Polícia
PF encontra com lobista novas minutas de decisões de mais quatro gabinetes de ministros do STJ
Com as novas minutas vazadas dos gabinetes de Marco Buzzi, Antônio Carlos Ferreira, João Otávio de Noronha e Ricardo Villas Bôas Cueva, a investigação pode chegar a oito gabinetes no total.

Novas minutas de decisões de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foram identificadas pela Polícia Federal na investigação de um esquema de venda de decisões e vazamento de informações.
Os documentos foram encontrados no notebook do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves e também no celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado no fim de 2023. As informações são do repórter Aguirre Talento, do Estadão.
A investigação, que inicialmente apurava vazamentos em quatro gabinetes de magistrados, agora vincula os textos aos gabinetes de mais quatro ministros em exercício e um ex-ministro do STJ, que até então não eram alvo da Operação Sisamnes. O inquérito foi aberto pela Polícia Federal no ano passado.
Com as novas minutas vazadas dos gabinetes de Marco Buzzi, Antônio Carlos Ferreira, João Otávio de Noronha e Ricardo Villas Bôas Cueva, a investigação pode chegar a oito gabinetes no total. Esse número representa quase um quarto dos 33 ministros que compõem a Corte.
Em resposta ao Estadão, os ministros afirmaram não ter conhecimento dos vazamentos e negaram qualquer favorecimento às partes representadas pelo lobista. A defesa de Andreson optou por não comentar o caso.
Os gabinetes de Isabel Galotti, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Og Fernandes já eram investigados anteriormente. Quando os vazamentos foram divulgados publicamente, no fim do ano passado, os ministros informaram que solicitaram a abertura de uma apuração oficial ao STJ sobre o caso e que não tinham conhecimento dos vazamentos.
Na ocasião, o STJ comunicou que havia instaurado sindicâncias para investigar a possível participação de servidores nos vazamentos e solicitou o início de um inquérito à Polícia Federal. Esses processos ainda estão em andamento. Segundo a Polícia Federal, não há evidências de que os ministros tenham participado diretamente desses novos vazamentos, embora a origem deles ainda precise ser investigada.
“Registra-se, pelos motivos anteriormente expostos, que a presença dessas minutas, com certas semelhanças às decisões oficialmente publicadas, não implica, por si só, em suspeitas quanto à conduta dos ministros. Entretanto, constitui elemento que não pode ser desconsiderado, exigindo análise criteriosa e, se necessário, diligências adicionais, a critério da autoridade policial, para assegurar a integridade e autenticidade dos documentos em questão”, aponta relatório obtido pelo Estadão.
A Polícia Federal deve entregar ao ministro Cristiano Zanin, nos próximos dias, um relatório parcial com as informações coletadas até agora sobre os assessores do STJ. Em um documento já enviado ao ministro, a PF informou haver um "volume expressivo de novas provas" e comunicou sua intenção de ampliar o escopo das investigações.
“Parte relevante desse material não apenas reforça hipóteses previamente estabelecidas, como também amplia o escopo investigativo, revelando conexões até então não identificadas e exigindo reorganização lógica e cronológica dos elementos já constantes dos autos investigativos”, diz a PF.
Além das minutas com trechos similares às decisões oficiais, os investigadores descobriram que o lobista falsificava documentos do STJ para atrair clientes. Em seu notebook, a PF localizou modelos de decisões com a marca d'água do tribunal e uma falsa ordem de prisão do ministro Og Fernandes para a Operação Faroeste -- que nunca existiu. A suspeita é de que o lobista usou esses documentos para extorquir um empresário, o que deve descartar a hipótese inicial de vazamento do gabinete de Og. Procurado pelo jornal, o gabinete não comentou.
A PF também separou os arquivos encontrados, alguns eram minutas totalmente diferentes das decisões reais, enquanto outros indicavam vazamentos, pois foram criados antes das decisões oficiais e tinham trechos idênticos.
PF aponta ‘trechos coincidentes’
Entre os novos documentos descobertos estava uma minuta de voto do ministro Marco Buzzi sobre uma disputa fundiária em Mato Grosso. Criada em 19 de outubro de 2018, a minuta antecedeu em dois meses a decisão oficial do ministro. A PF ressaltou a existência de "trechos coincidentes" entre os textos.
Outro arquivo apreendido, um documento Word de 19 de julho de 2019 produzido por um colaborador da empresa de Andreson, imitava uma minuta de Buzzi referente a uma disputa entre uma empresa de telefonia e uma seguradora. A versão final da decisão só foi divulgada em 5 de agosto, cerca de um mês depois. A PF mais uma vez apontou a semelhança dos textos. Questionado, o gabinete emitiu a seguinte resposta: "O gabinete do Ministro Marco Buzzi informa que não possui conhecimento sobre o vazamento de trechos das deliberações referidas pela reportagem. Esclarece, todavia, que os projetos de decisões são minutados em sistema interno do Tribunal, sendo que os processos mencionados foram examinados, mais de uma vez, em colegiado, recebendo julgamentos unânimes".
Relatório da PF comparou minuta encontrada com lobista (à esquerda) com decisão oficial proferida pelo ministro do STJ (à direita) e identificou trechos coincidentes
Foto: Reprodução/Estadão
O relatório da PF também apontou que o lobista tinha a minuta de um voto do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva para um julgamento da Terceira Turma. O arquivo, localizado no notebook de Andreson, foi criado quatro dias antes da sessão de 6 de fevereiro de 2024. Contactado, o gabinete do ministro não se pronunciou.
Relatório da PF comparou minuta encontrada com lobista (à esquerda) com decisão oficial proferida pelo ministro do STJ (à direita) e identificou trechos coincidentes
A investigação ainda encontrou no computador a minuta de uma decisão do falecido ex-ministro Paulo de Tarso Sanseverino. O documento foi criado um dia antes da publicação oficial da decisão e tinha como criador o usuário "Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação". A PF afirma que "em simples comparação da minuta com a decisão exarada pelo ministro, verificou-se que o teor parece ser o mesmo".
A Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação é subordinada à direção geral do tribunal, não ao gabinete do ministro, e é a responsável por administrar os sistemas de informática da corte.
Novos documentos encontrados
A investigação sobre a venda de decisões no STJ começou com a apreensão do celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado em Cuiabá em dezembro de 2023. Inicialmente apreendido para investigar o homicídio, o aparelho foi analisado pelo Ministério Público do Maro Grosso, que encontrou indícios de compra de sentenças e encaminhou o material ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O Conselho, por sua vez, identificou nas conversas de Zampieri com o lobista Andreson de Oliveira sinais de vazamento e comercialização de decisões por assessores de gabinetes do STJ, o que motivou o envio do caso à Polícia Federal.
Uma nova análise do aparelho pela PF revelou minutas de documentos do STJ não encontradas inicialmente, enviadas por Andreson ao advogado. Os investigadores compararam as datas de criação desses arquivos com as de sua publicação oficial no tribunal.
O relatório cita, por exemplo, que o lobista teve acesso à minuta de um relatório e voto do ministro João Otávio de Noronha em um recurso do Pará. Andreson compartilhou o documento após o julgamento, mas a PF verificou que o arquivo em sua posse foi criado antes da publicação da decisão no Diário Oficial. Isso sugere que o lobista pode ter acessado uma versão preliminar legalmente disponível às partes -- o que não caracteriza irregularidade. O gabinete de Noronha informou que as decisões naquele processo foram unânimes.
A PF também identificou uma minuta do ministro Antônio Carlos Ferreira compartilhada por Andreson em 16 de agosto de 2019, mas que só foi proferida em 1º de outubro do mesmo ano. O caso, envolvendo uma indenização entre empresas gaúchas, com recurso negado, já constava em relatório do CNJ no ano passado, mas ainda não havia sido incluído na investigação federal.
Ao jornal, o ministro Antônio Carlos Ferreira afirmou que, assim que tomou conhecimento do fato no ano passado, solicitou à Presidência do STJ a abertura de apuração para investigar a origem do vazamento.