O desembargador Gilberto Giraldelli, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, acolheu pedido formulado pelo Núcleo de Ações de Competência Originária – NACO Criminal, do Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPMT), reconhecendo, pela via difusa, a inconstitucionalidade parcial do artigo 96, inciso I, alínea “a” da Constituição Estadual, que incluía entre os agentes públicos com foro privilegiado em ações criminais os Procuradores do Estado. A questão foi suscitada pelo coordenador do NACO Criminal, Procurador de Justiça Domingos Sávio de Barros Arruda, em Ação Penal na qual o ex-Procurador-geral do Estado, João Virgílio do Nascimento Sobrinho, é acusado, juntamente a outros agentes públicos, de corrupção passiva, e a decisão do desembargador repercutirá em casos semelhantes, ou seja, retirando de qualquer membro da PGE o direito a foro privilegiado.
A inexistência de foro privilegiado para Procuradores do Estado foi suscitada pelo Ministério Público estadual com base em julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 2533/MA, ocorrido em 15 de maio de 2019, quando o Plenário da Corte declarou a inconstitucionalidade do artigo 81, inciso IV, da Constituição do Estado do Maranhão, na parte em que incluía os Procuradores do Estado, Procuradores da Assembleia Legislativa, Defensores Públicos e Delegados de Polícia entre as autoridades estaduais com prerrogativa de foro perante o Tribunal de Justiça daquela unidade da federação.
Em sua decisão, o desembargador Gilberto Giraldelli acolhe a argumentação do MPMT, declinando da competência do Tribunal de Justiça para julgar a ação penal, remetendo os autos à 7ª Vara Criminal da comarca de Cuiabá.
Na Ação Penal Pública Originária o Procurador do Estado João Virgílio do Nascimento Sobrinho é acusado da prática do crime de corrupção passiva (tipificado no artigo 317, caput, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo códex), por, supostamente, ter auxiliado Emanuel Gomes Bezerra Júnior, Eder de Moraes Dias, Percival Santos Muniz e Lucia Alonso Correia, nos anos de 2008 e 2009, a receberem vantagem econômica indevida no exercício das funções públicas que exerciam. A vantagem indevida teria ocorrido em troca da reconsideração e homologação ilícita de pareceres baseados em documentos fraudulentos que possibilitaram o pagamento indevido, pelo Estado de Mato Grosso, de R$ 12 milhões à empresa Bandeirantes Construções e Terraplanagem Ltda, que teriam sido posteriormente distribuídos entre os acusados.
Ao justificar sua decisão, o desembargador Gilberto Giraldelli cita o voto do ministro relator da Adin 2533/ME, Alexandre de Moraes – que foi acompanhado por mais seis ministros do STF -, no qual destaca que o foro privilegiado é uma excepcionalidade já estabelecida pela Constituição Federal, tanto na esfera federal, quanto no âmbito estadual, direta ou indiretamente, estabelecendo quais autoridades têm direito a tal privilégio, não podendo, as Constituições estaduais, acrescentar, por iniciativa própria, outras autoridades, para além do que é estabelecido pela Carta Magna, entre aqueles que devem usufruir do foro privilegiado. A decisão do STF tem a chamada repercussão geral.
“Neste cenário, considerando que as decisões proferidas pelo Pretório Excelso em sede de controle concentrado de constitucionalidade possuem efeito vinculante e eficácia erga omnes, em obediência ao princípio da segurança jurídica e no exercício do controle difuso de constitucionalidade, julgo imperioso o reconhecimento, por via difusa, da inconstitucionalidade parcial do art. 96, inciso I, alínea “a”, da Constituição do Estado de Mato Grosso, especificamente no que concerne ao estabelecimento de foro privilegiado aos membros da Procuradoria-Geral do Estado (...)”, afirma o desembargador em sua decisão.