a possibilidade de Maduro deixar o poder, seja pela via da negociação ou pela via militar. Crescem também as dúvidas sobre como seria o “dia seguinte” na Venezuela, ainda muito incerto.

CNN conversou com especialistas para tentar esclarecer a dúvida: Quais seriam as opções da Venezuela caso Maduro caísse?

André Pagliarini, professor de história da América Latina moderna, resume: “a queda de Maduro abriria vários cenários possíveis, e todos são extremamente complexos”.

Cenário número 1: Um governo da oposição

María Corina Machado tornou-se o rosto da oposição e é um dos principais personagens da crise venezuelana.

A política teve a candidatura para as eleições presidenciais de 2024 barrada pelo Supremo Tribunal da Venezuela e não pôde concorrer. A justificativa foi a de que María Corina teria cometido “erros e omissões em suas declarações juramentadas de bens”.

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Líder da oposição venezuelana, Maria Corina Machado • , durante ato em Caracas 09/01/2025 REUTERS/Gaby Oraa
Líder da oposição venezuelana, Maria Corina Machado • , durante ato em Caracas 09/01/2025 REUTERS/Gaby Oraa

Ela venceu o Nobel da Paz “por seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos para o povo da Venezuela”, de acordo com o Comitê Norueguês do prêmio. Ao receber o Nobel, dedicou o prêmio a Donald Trump.

Mas especialistas avaliam que um governo liderado por María Corina Machado, ou algum outro aliado da oposição, seria improvável.

Para Carolina Pedroso, professora de Relações Internacionais da Unifesp, a figura de María Corina não é bem aceita pela parcela da população venezuelana que ainda acredita no projeto do chavismo.

A opositora vem de uma família venezuelana tradicional e rica, a Família Machado, que faturou muito dinheiro com a indústria siderúrgica na Venezuela pré-Hugo Chávez. Na segunda metade do século 20, o país apresentava números macroeconômicos prósperos, mas sofria com a desigualdade social acentuada.

O governo de Chávez apostou em medidas sociais com foco em combater a pobreza e garantir saúde, habitação e alimentação para a população.

As políticas chavistas, muitas vezes descritas como populistas, melhoraram as condições de vida e “levaram ao poder uma camada da sociedade que nunca tinha acessado os benefícios do petróleo”, afirma Carolina Pedroso.

Por isso, a professora avalia que a proximidade de Corina com a elite industrial no período pré-Chávez pode causar resistência de parte da população.

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O líder venezuelano, Hugo Chávez, com o então ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Nicolás Maduro, durante uma coletiva de imprensa • Antoine Gyori/AGP/Corbis via Getty Images
O líder venezuelano, Hugo Chávez, com o então ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Nicolás Maduro, durante uma coletiva de imprensa • Antoine Gyori/AGP/Corbis via Getty Images

O apoio declarado da opositora à interferência externa na Venezuela também pode ser motivo de receio sobre como um eventual governo da oposição lidaria com apoiadores do chavismo e se haveria algum tipo de revanchismo.

María Corina Machado enfrentaria, ainda, a resistência da oposição moderada, como o ex-candidato à Presidência Henrique Capriles, que critica o suposto apoio de Corina à tentativa de golpe contra Hugo Chávez em 2002 – o que ela nega.

A ala mais moderada também questiona sua participação nos protestos de 2014 contra Maduro que terminaram com vários mortos e feridos.

Carolina Pedroso acrescenta que, se todo o aparato do chavismo no Estado caísse por terra, María Corina poderia obter algum êxito pela via eleitoral, mas teria que superar essa resistência.

Para o professor de História da América Latina Andre Pagliarini, a ascensão de uma figura da oposição como María Corina Machado, que tem uma relação no mínimo conflituosa com os militares, “seria bastante difícil de contemplar no médio a longo prazo”.

Os especialistas relembram que o regime Maduro já barrou María Corina de tentar chegar ao poder pela via democrática, mas foi proibida.

Sendo assim, os professores explicam que é  improvável que qualquer negociação leve o chavismo a concordar com um líder no extremo oposto do espectro político. Maduro e, principalmente, as Forças Armadas da Venezuela, teriam mais chances de concordar com outro representante, mais próximo ao meio termo.

Diante dessas considerações, Carolina Pedroso aposta que a forma mais provável de María Corina chegar ao poder seria pela via militar, sendo apoiada por uma intervenção estrangeira.

“Não há garantias de pacificação somente pela queda de Maduro, porque estamos falando de uma sociedade altamente polarizada e violenta há décadas em torno de dois projetos políticos”, explica.

Cenário número 2: Um governo de militares

As Forças Armadas da Venezuela exercem grande controle e influência no país. Os militares controlam a exploração do petróleo, o fluxo de armas, a abertura e o fechamento das fronteiras e a entrada de recursos essenciais, como remédios e alimentos.

Também ocupam cargos importantes no governo e trabalham diretamente com Maduro: é o caso de Diosdado Cabello, por exemplo, militar reformado, ministro do Interior, Justiça e Paz da Venezuela, considerado o “número 2” do chavismo.

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Ministro do Interior da Venezuela, Diosdado Cabello • 18/07/2025 REUTERS/Leonardo Fernandez Viloria
Ministro do Interior da Venezuela, Diosdado Cabello • 18/07/2025 REUTERS/Leonardo Fernandez Viloria

“Eu não vejo nenhuma saída que não seja pela via militar para uma mudança de regime na Venezuela. Aliás, quem garante Maduro no poder ainda hoje são os militares, o alto escalão muito leal a Maduro”, explica Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM.

Por isso, Uebel aposta que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tentaria uma mudança de regime capitaneada justamente pelos militares.

“Trump não vai querer sujar as próprias mãos, porque seria contra a retórica dele de garantidor da paz”, explica, acrescentando que o presidente americano provavelmente tentaria articular uma junta militar fiel aos EUA e de oposição a Maduro.

A agência Reuters apurou que Nicolás Maduro teria oferecido deixar o poder durante uma ligação com Donald Trump, desde que ele e seus familiares recebessem "anistia legal e completa".

Maduro também propôs que a vice Delcy Rodríguez administrasse um governo interino até a realização de novas eleições. Trump teria rejeitado a maioria dos pedidos do líder chavista durante a conversa.

Para a professora Carolina Pedroso, a figura de Delcy seria apenas simbólica. Na prática, a atual vice de Maduro seria a “cara” do regime, mas os militares aliados ao chavismo permaneceriam no controle.

Apesar da suposta negativa de Trump, Pedroso avalia que essa alternativa não seria um mau negócio para os EUA. “Eles ‘resolvem’ a situação tirando o Maduro, como se fosse o único problema, sem precisar intervir e arcar com todos os custos, inclusive políticos, que isso traria”, diz a professora.

No português coloquial, ela chama essa alternativa de “uma solução para inglês ver”.

Os especialistas concordam que seria difícil formar um governo militar por vias eleitorais. A maior probabilidade é que fosse formado um governo de transição, até que novas eleições pudessem ser organizadas.

Mas se os militares são tão poderosos na Venezuela, por que não lutam contra os EUA? 

As Forças Armadas da Venezuela são superiores à maioria de seus vizinhos na América Latina, graças aos investimentos de Chávez – que era ex-militar – para aquisição de equipamentos russos projetados na era soviética.

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As Forças Armadas da Venezuela e tanques do exército trafegam por uma rodovia durante um exercício militar em Caracas, Venezuela, em 20 de setembro • Ivan McGregor/Anadolu/Getty Images via CNN Newsource
As Forças Armadas da Venezuela e tanques do exército trafegam por uma rodovia durante um exercício militar em Caracas, Venezuela, em 20 de setembro • Ivan McGregor/Anadolu/Getty Images via CNN Newsource

Mas os anos de dificuldade econômica, queda na produção de petróleo, aumento da inflação e sanções americanas podem ter prejudicado a manutenção desses equipamentos e o treinamento dos soldados.

Carolina Pedroso explica que os militares sabem que não têm chances de ganhar dos EUA em uma guerra tradicional. Recentemente, as Forças Armadas venezuelanas têm convocado a população para treinamentos e distribuído armas para civis, apostando na técnica de guerrilha como sua melhor chance.

Cenário número 3: Um governo misto ou uma disputa de facções 

Uma terceira opção em caso de queda do regime Maduro seria uma composição mista de governo.

Figuras mais moderadas da oposição – como Henrique Capriles, que concorreu contra Hugo Chávez e é um crítico de Maduro, mas rejeita a intervenção armada dos Estados Unidos – poderiam se unir a dissidentes do chavismo que criticam o autoritarismo de Maduro.

“Um cenário político possível é um tipo de coalizão de grupos que estejam no meio do caminho da polarização, mais próximos ao centro político”, diz Carolina Pedroso.

Mas um vácuo de poder também poderia abrir espaço para disputas internas. André Pagliarini alerta que diferentes facções criminosas poderiam passar a disputar o controle do Estado, produzindo um quadro fragmentado de autoridades paralelas. “Na melhor das hipóteses, seria um processo marcado por profundas incertezas”, afirma.

Haveria mudanças na Constituição venezuelana?

A Constituição venezuelana foi promulgada em 1999, durante a presidência de Hugo Chávez, com ampla participação popular.

A “Constituição Bolivariana” estabelece o país como um Estado democrático governado pelo Estado de direito e pela justiça, com princípios como democracia participativa, direitos humanos e justiça social.

Os especialistas concordam que o problema, no entanto, é o desrespeito constante da Constituição por parte das instituições, principalmente sobre as leis eleitorais.

A Constituição prevê, por exemplo, que haja transparência no processo de apuração dos votos, mas as atas de votação da última eleição não foram divulgadas até hoje.

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Sede do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, em Caracas • 23/04/2024 REUTERS/Leonardo Fernández Viloria
Sede do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, em Caracas • 23/04/2024 REUTERS/Leonardo Fernández Viloria

Para Carolina Pedroso, a Constituição poderia ser eventualmente reformulada para garantir mecanismos mais eficazes para proteger as bases da democracia.

Ela cita como exemplo a possibilidade de rever o voto facultativo e torná-lo obrigatório, e acredita que a mudança poderia evitar práticas como ameaças e chantagem para coagir a população a votar.

O professor André Pagliarini reforça que o processo de reconstrução democrática exigiria a reforma de instituições profundamente deterioradas: “Isso envolveria a reestruturação das regras eleitorais com observação internacional, a recuperação da autonomia do judiciário, novas garantias de transparência e controle civil sobre as Forças Armadas”, explica.

Quanto tempo levaria uma troca de governo?

O consenso entre os especialistas é de que a janela de transição seria imprevisível, mas demoraria bastante tempo.

Roberto Uebel explica que quedas de regime e transições democráticas levam anos, citando a Líbia e a Síria como exemplos, e arrisca dizer que o processo na Venezuela demoraria no mínimo cinco anos. Isso porque, atualmente, Legislativo, Judiciário e Executivo são controlados por aliados leais a Maduro, e seria preciso organizar uma recomposição democrática desses três poderes, o que leva tempo.

André Pagliarini diz que o caso da Venezuela pode se estender ainda mais, tornando-se um “projeto geracional” lento e irregular, dadas as tensões internas e a fragilidade do Estado.

A professora Carolina Pedroso acrescenta que, além de mudar as regras do jogo, uma transição para a democracia também exigiria uma mudança cultural. Ela destaca que a Venezuela cultiva uma cultura de revanchismo, de ódio na política e de incapacidade de conciliação: “Há um ódio que leva à destruição de laços familiares, laços de amizade. Ou você está de um lado ou está do outro. Esse tipo de elemento social demora muito para se desfazer”.

Incerteza profunda 

O cenário atual é de incerteza profunda. A possibilidade de um ataque iminente dos EUA preocupa o hemisfério ocidental, mas a imprevisibilidade do que aconteceria depois é ainda maior.

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O Grupo de Ataque do Porta-Aviões Gerald R. Ford, que foi deslocado para o Caribe em meio às tensões com a Venezuela • Petty Officer 3rd Class Gladjimi Balisage
O Grupo de Ataque do Porta-Aviões Gerald R. Ford, que foi deslocado para o Caribe em meio às tensões com a Venezuela • Petty Officer 3rd Class Gladjimi Balisage

Todos os especialistas consultados pela CNN afirmam que, até agora, o que existe é apenas um exercício de futurologia. Não há nenhuma garantia neste momento de que uma troca de comando automaticamente tornaria a Venezuela uma democracia plena.

O professor André Pagliarini diz que uma mudança abrupta pode causar fragmentação interna, violência política e até efeitos em cadeia sobre vizinhos como Colômbia e Brasil: “Não sabemos de fato como uma mudança desse tamanho impactaria a região. Por isso a importância de um certo realismo bem como contenção e humildade por parte dos líderes relevantes”.