Política

Os planos de contra-ataque de Bolsonaro após denúncia da PGR

Bolsonaro foi acusado formalmente de ter liderado um plano de golpe de Estado após ter perdido a eleição de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 19/02/2025
Os planos de contra-ataque de Bolsonaro após denúncia da PGR
Bolsonaro foi acusado formalmente de ter liderado um plano de golpe de Estado após ter perdido a eleição de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) | Arthur Menescal/Getty Images

Embora a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro (PL) tenha sido formalizada na noite desta terça-feira (19/2), a estratégia do presidente para tentar se esquivar já vinha sendo pavimentada há um tempo.

Na própria terça, poucas horas antes da denúncia, Bolsonaro se encontrava com senadores aliados para tentar desenterrar o projeto da Lei da Anistia que pode vir a beneficiá-lo em uma eventual condenação (leia mais abaixo).

Dias antes, o ex-presidente foi às suas redes sociais convocar seus seguidores a uma manifestação em março, em prol de pautas diversas. Dentre elas, "fora Lula".

Bolsonaro foi acusado formalmente de ter liderado um plano de golpe de Estado após ter perdido a eleição de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A Procuradoria pede que o ex-presidente responda pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Bolsonaro e sua defesa negam as acusações.

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Caberá agora ao Supremo Tribunal Federa (STF) analisar se aceita a denúncia, que inclui outras 33 pessoas, incluindo seu ex-ministro da Casa Civil, general Braga Netto, que concorreu a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022.

Essa é a quarta vez que um ex-presidente é denunciado criminalmente. Na esteira de Bolsonaro, Lula, Michel Temer (MDB) e Fernando Collor (PRD) já passaram por isso.

No entanto, é a primeira em que um ex-presidente é denunciado por atentar contra a democracia.

No âmbito da Justiça Eleitoral, Bolsonaro está inelegível até 2030, devido a duas ações julgadas em 2023.

Ele foi acusado de abuso do poder político e de uso indevido dos meios de comunicação, por ter atacado a lisura do processo eleitoral brasileiro em uma reunião com embaixadores em julho de 2022, e ter usado as celebrações do 7 de setembro para fins eleitorais.

Enquanto os advogados dos acusados, incluindo Bolsonaro, preparam a defesa prévia e as possíveis contestações da denúncia, o ex-presidente e seus aliados correm por diferentes frentes no contra-ataque.

16 de março

Na iminência da formalização da denúncia, Bolsonaro publicou um vídeo na segunda-feira (17/2) convocando seus seguidores para uma manifestação, que já estava marcada, para o dia 16 de março em várias cidades do país.

No vídeo, Bolsonaro diz que estará presente em Copacabana, no Rio de Janeiro, junto a um dos principais aliados, o pastor Silas Malafaia, "e outras lideranças".

Malafaia, que republicou o vídeo do ex-presidente convocando para os atos, até o fechamento desta reportagem ainda não havia publicado nada referente à denúncia da PGR.

A pauta da manifestação é, segundo Bolsonaro, "liberdade de expressão, segurança, custo de vida, fora Lula 2026 e anistia" aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro.

Em São Paulo, o ato tem sido organizado por Carla Zambelli, cujo mandato de deputada federal foi cassado no fim de janeiro pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo.

O TRE acusou a ex-deputada, que também está inelegível por oito anos, pelas práticas de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

Segundo o Tribunal, Zambelli divulgou informações inverídicas sobre o processo eleitoral de 2022.

Após a denúncia contra Bolsonaro nesta terça, Zambelli publicou uma nota em sua rede social dizendo que a manifestação é "essencial para restaurar a normalidade democrática em nosso país".

PL da Anistia

Poucas horas antes da denúncia da PGR ser formalizada, Bolsonaro fazia uma visita ao Senado para articular a votação do projeto que prevê anistia aos envolvidos no 8 de janeiro.

De autoria do ex-vice-presidente e hoje senador general Hamilton Mourão (Republicanos-RS), a última tramitação do PL da Anistia ocorreu em agosto do ano passado.

Na expectativa de tentar desenterrar a proposta, Bolsonaro almoçou com o bloco Vanguarda do Senado, que inclui parlamentares do seu partido, o PL, e do partido Novo.

Além do projeto de Mourão no Senado, tramitam na Câmara outros sete projetos relacionados a anistia de manifestantes, alguns apresentados antes e outros, depois do 8 de janeiro.

A acusação feita pela PGR nesta terça afirma que Bolsonaro era um dos líderes de uma organização criminosa que contribuiu no 8 de janeiro, "para a destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União" e "com violência à pessoa e grave ameaça, emprego de substância inflamável e gerando prejuízo considerável para a União".

Após o almoço que teve com aliados no Senado na terça, Bolsonaro disse à imprensa que já havia quórum na Câmara para aprovar a anistia.

"Juridicamente falando, o PL da Anistia poderia beneficiar Bolsonaro", em uma eventual condenação, afirma Davi Tangerino, professor de Direito Penal na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Para o advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rogério Taffarello, ainda há muita incerteza acerca do projeto. "Quem deve ter a última palavra deve ser o Judiciário, caso esse projeto venha a vingar", afirmou.

"Se for irrazoável, a Constituição é cheia de regras e princípios que costuma trazer as tomadas de decisões políticas a um nível de razoabilidade."

Jair Bolsonaro.

Crédito,Adriano Machado/Reuters

Legenda da foto,Aliados de Bolsonaro também atacam a Lei da Ficha Limpa

Ficha Limpa

Outra linha de estratégia dos aliados ao ex-presidente Bolsonaro é a alteração da Lei da Ficha Limpa.

A lei, que entrou em vigor em 2010, endureceu os parâmetros que impedem pessoas a participar do processo eleitoral e aumentou de três para oito anos o período de inelegibilidade, estabelecido, até então, por uma legislação de 1990.

Mas um projeto que tramita na Câmara dos Deputados, apresentado por parlamentares em sua maioria do PL, prevê mudar o período de inelegibilidade para dois anos.

Durante sua tramitação na Câmara, o projeto foi anexado a outra proposta, que relaxa os parâmetros, indicando que a proibição da candidatura só ocorra em casos de processo penal e só se houver condenação em última instância ou por órgão colegiado.

Todas as mudanças, se forem aprovadas, beneficiariam Bolsonaro, que foi declarado inelegível no âmbito da Justiça Eleitoral por oito anos, até 2030.

Por isso, para Marlon Reis, advogado e idealizador da lei, a proposta é casuística.

"Essa é uma manobra que tem endereço certo", afirma. "O texto se dirige somente ao abuso de poder. As muitas outras hipóteses de inelegibilidade são mantidas, e isso entrega o caráter casuístico da norma."

De acordo com ele, a alteração da lei, cuja proposta é por meio de uma lei complementar à Constituição, é inconstitucional e, portanto, inviável.

"A redução do prazo [de inelegibilidade] torna a norma inócua, porque os mandatos são de quatro anos. Por isso, trata-se de uma revogação disfarçada de norma."

Para ser aprovada, o projeto, que neste momento está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), precisa de maioria absoluta na Câmara dos Deputados.

A esperança nos EUA

A volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos é vista por Bolsonaro e seus apoiadores como uma possibilidade de ventos políticos mais favoráveis em meio às acusações e à sua inelegibilidade.

Reportagem publicada pela BBC News Brasil mostrou que existe uma expectativa de que Trump e sua equipe possam fazer movimentos de apoio a Bolsonaro e até mesmo de pressão contra membros do Judiciário — que, no melhor cenário, poderia pressionar por uma rediscussão de sua inelegibilidade.

A rixa entre Elon Musk, um dos maiores financiadores de Trump e hoje chefe do departamento de Eficiência Governamental dos EUA, e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, sustenta a tese de que apoiadores de Bolsonaro e Trump têm um inimigo em comum.

A plataforma X, de Musk, chegou a ser suspensa no Brasil no ano passado depois que o bilionário se recusou a cumprir ordens judiciais de Moraes e do STF. Naquela época, Trump chegou a usar o caso da suspensão do X no Brasil como um exemplo dos perigos à liberdade de expressão em democracias ocidentais.

Ao jornal americano The New York Times, Bolsonaro deixou claro que tem expectativas de que Trump seria capaz de alterar as correlações de força no Brasil de modo a favorecê-lo, embora tenha se recusado a especificar como isso seria feito.

"Não vou tentar dar nenhuma dica a Trump, nunca", disse ele. "Mas espero que a política dele realmente se espalhe para o Brasil."

Trump, por sua vez, não fez nenhum aceno público até o momento para Bolsonaro.

O aceno, se ocorrer, será no máximo político. "Juridicamente, não há nada que Trump possa fazer", diz o advogado Rogerio Taffarello. "O Estado é soberano."