Cotidiano

Associação dos produtores culturais de MT é condenada por assédio moral organizacional

Fatos narrados pelo MPT ocorreram no Museu de Arte Sacra de Mato Grosso (MASMT), que tem como presidenta e diretora-geral Viviene Lozi Rodrigues, supervisora hierárquica de museóloga que denunciou a prática 14 dias antes de cometer suicídio

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM MPT-MT 30/08/2024
Associação dos produtores culturais de MT é condenada por assédio moral organizacional
Ana Lígia Campos Ramos, que denunciou a prática 14 dias antes de cometer suicídio | Marcos Vergueiro/Prefeitura de Cuiabá

Primeira Turma de Julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT23) atendeu ao pedido do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) em Recurso Ordinário e condenou a Associação dos Produtores Culturais de Mato Grosso (Ação Cultural) por assédio moral generalizado.

Os fatos narrados pelo MPT ocorreram no Museu de Arte Sacra de Mato Grosso (MASMT), gerido pela Ação Cultural, que, por sua vez, tem como presidenta e diretora-geral Viviene Lozi Rodrigues, apontada como a responsável pela instalação do ambiente hostil e prejudicial à saúde mental dos(as) trabalhadores(as)Rodrigues era supervisora hierárquica da museóloga Ana Lígia Campos Ramos, que denunciou a prática 14 dias antes de cometer suicídio.

No curso das investigações, diversas testemunhas foram ouvidas pelo MPT e seus depoimentos foram uníssonos em evidenciar, em relação à vítima, dois fatores que alimentavam o conteúdo das investidas assediadoras de Rodrigues: a gordofobia e a psicofobia. Além disso, a museóloga tinha sua autoestima constantemente minada pelo menosprezo em relação ao seu trabalho; era constrangida a assinar documentos de cujo teor discordava; e, mesmo após sua saída do museu, continuava sendo pressionada para assinar e enviar relatórios.

Acórdão

A decisão do TRT foi unânime e reformou a sentença proferida anteriormente pelo Juízo da 9ª Vara do Trabalho de Cuiabá, que havia julgado improcedentes os pedidos de indenização por dano moral coletivo e de cumprimento de obrigações de fazer e não fazer, por entender que as provas apresentadas pelo MPT não se revelaram suficientes para comprovar a prática de assédio.

O voto da relatora foi lido durante sessão presencial, realizada em 13 de agosto, e seguido pelos demais desembargadores. “Conforme prova colhida, o desrespeito aos empregados não se tratou de um fato isolado, mas se repetia continuamente, conduta, a meu ver, suficiente para comprovar o assédio moral no âmbito organizacional, porquanto evidenciado que a sra. Viviene utilizava-se de tratamento ríspido com as pessoas a ela diretamente vinculadas, agindo de forma autoritária e descortês, gerando um ambiente hostil, tenso e desarmonioso”, asseverou a desembargadora Eliney Veloso.

O acórdão determinou o pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 40 mil. Sob pena de multa, a associação também deverá cumprir uma série de obrigações para coibir a prática de assédio moral, como abster-se de fomentar condutas de ridicularização e inferiorização dos(as) trabalhadores(as); de adotar métodos abusivos e de coação para cumprimento de ordens ilegais, injustas ou antiéticas; de empregar tratamento excessivamente rigoroso e vexatório para desqualificar empregados(as) ou prestadores(as) de serviços; e de praticar discriminação em relação à aparência física e a doenças. A ré deverá, ainda, implantar ouvidoria interna para possibilitar apuração de denúncias.

Recurso

O MPT reuniu argumentos para contestar a decisão de primeiro grau, afirmando que o assédio moral ficou comprovado em Inquérito Civil (IC) e pelas diversas testemunhas ouvidas, além de áudios de Ana Lígia, de relatório médico emitido por sua psiquiatra e de investigação conduzida pela Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso (Secel-MT). Também foi confirmado que Rodrigues fez cobranças de trabalho a Ana Lígia após a rescisão contratual e na véspera de seu suicídio.

De acordo com o MPT, o assédio moral perpetrado por Rodrigues não ficou caracterizado por um único acontecimento. “Era uma prática observada com o tempo e com a piora na saúde mental dos trabalhadores, pois advinha de uma violência psicológica inicial sutil que se desenvolvia progressivamente e se caracterizava como tal após insistentes e reiteradas investidas cotidianas. Essa informação é essencial para se compreender o tratamento dispensado por ela aos trabalhadores, bem como a potencial influência dessas práticas na saúde psicológica deles ao longo do tempo”, explicou o procurador do Trabalho Raphael Fabio Lins e Cavalcanti.

Cavalcanti salienta que “o trabalho prestado em condições como as que são relatadas na ação reduz o labor a um fardo pesado e psicologicamente desgastante, sujeitando o trabalhador, ante seu estresse cotidiano, a danos emocionais e doenças psicossomáticas, tais como alterações do sono, distúrbios alimentares, diminuição da libido, aumento da pressão arterial, desânimo, insegurança, entre outros, podendo acarretar quadros de pânico e de depressão, o que redundaria, em casos mais graves, em morte e suicídio”. E frisa: “O trabalho não é apenas fonte de sustento do trabalhador e de sua família, mas, também, instrumento de sua inclusão na sociedade, fazendo-o sentir-se útil e necessário à atividade econômica”.

Entenda o caso

O MPT-MT autuou, em junho de 2021, Notícia de Fato (NF) após o recebimento de ofício do Conselho Regional de Museologia da 4ª Região (Corem-4R) que encaminhava, para providências, denúncia na qual a diretora do Museu da Arte Sacra de Mato Grosso (MASMT) era apontada como suspeita de prática(s) de assédio moral contra uma museóloga.

Em sede de Inquérito Civil (IC), o MPT-MT ouviu testemunhas visando a delinear a relação da diretora com a denunciante e com os(as) outros(as) empregados(as) diretos(as), terceirizados(as) e prestadores(as) de serviço da instituição.

Em abril do ano passado, o MPT ajuizou Ação Civil Pública (ACP) com pedido de liminar em face da Associação dos Produtores Culturais de Mato Grosso. O procurador Raphael Fábio Lins e Cavalcanti enfatizou que, ao instaurar um ambiente de assédio moral generalizado em que os(as) subordinados(as) têm sua capacidade colocada em dúvida, seus erros supervalorizados e seus horários desrespeitados, as atitudes de Rodrigues vitimaram também outros(as) trabalhadores(as) do museu.

Os pedidos foram acolhidos pela Justiça do Trabalho, que determinou o afastamento da diretora do museu até o julgamento do mérito da ação. Na decisão liminar, o juiz do Trabalho Wanderley Piano da Silva, em atuação na 9ª Vara do Trabalho, também determinou a criação de programa de prevenção e conscientização voltado à saúde mental dos(as) trabalhadores(as) e ao combate ao assédio moral por meio de palestras, consultoria de psicólogos(as) e/ou outros(as) profissionais especializados(as); e a implantação de sistema de ouvidoria interna que possibilitasse a apuração das denúncias.

Em janeiro deste ano, o juiz Felipe Augusto Albuquerque julgou improcedentes os pedidos formulados pelo MPT e, na sentença, inocentou a ré. Inconformado com a decisão, o órgão ministerial interpôs Recurso Ordinário, que foi julgado pelo TRT no início deste mês, reformando a decisão de primeiro grau.