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Por que palestinos estão protestando contra o Hamas em Gaza?
As manifestações em Beit Lahia, no norte de Gaza, nesta semana, foram os maiores protestos contra o Hamas no território desde o início da guerra, em outubro de 2023

Centenas de pessoas foram às ruas da Faixa de Gaza para pedir o fim da guerra entre o Hamas e Israel e para exigir que o grupo deixe o poder.
As manifestações em Beit Lahia, no norte de Gaza, nesta semana, foram os maiores protestos contra o Hamas no território desde o início da guerra, em outubro de 2023.
Vídeos compartilhados nas redes sociais por ativistas geralmente críticos ao Hamas mostraram jovens gritando "fora, fora, fora, Hamas fora".
As manifestações ocorrem após a retomada da campanha militar de Israel em Gaza, depois de quase dois meses de cessar-fogo.
Centenas de palestinos foram mortos e milhares deslocados desde que as operações militares israelenses foram retomadas com ataques aéreos em 18 de março.
Israel culpou o Hamas por rejeitar uma nova proposta dos EUA para estender a trégua, mas o Hamas, por sua vez, acusou Israel de abandonar o acordo original firmado em janeiro.
Em um comunicado na quarta-feira (26/3), o Hamas responsabilizou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, pela retomada da guerra.
Apoiadores do Hamas minimizaram a importância dos protestos e acusaram os participantes de serem traidores.
O que os manifestantes querem?

Crédito,Getty Images
Manifestantes disseram à BBC que estão "esgotados" pela guerra.
Ao programa Gaza Lifeline da BBC Arabic, o serviço de notícias em árabe da BBC, a residente de Gaza Fatima Riad El Amrani afirmou: "Não conseguimos dormir, não conseguimos comer e nem sequer temos água limpa. Esta é uma vida de humilhação, não uma existência normal. Estamos cansados em todos os sentidos da palavra."
Um morador de Gaza, que não foi identificado, disse à BBC que o Hamas não pode continuar governando o território: "O Hamas deve abrir mão do controle de Gaza. Já tivemos o suficiente de violência e destruição. Neste momento, não estamos em posição de enfrentar Israel ou o mundo ocidental, pois parece que o mundo inteiro está contra nós."
Outro residente, que preferiu não se identificar, explicou por que estava participando dos protestos: "Foi a fome, a pobreza e a morte que me trouxeram. Perdi meu filho e não houve compensação. Queremos uma nova pátria".
Protestos planejados ou espontâneos?
Ammar Dweik, diretor-geral da Comissão Independente de Direitos Humanos na Palestina, afirmou que as manifestações pareciam ser tanto espontâneas quanto pacíficas, apesar das condições em que as pessoas vivem em Gaza.
"As pessoas chegaram a um ponto próximo do desespero e acreditam que, se o Hamas abrir mão do controle, isso pode aliviar seu sofrimento humanitário", disse ele.
Hassan Mneimneh, pesquisador do Instituto do Oriente Médio em Washington, nos EUA, concordou que, embora os protestos parecessem espontâneos, não estava claro qual grupo os manifestantes desejavam que governasse Gaza no futuro.
O ativista palestino Abdulhamid Abdel-Atti afirmou que a maioria dos manifestantes e organizadores das manifestações era jovens politicamente independentes, que não pertenciam necessariamente a nenhuma facção política.
No entanto, a BBC conversou com várias pessoas que vivem fora de Gaza e que afirmam ter participado da organização dos protestos.

Crédito,Getty Images
Cenário político palestino dividido
A liderança política do povo palestino tem sido profundamente dividida há anos entre dois centros de poder: o Hamas em Gaza e o movimento Fatah, que governa a Cisjordânia ocupada por meio da Autoridade Palestina (AP).
A cisão entre os grupos se aprofundou dramaticamente depois que o Hamas obteve uma vitória esmagadora nas eleições parlamentares palestinas de 2006, destituindo o movimento rival Fatah, liderado pelo presidente Mahmoud Abbas.
Após sua vitória, o Hamas resistiu a todos os esforços para que assinasse acordos palestinos anteriores com Israel, reconhecesse a legitimidade de Israel e renunciasse à violência.
A Autoridade Palestina – que reconhece o direito de existência de Israel – foi, no passado, o principal órgão por meio do qual Israel e a comunidade internacional negociaram com os palestinos.
Como resultado, o novo governo liderado pelo Hamas foi submetido a duras sanções econômicas e diplomáticas por Israel e seus aliados no Ocidente.
Em 2007, forças leais ao Fatah foram expulsas de Gaza pelo Hamas, e Israel, junto a seus aliados ocidentais, impôs um bloqueio rigoroso ao território em resposta.
Desde então, várias tentativas de reconciliação entre Hamas e Fatah fracassaram.
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As críticas abertas ao Hamas cresceu em Gaza desde o início da guerra, tanto nas ruas quanto online, embora ainda haja aqueles que são ferozmente leais ao grupo, e seja difícil avaliar com precisão até que ponto o apoio ao Hamas tenha mudado.
Observadores também afirmam que já havia oposição ao Hamas muito antes da guerra que começou em outubro de 2023, embora grande parte dela permanecesse oculta por medo de represálias.
Após os recentes protestos, um porta-voz do Fatah em Gaza, Munther al-Hayek, pediu ao Hamas que "ouvisse a voz do povo" e renunciasse.
Ele afirmou que a presença do Hamas se tornou "uma ameaça para a causa palestina".
O próprio Hamas não comentou os protestos, apesar dos esforços da BBC em fazer contato.
Mas, em um grupo no Facebook, um oficial do Hamas, Bassem Naim, disse que era direito de todos "levantar suas vozes contra a agressão ao nosso povo e a traição à nossa nação".
No entanto, Naim acrescentou que as "condições humanitárias graves" em Gaza não deveriam ser exploradas para "agendas políticas questionáveis".
Vários ativistas disseram à BBC que acreditam que os protestos continuarão.