Esportes
Clubes do Nordeste equilibram as contas e o jogo contra os times mais ricos
As situações econômicas dos clubes são comparáveis através dos orçamentos divulgados pelas próprias equipes. Entre o fim e o começo do ano, as diretorias publicaram as previsões orçamentárias para o ano de 2020, onde levam em conta quanto irão gastar, entre salários, despesas e investimentos, e quanto irão receber, entre negociações, receitas de televisão, prêmios esportivos e venda de ingressos. “Essas previsões costumavam ser peças de ficção bizarras porque não correspondiam com a realidade, imaginando vendas incertas e resultados improváveis para fechar o orçamento”, pontua Fernando Ferreira, especialista em gestão esportiva da Pluri Consultoria. “Mas neste ano senti uma preocupação maior com as finanças. Os clubes estão mais realistas com as despesas e conservadores com as receitas, como deve ser, especialmente as impressionantes administrações de Fortaleza, Bahia e Ceará".
Entre os elogiados planejamentos, o com maior faturamento é o do Bahia. A gestão do presidente Guilherme Bellintani prevê uma receita de 179 milhões para a temporada de 2020, com uma folha salarial de aproximadamente 3,5 milhões mensais. Somando os gastos com o departamento de futebol, dívidas e custos administrativos, as despesas devem chegar nos mesmos 179 milhões e, por isso, o Bahia não prevê superávit em 2020 —o que, segundo Ferreira, não deixa de ser elogiável. “A gestão do Guilherme [Bellintani] já é excelente por não causar prejuízo”, diz. Bellintani completa: “Dobramos o faturamento em dois anos, mas o grande endividamento deixado pelas gestões anteriores é o que ainda freia esse superávit”. A precoce e surpreendente eliminação do tricolor baiano na Copa do Brasil para o River do Piauí, na primeira fase, estragou parte dos planos de Bellintani, uma vez que o presidente esperava captar ao menos quatro milhões a mais de acordo com o desempenho no torneio nacional.
Ainda assim, o Bahia é mais popular que Ceará e Fortaleza, bicampeão brasileiro e, na visão de Ferreira, o clube nordestino com mais capacidade de alavancar receitas. O time baiano foi quem mais arrecadou com ingressos em 2019 no Nordeste e, nos últimos anos, fez algumas das vendas mais relevantes da região, como Zé Rafael para o Palmeiras, Jean para o São Paulo e Rodrigo Becão e Júnior Brumado para o exterior. As negociações foram no sentido contrário a partir do ano passado, quando o Bahia comprou o zagueiro Juninho do Palmeiras e Fernandão, que estava na Arábia Saudita. Em 2020, trouxe o atacante titular do Corinthians, Clayson; pegou emprestado o lateral do Internacional, Zeca; comprou o meia do Cruzeiro, Rodriguinho; e convenceu o desejado Rossi a trocar o Vasco por Salvador.
Rossi estava na mira de Atlético Mineiro e Fluminense, mas escolheu o Bahia, segundo o mesmo, pela estrutura e “projeto muito ambicioso”. O Vasco também tinha o desejo de renovar com o atacante, mas não houve acordo por conta de “promessas não cumpridas”, nas palavras de Rossi, por parte dos cariocas. O clube vascaíno, que acumulou um prejuízo de 14 milhões de reais no segundo semestre do ano passado, quando tinha um gasto salarial de 3,3 milhões de reais por mês (contando apenas carteira de trabalho), não tem um centro de treinamento, enquanto o Bahia oferece um novo a Rossi. “Investimos 35 milhões no CT nos últimos três anos, o que também fez o clube dar esse salto”, conta o presidente Guilherme Bellintani.
A dupla cearense não fatura tanto quanto o Bahia, mas se destaca por outros motivos. O Fortaleza teve sucesso esportivo guiado pelo treinador Rogério Ceni: foi o melhor nordestino do campeonato brasileiro e campeão da Copa do Nordeste. Prestes a disputar sua primeira competição internacional, a Sul-Americana, a instituição deve arrecadar 109 milhões de reais em 2020 —o maior orçamento de sua história, que possibilitou o clube comprar o jovem meia David do Cruzeiro em janeiro. O Ceará lutou contra o rebaixamento até o fim do Brasileirão 2019, mas colheu frutos financeiros pela austeridade: a gestão prevê um faturamento de mais de 100 milhões e um superávit de quase oito milhões de reais na temporada, o maior do Nordeste. As cifras abriram margem na folha salarial para trazer dois jogadores consagrados no país, Fernando Prass e Rafael Sóbis, que estavam em Palmeiras e Inter respectivamente. Os números foram apurados pelo jornalista pernambucano Cassio Zirpoli.
“O trio nordestino é um exemplo da nova geração de dirigentes que se preocupa com a gestão”, confirma Fernando Ferreira. Bellintani também elogia os adversários e afirma que a diferença seria ainda maior com receitas de TV mais equilibradas. Enquanto o Botafogo, 15º colocado no Brasileirão, espera ganhar algo em torno de 100 milhões de reais com os jogos transmitidos pela Rede Globo e afiliados em 2020, o Fortaleza, que ficou em nono lugar, prevê pouco mais de 40 milhões como verba de TV. A discrepância segue a regra da emissora: privilegiam transmissões do Botafogo pelo tamanho da torcida, e consequentemente, a equipe acaba recebendo mais por isso.
O Botafogo tem um faturamento maior que os três nordestinos, mas acumula mais de 700 milhões em dívidas, assim como o Fluminense. O Cruzeiro terá o faturamento reduzido em quatro vezes neste ano com o rebaixamento e passivos acumulados. Segundo as próprias previsões, Internacional, Corinthians e São Paulo também planejam terminar a temporada com déficit financeiro apesar dos faturamentos na casa dos 400 milhões de reais, a menos que alguma receita inesperada apareça. São exemplos de gestões mais ricas, mas com administrações piores do que os concorrentes do Nordeste.
“Os nordestinos estão desafiando a hierarquia do futebol brasileiro à qual nós estamos acostumados”, comenta Ferreira. “Eles ameaçam principalmente Vasco, Botafogo e Fluminense. O primeiro ainda pode ser salvo pelo tamanho da torcida, mas os dois últimos estão na berlinda”, conclui ele. Os números recentes de outros paulistas, gaúchos e mineiros são ruins, mas não o suficiente para se preocupar tanto quanto o trio carioca na visão do especialista. “Eles [o trio] estão fazendo gestões ruins há décadas. Quando você começa a perder relevância e o torcedor deixa de se engajar, é uma queda irreversível”.
Guilherme Bellintani concorda: “A geopolítica do futebol brasileiro está mudando e isso é algo claro e histórico, mas muito pequeno ainda. Apenas o Athletico Paranaense já ultrapassou alguns dos 12 grandes”, lembra. A etapa mais bem-sucedida da reconstrução do Bahia, que começou em 2014, se encerra no fim de 2020 com o término da gestão de Bellintani. O presidente confia na sequência do trabalho positivo, independentemente de seu sucessor, pelo processo democrático do clube, onde seus mais de 40.000 sócios escolhem o presidente. “A democracia anda de mãos dadas com a boa gestão. A partir do momento em que eu tenho milhares de pessoas me fiscalizando, minhas obrigações são mais sérias e efetivas. Criamos uma cultura de gestão e isso é maior do que qualquer presidente”, comemora.