Política

Governo Trump revoga vistos de familiares do ministro Alexandre Padilha como punição por Mais Médicos

O governo de Donald Trump revogou o visto de entrada nos Estados Unidos da esposa e da filha do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em mais uma ação contra autoridades brasileiras. Padilha não foi afetado diretamente porque seu visto americano venceu

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 15/08/2025
Governo Trump revoga vistos de familiares do ministro Alexandre Padilha como punição por Mais Médicos
Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, liderou criação do programa em 2013 | Marcelo Camargo/Agência Brasil

Padilha também era ministro da Saúde quando o programa foi implementado, em 2013, durante o governo da presidente Dilma Rousseff (PT).

"Estou absolutamente indignado. É um ato covarde que atinge uma criança de dez anos de idade, que atinge a minha esposa", disse Padilha, ao canal Globo News.

"E as pessoas que fazem isso, o clã Bolsonaro, que orquestra isso, têm que explicar, não para mim, para o mundo todo, qual o risco que uma criança de dez anos de idade pode ter para o governo americano", continuou.

A fala do ministro faz referência à atuação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos. O filho do ex-presidente Jair Bolsonaro está naquele país desde fevereiro, articulando com o governo Trump retaliações contra o Brasil, em resposta ao processo criminal que seu pai enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF).

Padilha disse ainda que a criação do programa em 2013 ocorreu após visitar diversos países para buscar soluções para a falta de médicos no Brasil.

"Naquele momento, [médicos cubanos] estavam em mais de 60 países. E hoje ainda tem em dezenas de países, inclusive na Itália", disse Padilha, citando um país cujo governo tem boa relação com a gestão Trump.

O ministro ressaltou que hoje o Mais Médicos opera principalmente com profissionais brasileiros e que já não há pareceria com Cuba. A mudança foi adotada após parte da classe médica brasileira criticar fortemente a vinda dos cubanos.

Segundo ele, trata-se do "maior programa de provimento médico do mundo", com 28 mil médicos alocados em áreas remotas do país.

"Qual que é a explicação que não tem qualquer tipo de sanção, qualquer crítica a esses outros países [que ainda empregam cubanos], e vêm fazer uma sanção aqui no Brasil contra servidores brasileiros e contra a família do ministro da Saúde, se nós não temos mais parcerias com médicos e médicas cubanas?", continuou.

Na quarta-feira (13/08), o governo americano divulgou o nome de outros dois brasileiros atingidos por seu envolvimento com o Mais Médicos.

Mozart Julio Tabosa Sales é o atual secretário de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde. Já Alberto Kleiman é, segundo seu perfil no LinkedIn, coordenador-geral para a COP30 da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).

A medida foi divulgada pelo secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, como parte da retomada da "política de restrição de vistos relacionada a Cuba".

O texto afirma que os dois teriam atuado no "esquema de exportação de trabalho forçado do regime cubano", em referência à participação de médicos cubanos no programa entre 2013 e 2018. Rubio também destacou que a medida se baseia na suposta cumplicidade de Sales e Kleiman com o trabalho forçado do governo cubano por meio do Mais Médicos.

O Departamento de Estado dos EUA acusa os envolvidos de enriquecer o "corrupto regime cubano" e de privar o povo da ilha de atendimento médico.

Além disso, o comunicado aponta que a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) teria atuado como intermediária para implementar o programa sem seguir os requisitos constitucionais brasileiros, driblando sanções dos EUA a Cuba. A Opas, vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda não se manifestou sobre o caso.

No atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Mais Médicos passou a priorizar profissionais brasileiros. Segundo dados divulgados na segunda-feira (11/08), 92,25% dos 24,9 mil médicos ativos no programa são nacionais.

A medida contra Sales e Kleiman foi elogiada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que vive nos EUA e tem pressionado o governo americano por sanções a autoridades brasileiras, especialmente ministros do STF.

O episódio ocorre em meio a uma escalada de retaliações de Trump ao Brasil. Em julho, Washington impôs tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e sancionou o ministro Alexandre de Moraes, acusando o país de perseguição política contra Jair Bolsonaro, réu em uma ação penal sobre suposta tentativa de golpe após a derrota nas eleições de 2022.

Mozart Sales, em sua conta do Instagram, publicou um texto afirmando que a penalidade é uma "sanção injusta" e defendeu o Mais Médicos.

"Essa sanção injusta não tira minha certeza de que o Mais Médicos é um programa que defende a vida e representa a essência do SUS, o maior sistema público de saúde do mundo - universal, integral e gratuito".

A BBC News Brasil está tentando contato com a OTCA por telefone para obter posicionamento de Alberto Kleiman e atualizará a reportagem em caso de resposta.

Marco Rubio

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA

O que é o Mais Médicos

De acordo com o Ministério da Saúde, o Programa Mais Médicos é uma política pública voltada a melhorar o atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

O programa leva médicos para regiões prioritárias, remotas e de difícil acesso, onde há escassez de profissionais, além de promover a formação e qualificação de médicos por meio de parcerias com instituições de ensino.

A estratégia visa garantir maior equidade no acesso aos serviços de saúde em todo o território nacional, melhorar a qualidade do atendimento e fortalecer vínculos entre médicos e comunidades.

O Mais Médicos integra ações do governo federal, com apoio de estados e municípios, para fortalecer a Estratégia Saúde da Família (ESF), porta de entrada preferencial do SUS, responsável por resolver cerca de 80% dos problemas de saúde da população.

Estudos apontam que países que investem na Atenção Primária à Saúde (APS) apresentam melhores indicadores de saúde, mais equidade e menor número de internações desnecessárias, além de custos mais controlados.

O programa já passou por diferentes fases: lançado em 2013, chegou a contar com 18.240 médicos em 4.058 municípios em 2014. Entre 2016 e 2022 houve redução de profissionais ativos, chegando a 12.843.

A partir de 2023, no atual governo, o Mais Médicos foi retomado e expandido, com 28.000 vagas em 4.547 municípios, incluindo saúde indígena e prisional, beneficiando 73 milhões de brasileiros.

Além do atendimento, o programa prioriza a formação de médicos especialistas em Medicina de Família e Comunidade, com cursos de aperfeiçoamento, mestrado ou doutorado profissional.

A continuidade do atendimento humanizado e com fortes vínculos entre médicos e comunidades também é uma marca do programa, reconhecida pela aprovação da população usuária do SUS.